Inteligência Artificial na prevenção do câncer

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 705 mil casos da doença são esperados a cada ano até 2025 somente no Brasil. Dentro desse cenário preocupante, pesquisadores do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP estudam o uso de inteligência artificial (IA) por machine learning na predição da mortalidade de pacientes com a doença. O algoritmo informa a equipe médica sobre o risco do paciente evoluir a óbito entre 12 a 24 meses após a data de diagnóstico, garantindo assim um panorama sobre a gravidade de seu estado e quais medidas preventivas específicas devem ser tomadas. A iniciativa é fruto de um financiamento garantido pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.

De acordo com o doutorando Gabriel Silva, da FSP e pesquisador principal do estudo, os dados obtidos pela IA ficariam disponíveis desde o início do tratamento. “Digamos que o paciente fez os seus exames e voltou no retorno com o médico. Ali o profissional já vai ter algumas informações, por exemplo, quanto ao estadiamento clínico”, explica Gabriel ao Jornal da USP. Estadiar um caso de câncer implica a avaliação de seu grau de disseminação – dado-chave para se identificar pacientes de alto risco.

O pesquisador afirma que a rápida indicação de um caso grave ajudaria no conhecimento antecipado de medidas que possam aumentar a sobrevida de diagnosticados com câncer. “Isso pode ser uma ferramenta muito útil para priorizar o tratamento de determinados pacientes, para identificar qualquer pessoa que tem o maior risco de morrer. O que eu faço com esse paciente hoje? Eu passo ele na frente da fila de tratamento ou esse paciente apresenta um baixíssimo risco de morte e eu consigo priorizar uma outra pessoa em uma situação mais grave?”, explica Gabriel.

A pesquisa contou com o banco de dados do Registro Hospitalar de Câncer (RHC) da Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp), vinculada à Secretaria de Saúde, que tem como objetivo incentivar o estudo e o ensino de atividades de prevenção e detecção precoce do câncer. Apenas pacientes diagnosticados de 2014 a 2017 no Estado de São Paulo foram incluídos no estudo, que abrange todos os cânceres com maior incidência na população brasileira, como o de mama e o de próstata. O câncer de pele não melanoma, por apresentar altos índices de cura, não foi considerado para a pesquisa. Ao todo, 29 mil pacientes tiveram seus perfis analisados por inteligência artificial, sendo que 72,7% foram diagnosticados em hospitais públicos.

A aplicação prática do uso de IA ficaria a cargo da disponibilização das informações no prontuário digital, já utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017. O prontuário já é uma tecnologia que possibilita a consulta do histórico clínico, resultados de exames e dados sobre os pacientes.

O professor Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps e docente da FSP, explicita os benefícios da implementação da inteligência artificial. “Os algoritmos garantirão um subsídio à equipe médica. Hoje em dia o médico possui muita informação dispersa, mas nada que unifique tudo para dar exatamente o que esse profissional gostaria de saber, que é a gravidade desse paciente.”

A utilização de IA na área da saúde é um campo ainda pouco explorado. A aplicação por machine learning, neste caso, auxilia na tomada de decisões médicas ao utilizar algoritmos para realizar previsões precisas acerca das condições de saúde do paciente em questão. O doutorando aponta os benefícios da inteligência artificial para o campo médico. “O machine learning funciona a partir do aprendizado das regras gerais dos dados. Ao apresentarmos um conjunto de informações, são explicitadas uma série de relações que a olho nu não seriam identificadas”, explica Gabriel.

Agora, os pesquisadores prosseguem para a fase dois do estudo, utilizando uma inteligência artificial 2.0 e adotando um estudo clínico randomizado (com pacientes distribuídos aleatoriamente entre os grupos para evitar vieses). “Nós já descobrimos que esses algoritmos tomam decisões inteligentes na área da saúde. O segundo passo é se perguntar se o profissional de saúde que tem essa informação toma melhores decisões”, afirma o diretor do Labdaps. Além disso, uma possível melhora no prognóstico dos pacientes também será analisada na próxima fase.

O artigo descrevendo o estudo Machine learning for longitudinal mortality risk prediction in patients with malignant neoplasm in São Paulo, Brazil, foi publicado na revista científica Artificial Intelligence in the Life Sciences e faz parte da pesquisa de doutorado de Gabriel Silva.

Mais informações: e-mail gabriel8.silva@usp.br, com Gabriel Silva

Texto: Camilla Almeida
Arte: Carolina Borin Garcia

FONTE: Jornal da USP

Conheça a APCED, uma doença autoimune rara

Elton Alisson / Agência Fapesp – Pesquisadores das faculdades de Medicina (FMRP) e de Odontologia (Forp) da USP, em Ribeirão Preto, e do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, em Campinas, elucidaram o mecanismo molecular de uma das mutações genéticas causadoras da poliendocrinopatia autoimune associada à candidíase e distrofia ectodérmica (Apeced, na sigla em inglês).

Os resultados do estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foram descritos na revista Frontiers in Immunology.

“Conseguimos observar como o mecanismo molecular de uma das mutações que desencadeiam a síndrome Apeced atua nas células da glândula do timo. A descoberta pode contribuir para orientar, no futuro, terapias gênicas para pacientes com essa doença rara”, diz à Agência Fapesp Geraldo Aleixo Passos, professor da Forp e da FMRP que coordenou o projeto. O primeiro autor do estudo é Jadson Santos, que realiza doutorado na FMRP sob a orientação de Passos.

A síndrome Apeced se manifesta geralmente na infância, inicialmente com a ocorrência de candidíase, e é causada por mutações no gene AIRE (sigla em inglês de autoimmune regulator), identificado como responsável pela suscetibilidade a doenças autoimunes ao controlar a tolerância imunológica.

A tolerância imunológica permite que o sistema imune seja capaz de distinguir os antígenos próprios do corpo humano dos antígenos de microrganismos patogênicos, impedindo que os componentes próprios sejam atacados pelas células T – glóbulos brancos especializados em coordenar a resposta de defesa contra tumores e agentes infecciosos. “Quando a tolerância imunológica é suprimida surgem as doenças autoimunes”, explica Passos.

“O AIRE controla a expressão dos antígenos do corpo na glândula do timo, sinalizando para o sistema imune não reagir contra esses autoantígenos”, afirma.

Uma das principais mutações no gene AIRE apresentadas em pacientes com a síndrome Apeced, chamada G228W, é observada em uma região da proteína codificada por esse gene chamada de domínio SAND.

“Já se sabia que essa mutação está associada à síndrome Apeced, mas ainda não tinham sido elucidados seus mecanismos moleculares, ou seja, como uma proteína AIRE mutante atua no timo”, diz Passos.

Por meio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores simularam estruturas da proteína codificada pelo gene AIRE sem e com a mutação G228W e analisaram com quais outras proteínas ela interage no núcleo celular para permitir que as células do timo controlem a expressão dos autoantígenos, de modo que não sejam atacados pelo sistema imunológico.

Os resultados das análises indicaram que, em condições normais, sem a mutação G228W, a AIRE se associa temporariamente a uma proteína, chamada SIRT1, desencadeando uma cascata de eventos biomoleculares que permite que as células do timo expressem os genes dos autoantígenos. Já a proteína mutante apresenta um defeito na associação com a proteína SIRT1 que prejudica a transcrição dos genes dos autoantígenos.

A constatação foi corroborada por meio de experimentos, feitos na bancada do laboratório, com peptídeos contendo resíduos de aminoácidos do domínio SAND da proteína AIRE com e sem a mutação G228W.

“Observamos que a mutação G228W no domínio SAND influencia negativamente a interação entre as proteínas AIRE e SIRT1. A proteína AIRE com a mutação perde a função de permitir a transcrição dos autoantígenos pelas células do timo”, afirma Passos.

Modelo de estudo

Embora a síndrome Apeced, que é a principal doença causada pela mutação no gene AIRE, seja bastante rara, os pesquisadores avaliam que ela é um bom modelo para avançar na compreensão de como o corpo humano tolera a si próprio.

“Essa é uma questão fundamental da imunologia porque uma das funções do sistema imune é tolerar os constituintes próprios do corpo, e o gene AIRE é fundamental para esse controle”, afirma Passos.

O artigo The AIRE G228W mutation disturbs the interaction of AIRE with its partner molecule SIRT1 pode ser lido em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fimmu.2022.948419/full.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

FONTE: Jornal da USP

Tratamento com testosterona reverte efeitos de doença rara que afeta sangue e pulmões

Estudo clínico do Hemocentro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP desenvolveu um tratamento específico para a doença dos telômeros, um distúrbio raro que encurta precocemente as pontas dos cromossomos das células do corpo, afetando a produção de sangue pela medula óssea e o funcionamento dos pulmões. Durante dois anos, os pacientes receberam injeções de nandrolona, um derivado sintético do hormônio testosterona, já usada para outras doenças e, ao final do tratamento, apresentaram reversão do encurtamento acelerado dos cromossomos, melhoras no sangue e da função pulmonar, nos casos em que o órgão foi afetado. Os resultados da pesquisa são apresentados no artigo Effects of nandrolone decanoate on telomere length and clinical outcome in patients with telomeropathies: a prospective trial publicado no site da revista científica Haematologica em 29 de dezembro.

O estudo procurou desenvolver um tratamento clínico para pacientes com doença dos telômeros, um tipo hereditário de falência da medula óssea, enfermidade rara e pouco pesquisada, que carece de tratamento eficaz para impedir sua progressão. “Nossos cromossomos armazenam toda nossa informação genética em cada célula do nosso corpo, e os telômeros são as pontas destes cromossomos. Eles protegem os cromossomos”, afirma ao Jornal da USP o médico Diego Villa Clé, do Hemocentro de Ribeirão Preto, que coordenou a pesquisa. “Cada vez que a célula se divide para dar origem a duas novas células, o telômero se encurta um pouco. Assim, ele é um marcador do envelhecimento de cada célula.”

Segundo o médico, nessa doença há um defeito na enzima responsável por produzir os telômeros, chamada telomerase. “O mau funcionamento desta enzima faz com que eles se encurtem mais rapidamente, em todas as células do corpo, principalmente nas que mais se dividem, como a medula óssea, que produz nosso sangue, e, por isso, as principais manifestações clínicas são alterações no hemograma como anemia, contagens baixas de leucócitos e plaquetas, chamadas de falência medular”, descreve. “Outros órgãos que sofrem com o encurtamento precoce dos telômeros são pulmão, manifestado como fibrose pulmonar, e o fígado, que apresenta cirrose hepática, além de pele com manchas, unhas malformadas e cabelo branco precoce.”

Estrutura dos cromossomos, com telômeros nas pontas; cada vez que a célula se divide, telômero encurta um pouco, sendo marcador do envelhecimento celular – Imagem: Reprodução

Tratamento

“É uma doença muito rara, porém de incidência real desconhecida. É subdiagnosticada, e portanto, subnotificada. Como é pouco conhecida, faz-se pouco o diagnóstico”, observa Villa Clé. “Não há tratamento específico atualmente, que evite sua progressão. Quando ela se manifesta nos diversos órgãos, o que se faz é realizar o transplante ou de medula óssea, ou de pulmão ou de fígado. Mas trata-se apenas a consequência, não a causa.”

Durante dois anos, os pacientes foram tratados com nandrolona, um derivado sintético da testosterona. “Todos os que completaram o tratamento tiveram aumento do comprimento dos telômeros, objetivo primário do estudo, e 67% deles apresentaram melhora da doença hematológica, das contagens do hemograma e, em sua maioria, interrupção da necessidade de transfusões”, relata o médico. “Alguns pacientes também apresentavam fibrose pulmonar e eles tiveram estabilização do funcionamento dos pulmões. Esse tratamento foi bem tolerado, com efeitos colaterais leves a moderados, e manejáveis, e pode ser uma opção para tratar a doença.”

 

Doença leva a mau funcionamento da enzima telomerase e a encurtamento precoce dos telômeros, afetando células do corpo – Imagem: Reprodução

“Antes dos testes em pacientes foram muitos anos de pesquisa básica tentando achar um agente que impedisse o encurtamento precoce dos telômeros. Tanto nosso grupo, quanto os de outros países, realizaram vários estudos, inclusive in vitro [em células de laboratório] previamente, até chegarmos aos análogos de hormônios masculinos”, observa Villa Clé. “Um estudo clínico anterior, conduzido nos Estados Unidos, já havia demonstrado bons resultados com uso de danazol, um análogo oral da testosterona. No nosso trabalho, usamos um derivado sintético, a nandrolona, aplicada em injeções quinzenais.”

De acordo com o médico, o tratamento já está disponível para uso clínico. “O medicamento é adotado há vários anos para outras doenças, é seguro, desde que empregado sob supervisão médica, podendo ser uma esperança de evitar as complicações decorrentes do encurtamento precoce dos telômeros”, conclui.

Além de Diego Villa Clé, o trabalho também contou com a participação dos pesquisadores Luiz Fernando Catto, Fernanda Gutierrez-Rodrigues, Flávia Donaires, André Pinto, Barbara Santana, Luiz Guilherme Darrigo, Elvis Valera, Marcel Koenigkam-Santos, José Baddini Martinez, Neal Young, Edson Martinez e Rodrigo Calado. Além do Hemocentro de Ribeirão Preto e do HCFMRP, também colaborou com a pesquisa o National Institute of Health (NIS) em Bethesda (Estados Unidos).

Mais informações: e-mail dvcle@hcrp.usp.br, com Diego Villa Clé

Texto: Júlio Bernardes
Arte: Carolina Borin Garcia

FONTE: Jornal da USP

Milhões de idosos no mundo não têm autonomia para atender às necessidades básicas

Ser capaz de realizar atividades como se vestir, tomar remédios ou gerir o seu dinheiro pode parecer simples para a maioria das pessoas. Entretanto, um relatório produzido pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) revela que, pelo menos, 142 milhões de pessoas com 60 anos ou mais não têm autonomia para atender às suas necessidades básicas. Esses dados não incluem os idosos que vivem em instituições de longa permanência. Para reverter esse quadro, é necessário criar ferramentas para melhorar a independência e a qualidade de vida do idoso.

É o que defende o médico geriatra André Filipe Junqueira dos Santos, doutor pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Ele explica que desenvolver instrumentos para melhorar o processo de envelhecimento da pessoa com saúde é essencial. “O envelhecimento saudável é a ideia de um envelhecimento em que a gente procura preservar a habilidade funcional e promover oportunidades para manter, e até melhorar, a saúde física e mental para garantir independência e qualidade de vida nesse período da existência.”

Santos acredita que a desconstrução dos estereótipos criados pela sociedade sobre a terceira idade e o estímulo para que elas permaneçam ativas e funcionais dentro das suas limitações são essenciais para pensar a otimização da habilidade funcional. “Com a criação de ferramentas que ajudem a executar essas atividades básicas, os idosos podem cuidar melhor de si mesmos e viver de forma mais independente.”

Reformular a sociedade

De acordo com o médico, aquela visão tradicional que se tem de uma pessoa mais velha, aposentada, ficar dentro de casa, sem ter o que fazer, é muito ruim em diversos aspectos, seja para pessoa em si, porque ela se sente isolada e a solidão vai acarretar problemas físicos e de saúde mental, seja para a sociedade também, porque começa a ter mais gastos com saúde e cuidados. “Precisamos reformular a sociedade para garantir que essas pessoas tenham uma maior oportunidade de participar ativamente.”

Apesar do desenvolvimento de políticas públicas nesse sentido, o professor ressalta a capacidade de cada um fazer a sua parte e interferir no seu próprio processo de envelhecimento caminhando para uma boa qualidade de vida. “Envelhecer é um processo irreversível, todo mundo envelhece. Mas cada um pode interferir no seu próprio envelhecimento. A maneira como nós vamos envelhecer é a maneira como nós vamos viver muito tempo da nossa vida. Então, a gente precisa se preparar de diversas maneiras para que, quando nós tivermos uma idade acima de 60, 70 anos, continuemos ativos em diversos aspectos.” Santos conclui com uma pergunta: “Como é que a gente está preparando o nosso país para viver com isso?”.

FONTE: Jornal da USP

Exposição a ambiente adverso pode causar efeitos negativos no desenvolvimento embrionário

Especialistas comentam pesquisa que revelou que o processo de envelhecimento está diretamente ligado à programação fetal, que tem a ver com as mudanças ocorridas no feto, ainda no seu período de desenvolvimento, em função do ambiente em que a mãe esteve inserida quando grávida.

Uma pesquisa publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), no ano passado, revelou que o processo de envelhecimento está diretamente ligado à programação fetal, que são as mudanças ocorridas no feto ainda no seu período de desenvolvimento em função do ambiente em que a mãe, enquanto grávida, está inserida.

A partir de análises de amostras de sangue de idosos acima dos 70 anos, as pesquisadoras Lauren L. Schmitz e Valentina Duque descobriram que, especificamente, o período da Grande Depressão dos Estados Unidos teve um impacto na regulação dos processos celulares e moleculares, que ocasionaram uma mudança na função epigenética.

“O epigenoma nada mais é do que sinais que existem no DNA que podem modificar a forma como esse DNA é expresso. Então, através dessas modificações epigenéticas do nosso DNA, ele pode ser ativado ou desligado em determinadas circunstâncias”, explica Gabriela Placoná Diniz, Ph.D. e professora assistente do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Isso significa que, a depender da mudança ocorrida na função epigenética, certas características podem vir a ser expressas de maneira mais evidente. Gabriela esclarece que “o que eles mostraram nesse estudo é que filhos de mães que foram submetidas a condições econômicas daquela época da Grande Depressão americana tinham um aumento de marcadores epigenéticos associados ao envelhecimento acelerado na idade adulta”. Assim, envelhecem mais rápido que outras pessoas.

A situação do ambiente intrauterino acaba provocando uma alteração conhecida nos seres humanos como metilação do DNA. A sequência genética se mantém e o que ocorre é a metilação (adição de um metil) de um nucleotídeo, a citocina. “Essas modificações podem alterar o processo de divisão celular e a transcrição do DNA, levando a alterações de expressão de determinados genes que são responsáveis pela produção de algumas proteínas que são importantes para o funcionamento do organismo, para o processo de envelhecimento, do metabolismo e até prognóstico de possíveis doenças futuras”, explica Joel Rennó, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Programa Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do IP-USP.

Normalmente, a programação fetal só pode ser notada já na fase adulta. Não é possível  identificar mudanças estruturais no desenvolvimento do feto ainda em gestação, o que em tese impossibilita a tomada de medidas preventivas em relação à saúde do feto.

A Grande Depressão não é o único fator

A exposição a fatores socioeconômicos não é a única responsável pelas alterações epigenéticas de programação fetal. Conforme Rennó, “elas podem acontecer pela exposição intrautero à desnutrição, processos infecciosos e eventos estressores, como, por exemplo, mamães grávidas que de alguma forma foram submetidas às situações como a quebra da Bolsa de Nova York na década de 30, às situações trágicas, ou outros momentos, como o 11 de setembro e o Holocausto”.

A exposição a eventos adversos durante a gravidez também tem mais chance de alterar o tempo de organogênese, que é o processo de formação dos órgãos. Existe, ainda, um período mais sensível de desenvolvimento do feto, o qual, quando exposto a eventos adversos intra e extrauterinos, gera consequências de longa data.

“Essas mudanças podem levar a algumas alterações, sejam elas na esfera clínica, incluindo o processo de senescência mais acelerado ou não, e também até a uma maior vulnerabilidade a quadros psicológicos e psiquiátricos futuros. Mulheres que passam por situações de violência durante a gravidez, de privação socioeconômica, desnutrição, mulheres mais vulneráveis a infecções e outros gatilhos estressores podem, de alguma forma, por esse mecanismo genético, ter crianças que, na fase adulta, sejam mais suscetíveis a quadros psiquiátricos ou mesmo a algumas doenças clínicas”, explica o médico.

Outro aspecto lembrado por Rennó é o da modelagem comportamental, ocorrido no convívio entre pais e filhos. Não está necessariamente associado à genética, mas tem a ver com o fato de crianças presenciarem certos comportamentos de seus pais, como a esquiva fóbica, ansiedade antecipatória ou uma rotina de alto fluxo de atividades e informações que não condizem com a capacidade daquela criança. “Uma mãe deprimida ou uma mãe ansiosa – que tenha determinados comportamentos ou hábitos decorrentes da ansiedade ou da depressão – pode, no vínculo mãe e bebê, influenciar no comportamento e nos hábitos da criança”, exemplifica.

Como podemos contornar essa situação?

As causas da morte encontradas nos idosos – nascidos logo após a época da quebra da Bolsa de Valores de Nova York – que participaram do estudo foram principalmente por desordens metabólicas, ligadas à interrupção do crescimento intrauterino.

Naquela época não havia políticas públicas que minimizassem os impactos dessa recessão econômica para as mães em situação de vulnerabilidade. Não existiam, também, cuidados ou vitaminas pré-natais para as grávidas, ou seja, esses cuidados não foram tomados e todo o estresse foi sentido sem nenhum cuidado pré, durante ou pós-gravidez.

Gabriela Diniz complementa, dizendo que o caminho para evitar esse problema de acontecer novamente, ou desses marcadores intensificarem sua presença, seria “desenvolver políticas que sejam capazes de minimizar as dificuldades financeiras que muitas mães hoje em dia passam e que podem não somente afetar a saúde delas, mas inclusive a saúde dos bebês”.

Por Julia Estanislau

Fonte: Jornal da USP

Envelhecimento populacional acende sinal de alerta para casos de demência

Doenças neurodegenerativas devem aumentar no Brasil. Esses foram os dados compilados pela pesquisa da Global Burden of Disease, que também alerta para um salto de 1,8 milhão para 5,6 milhões de enfermos. Para demência e Alzheimer ainda não há cura, mas medidas de prevenção e atenção aos primeiros sinais das doenças são paliativos. Com o avanço da idade, as doenças podem ocorrer com mais frequência após os 70 anos.

O envelhecimento da população global chama atenção para cenários distintos da doença no mundo, uma vez que a idade avançada está associada ao aumento na tendência em desenvolvê-la. Isso ocorre devido às dificuldades socioeconômicas encontradas nos países mais pobres, locais em que quadros neurodegenerativos podem ser agravados.

Atualmente, cerca de 50% dos pacientes residem nesses países, número que tende a alcançar 62% em 2050. “Hoje em dia, a maior parte das pessoas com demência vive em países de baixa e média renda”, completa a doutora e pesquisadora da Faculdade de Medicina da USP, Claudia Kimie Suemoto.

No Brasil 

A partir de uma pesquisa desenvolvida por Laiss Bertola, que demonstra a prevalência de demência e comprometimento cognitivo em uma amostra diversificada nacionalmente, foi possível obter um cálculo do País, que inclui um recorte da região Sudeste, região com maior número de residentes. Para tanto, o estudo foi utilizado para precisar números e dados das doenças no âmbito nacional, relacionando fatores de risco, questões econômicas e raciais.

Um tópico levantado por Claudia chama atenção para o impacto dos 12 fatores de risco da demência. O Brasil apresenta aproximadamente 48% dos casos relacionados a fatores como hipertensão e perda auditiva na meia idade, obesidade, traumatismo craniano, abuso da ingestão de álcool, tabagismo e depressão, contra 40% dos casos diagnosticados no mundo.

Com a pesquisa e o próximo Relatório Nacional Sobre a Demência encomendado pelo Ministério da Saúde, é possível analisar se o Brasil estará preparado para acompanhar o aumento dos casos. Para isso, Claudia Suemoto destaca que ainda falta a educação necessária para informar a população dos riscos da demência e os primeiros sinais da doença.

Ela também destaca a necessidade da criação de um Plano Nacional de Demências, que surge com a potencialidade da doença em se tornar a principal causa da incapacidade e perda da cognição na população: “A demência vai se tornar cada vez mais um problema de saúde pública”, adiciona ela.

Prevenção e paliativos 

Os dados apresentados no Brasil e no mundo surgem como alertas para a doença que mais avança com o envelhecimento populacional. Aqui, os primeiros cuidados devem ser tomados a partir do estilo de vida ativo, com controle dos fatores de risco, como a hipertensão, e estar atento aos possíveis primeiros sinais do Alzheimer e da demência. Estes envolvem problemas de memória, dificuldade de comunicação e de raciocínio, desorientação no tempo.

Depois, com o diagnóstico da doença, é importante o cuidado com que as doenças são comunicadas pelos médicos. Claudia destaca que, para além da criação de um estilo de vida envolto em hábitos saudáveis, é necessário “melhorar o treinamento de médicos e pessoas da linha de frente com pacientes e familiares”, com a criação de campanhas que desmistifiquem estigmas sobre a velhice, o declínio cognitivo e a mortalidade.

Texto: Redação
Arte: Simone Gomes

FONTE: Jornal da USP

Como a restrição de sono afeta a saúde das crianças

Diante da restrição de sono, o organismo reage aumentando marcadores inflamatórios, que estão associados a um maior risco de desenvolvimento de vários problemas de saúde.

Crianças entre cinco e sete anos de idade que dormem menos de seis horas por noite têm mais chances de desenvolver problemas cognitivos, comportamentais, doenças do coração e obesidade. Além disso, a restrição de sono e o excesso de gordura corporal podem ser um gatilho para o desenvolvimento de doenças inflamatórias. É o que sugerem resultados de pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP com 199 crianças, alunos de escolas públicas e particulares de São Paulo e Fortaleza, no Ceará. O estudo usou como referência o tempo de sono recomendado por faixa etária da National Sleep Foundation, organização norte-americana sem fins lucrativos que promove a compreensão pública sobre os distúrbios do sono.

O objetivo principal do estudo foi investigar a associação entre sono e perfil inflamatório, mediada pela circunferência da cintura em crianças. Foram avaliados o tempo de sono, amostras de sangue e a média da circunferência abdominal. Com os dados em mãos, a pesquisadora realizou análises descritivas, de associação e, adicionalmente, construiu um modelo teórico para avaliar esses parâmetros. As crianças tinham, em média, 5,72 horas (h) de tempo de sono e 59,61 centímetros (cm) de cintura.

Estudos prévios sugerem que a qualidade do sono e a hora irregular de dormir das crianças contribuem para o surgimento de problemas como cognição prejudicada, dificuldades comportamentais (agressão e dificuldades para controlar a emoção), redução de desempenho acadêmico e maior risco de desenvolver obesidade.

Já o excesso de peso altera as funções do sistema imunológico e gera processos inflamatórios crônicos [produção de quimiocinas – pequenas proteínas secretadas pelas células que funcionam como potentes mediadores ou reguladores da inflamação e ativação de glóbulos brancos (leucócitos)] – , que desempenham um papel fundamental na mediação dos estágios de arterosclerose. Estudos também indicam que o risco de desenvolver síndromes coronarianas agudas e outras complicações é definido, em parte, por altos níveis de proteína C-Reativa, uma substância produzida pelo fígado que costuma ter seus níveis aumentados quando o paciente está passando por processos inflamatórios ou infecciosos. “A interrupção do ciclo natural do sono é interpretada pelo organismo como um estresse, que passa a emitir sinais para a produção de marcadores inflamatórios, tais como a proteína C-Reativa (PCR), como resposta ao estresse gerado pela privação de sono”, explica ao Jornal da USP Vanessa Cássia Medeiros de Oliveira, nutricionista e autora da dissertação de mestrado sobre o tema.

O projeto é parte de um estudo maior, denominado Novas fronteiras em saúde nutricional e cardiovascular pediátrica: desenvolvimento de métodos para avaliar a dupla carga da má-nutrição e a saúde cardiovascular ideial em países de baixa-média rendaconhecido como Saycare Cohort Study, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), que avalia a saúde cardiovascular de crianças latino-americanas. Os participantes foram alunos de escolas públicas e privadas de quatro cidades da América do Sul com mais de 500 mil habitantes (Buenos Aires, Argentina; Lima, Peru; Medellín, Colômbia; Fortaleza, São Paulo e Teresina, Brasil).

Vanessa utilizou, então, os dados de base dessa coorte (estudo de acompanhamento de longo prazo) de São Paulo e Fortaleza para realizar sua pesquisa, cuja coleta de dados foi feita entre setembro de 2019 e março de 2020. Segundo o orientador do trabalho, Augusto César F. de Moraes, professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, os resultados da dissertação colocam luz sobre um importante comportamento que muitas vezes negligenciamos, que é a saúde do sono na população, e mais especificamente em crianças, cujos índices mostram que mais de 50% dormem menos que o recomendado para a idade. “Esse dado é preocupante porque se a noite é mal dormida, o corpo não descansa, e para as crianças isso pode ter efeitos nocivos na concentração, no desempenho escolar e na aprendizagem.”

Fases da pesquisa

O primeiro passo de Vanessa foi a realização de uma revisão sistemática da literatura. Foram selecionados 2.724 artigos potencialmente elegíveis, mas apenas cinco atendenderam aos critérios de elegibilidade. O objetivo foi verificar se já existiam informações contundentes sobre a associação entre tempo e qualidade do sono com biomarcadores inflamatórios em crianças e adolescentes, já que essa ligação ainda permanecia incerta.

O tempo de sono não apresentou associação significativa com os biomarcadores inflamatórios, entretanto, a baixa qualidade dele teve associação positiva com o PCR, com baixa magnitude. A associação entre tempo, qualidade do sono e biomarcadores inflamatórios em países de baixa-média renda não trouxe resultados consistentes depois das análises.

A pesquisadora decidiu, assim, acessar os dados disponibilizados pelo Saycare Study referentes às cidades de Fortaleza e São Paulo. Para entender qual era o padrão de sono das crianças e como o organismo se comportava diante dessa variável, foi avaliado, por meio de um questionário, o momento em que a criança acorda, a hora em que ela vai para a cama, o tempo de siesta e a duração do sono noturno. Um acelerômetro (aparelho que mede repouso e movimento) foi preso à cintura dos voluntários por sete dias consecutivos, durante 24 horas. Pais ou responsáveis foram instruídos a não retirar o aparelho e a preencher um diário com as informações solicitadas. Os dados foram considerados válidos quando registrados por, pelo menos, oito horas diárias e três dias (dois na semana e um no fim de semana).

Os participantes foram classificados de acordo com a tabela da National Sleep Foundation (NSF), que recomenda 10 a 13 horas diárias de sono para crianças de três a cinco anos; e de 9 a 11 horas para crianças de seis a 13 anos. O tempo apropriado foi fixado entre 8 e 12 horas.

As variáveis antropométricas foram medidas de acordo com a padronização recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), nesta ordem: peso, altura, circunferência da cintura, do quadril, do pescoço e dobras cutâneas (bíceps, tríceps, subescápulas (músculo do ombro) e dobra cutânea supra-ilíaca. Todas as médias foram realizadas com o mínimo de roupas possível e sem sapatos.

Resultados

Os valores de proteína C-Reativa encontrados nos exames de sangue foram em torno de 1,0 mg/L (um miligrama por litro), acima do valor de referência, que é abaixo de 0,3mg/L. A média de tempo de sono rastreado pelo acelerômetro foi de menos de seis horas (5,72 h), contrapondo o recomendado pela NSF, que é de 9 a 11 horas para a faixa etária investigada no estudo.

Sobre a medida da cintura, o valor médio encontrado foi de 59 centímetros. Acima desse valor, as chances de desenvolver doenças metabólicas (como diabete e doenças coronarianas) são grandes, descreve a pesquisa.

Segundo a autora, foi possível fazer a associação entre o tempo de sono aferido pelo acelerômetro e o perfil inflamatório medido pelo PCR. Esses dois fatores são mediados pela circunferência da cintura. O tamanho alterado, principalmente em crianças, está associado a eventos cardiovasculares adversos aumentando em três vezes a taxa de mortalidade quando comparados a pessoas com peso normal.

O diagnóstico de obesidade abdominal aferida pela circunferência da cintura está associado a um perfil de risco mais aterogênico (colesterol que pode se acumular nas artérias, formar placas e causar estreitamento e bloqueio de vasos sanguíneos), porque aumenta os fatores de risco cardiometabólicos (perfil lipídico, hipertensão sistólica e glicemia de jejum anormal), tanto em crianças quanto em adolescentes.

Sono

O sono é fundamental para o bom funcionamento das vias endócrinas, metabólicas e imunológicas do nosso corpo. “É durante o sono noturno que são restaurados todos os processos bioquímicos e hormonais do organismo e, no caso das crianças, é um momento de muita atividade celular porque eles estão no auge de seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.
“Quando se dorme pouco ou além do que é recomendado, toda a cascata fisiológica e bioquímica do nosso corpo é afetada, alterando o nosso relógio biológico interno, que está alinhado ao ciclo circadiano de 24 horas”, diz a pesquisadora.
O ciclo circadiano é o ritmo natural do próprio corpo, que dura as 24 horas do dia e que regula atividades e processos biológicos, que vão desde o metabolismo até os períodos de sono e vigília. Quando anoitece, nosso corpo começa a produzir melatonina, o hormônio do sono. Ao amanhecer, libera outro tipo de hormônio, o cortisol, para que despertemos.

Recomendação de horas de sono por faixa etária

Segundo a National Sleep Foundation, os tempos de sono são divididos em nove faixas etárias. Entretanto, dormir uma hora a mais ou a menos do que a o recomendado é aceitável e não traz prejuízo a ninguém. As horas recomendadas são as seguintes:

FAIXA ETÁRIA HORAS DE SONO RECOMENDADAS
0-3 meses 14-17 horas
4-11 meses 12-15 horas
1-2 anos 11-14 horas
3-5 anos 10-13 horas
6-13 anos 9-11 horas
14-17 anos 8-10 horas
18-25 anos 7-9 horas
26-64 anos 7-9 horas
65 anos ou mais 7-8 horas

A dissertação de mestrado de Vanessa de Oliveira Associação entre tempo de sono e perfil inflamatório em crianças sul-americanas contou com a orientação do professor Augusto César Ferreira de Moraes, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.

Mais informações: e-mail vanessacnutricionista@gmail.com, com Vanessa Cássia Medeiros de Oliveira

Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Rebeca Fonseca

FONTE: Jornal da USP

Pericardite é mais comum em adultos, mas não está descartada em crianças

Existem várias doenças que podem acometer o coração, um dos órgãos mais importantes do corpo humano. A parede do órgão é constituída por três diferentes camadas, uma delas é o pericárdio, uma membrana que é  uma espécie de saco que envolve o músculo. A pericardite é a inflamação do pericárdio.

A cardiologista Minna Moreira Dias Romano,  professora de Clínica Médica da Faculdade de Medicina  de Ribeirão Preto da USP  (FMRP-USP), explica que a pericardite inflamatória é mais comum, principalmente em adultos, mas não está descartada em crianças.

Em 90% dos casos, a doença é causada por um vírus, como o da gripe, caxumba, catapora ou sarampo,  por exemplo. Nas demais situações, pode ser gerada por bactéria, fungos, alguns parasitas, tumores e doenças reumatológicas.

Dor aguda

O principal sintoma da pericardite aguda é uma dor em pontada, repentina e forte, bem no meio do peito, que varia de intensidade com a mudança de posição: aumenta quando a pessoa deita e diminui quando senta ou inclina o corpo para a frente. Muitas vezes esses sintomas são confundidos com uma virose. Por esse motivo, é importante conhecer todas as manifestações e procurar ajuda médica.

É uma doença séria, que pode trazer muitas complicações na vida do paciente. Dessa maneira, o tratamento deve ser seguido à risca, sob pena de haver recorrência do processo, podendo até levar à necessidade de cirurgia. O exame de imagem  – eletrocardiograma,  ecocardiografia, além da ressonância cardíaca e a tomografia cardíaca – é a melhor maneira de diagnosticar a pericardite, segundo Minna Moreira.

Por Sandra Capomaccio

Fonte: Jornal da USP

Hábito de estalar o pescoço não representa riscos para a saúde

Algumas pessoas possuem a mania de estalar o pescoço e os dedos sempre que podem: seja para aliviar algum desconforto ou pela sensação prazerosa. Mas muitos pensam que estalá-los pode trazer algum problema ou que o barulho significa algo ruim. Esse ato também está relacionado com diversos mitos como AVCs e problemas nas articulações. No senso comum, mania geralmente tem uma conotação ruim. Porém, o pesquisador Daniel Assaz, do Instituto de Psicologia da USP, explica que não é bem assim: “Eu acho que você pode ter uma complicação do significado que essa palavra tem. Mania, em geral, vai estar associada a uma conotação negativa e com algo errado que a pessoa está fazendo, e várias dessas atitudes são coisas inofensivas ou que até nos ajudam a lidar com alguns desafios do dia a dia”. Porém, Assaz também acrescenta que mania não é o termo da literatura psicológica mais correto para atribuir, mas pode ser o mais próximo do dia a dia: “[Não tem um termo específico porque] pode ter diversos significados, diversas intenções, depende da pessoa e depende da situação que a gente está falando”.

Um ponto importante é: talvez a mania em si não seja ruim, mas não controlá-la pode ser um problema. “Alguns hábitos podem se desenvolver em algo mais complicado, que a gente deveria olhar com mais atenção quando isso começa a ganhar uma proporção muito grande ou quando começa a entrar numa dinâmica que se aproxima de certas obsessões ou até comportamentos autolesivos”, explica Assaz. No caso de estalar o pescoço e os dedos, a mesma consideração se aplica, como pontua o professor Arnaldo Hernandez, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da USP: “Normalmente, não tem problema para articulação. A única coisa são aquelas pessoas que têm o hábito de ficar estalando repetidamente a articulação, cada vez ela faz aquele movimento mais forte, mais intenso”.

O som

O som de “crec” quando se estala o pescoço e os dedos não vem de uma quebra de ossos ou algo mais grave. A hipótese científica mais aceita atualmente é a da existência de bolhas no líquido articular: “O líquido articular ou sinovial é um filtrado do nosso sangue e, da mesma forma que o sangue, contém gases que estão diluídos nele como o nitrogênio, o oxigênio e o gás carbônico. Quando a gente faz aquele movimento abrupto com a articulação, a gente cria uma pressão negativa e pode fazer com que esses gases se aglutinem e se juntem, fazendo pequenas bolhas na articulação. Quando ela estoura, pode ter esse ruído, tanto que, quando a gente estala uma articulação, se você tentar estalar logo em seguida, você tem que esperar uns 15 minutos para voltar lá, que é o tempo do gás novamente se dissolver no líquido”, explica Hernandez.

Mitos

Mesmo falando que não há problema em estalar o pescoço e os dedos, muitos mitos ainda circulam. Um deles é: “Estalar o pescoço causa AVC?”. Os AVCs são acidentes vasculares cerebrais, ou seja, alterações no fluxo sanguíneo cerebral responsáveis pela morte de células nervosas da região atingida.

Hernandez explica que estalar o pescoço não é capaz de causar um AVC: “O grande problema é quando as pessoas tentam fazer manobras muito vigorosas, muito intensas para conseguir o estalo e, numa dessas manobras, elas podem machucar essa articulação. Na região cervical é um pouco mais preocupante, mas não causaria um acidente vascular cerebral, é muito pouco provável”.

“Estalar engrossa os dedos” é outra ideia errada do senso comum. O médico Arnaldo Hernandez coloca que o maior problema é o trauma causado na hora de estalar os dedos de forma forçada e não o ato de estalar em si: “A junta engrossar só vai acontecer se você, pela repetição daquele movimento, começar a machucar seu ligamento, começar a ter outras lesões que vão, obviamente, causando alguma cicatriz, alguma fibrose que deixa a articulação mais grossa”.

FONTE: Jornal da USP

Como tranquilizar o estresse de nossas vidas

O estresse é algo muito comum no dia a dia, seja por coisas simples, como bater o mindinho na porta, ou por problemas mais complicados, como dívidas e intrigas. Mas poucas pessoas sabem o que é estresse e como funciona o seu controle pelo nosso organismo.

“O estresse é definido como um estado de quebra do equilíbrio, seja por um estímulo interno ou externo. Em muitos casos, as complicações fisiopatológicas devido ao estresse levam a considerá-lo como um fator desencadeante ou até agravante de muitas doenças“, diz Maria Cândida Villares Fragoso, professora da Faculdade de Medicina da USP e também membro do corpo clínico da disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas.

O que é o estresse?

 

Como a professora comentou, o estresse, do ponto de vista fisiológico, é responsável pela quebra da homeostase, isto é, o equilíbrio interno, químico e físico do organismo. Porém, ele também pode ser observado pelo viés psicológico, como explica o professor Antônio de Pádua Serafim, do Instituto de Psicologia da USP: “Ele depende da tipologia da problemática. O que é uma problemática aos olhos de uns, pode ser uma situação simples para outros”.

O professor ainda acrescenta que o estresse é uma carga tensional psicobiológica, muito relacionada à resposta do organismo ao medo e situações ameaçadoras. As diferentes vivências e percepções fazem com que as pessoas reajam de formas distintas, mas as reações emocionais mais comuns são o aumento da ansiedade, do medo, da atenção e da fragilidade.

Sistema de resposta

Mas por que nós temos alguma reação ao estresse? A professora Maria Cândida explica que o nosso corpo possui um sistema de resposta a ele controlado por hormônios: “A organização neuroendócrina desse sistema de resposta ao estresse envolve o eixo hipotálamo, hipófise e adrenal e também o locus cœruleus”.

Conhecido como cerúleo, o locus cœruleus é uma estrutura do cérebro humano, localizada na massa cinzenta, e é formado por um aglomerado de neurônios capazes de sintetizar e produzir quantidades significativas de, especialmente, noradrenalina. Ele é fundamental no desencadeamento da resposta ao estresse e nas situações de perigo e fuga. Quanto à questão diretamente hormonal, a adrenalina e o cortisol, ambos produzidos pelas glândulas adrenais, são os responsáveis mais conhecidos pelo controle do estresse. O cortisol induz a produção de adrenalina, porém, caso ele se mantenha num nível elevado por um longo período, a professora adverte: “Quando um organismo tenta manter a homeostase frente aos diferentes desafios que o organismo tenta responder, se a carga for muito prolongada, pode levar a doenças e a uma situação de estresse crônico”.

Controle

O Brasil, segundo dados da Associação Internacional do Controle do Estresse, ocupa o segundo lugar no mundo com o maior nível de estresse. Serafim comenta sobre o fator ambiental ser uma das causas do aumento do estresse: “Ele naturalmente vai afetar as pessoas, mas, quando você tem um ambiente que favorece, ele passa a ser um fator causal e até moderador do agravo desses quadros. Ou seja, ambientes que geram instabilidade, que geram vulnerabilidade às populações são ambientes causadores e desencadeadores do estresse”. O professor complementa explicando que uma forma importante de reduzir o estresse é identificando quais são os fatores desencadeadores.

A professora Maria Cândida acrescenta a naturalidade do estresse e a necessidade de nos adaptarmos a ele na atual sociedade: “Essa é a grande questão da sociedade moderna: como equilibrar o crescimento do nível de estresse, seja por qualquer motivação? É preciso adaptar-se a essa situação que é constante na nossa vida através da utilização de modelos melhores de qualidade de vida”. A especialista coloca que uma pausa é necessária para tranquilizar o organismo. Fazer atividades físicas, ter uma boa alimentação, obter tempo para si mesmo e fazer coisas que goste são algumas opções: “Cada um tem que descobrir o quanto deve ser feito para diminuir esse estímulo estressor, para que não apresentem efeitos maléficos comprometendo o bem-estar e, consequentemente, a qualidade de vida. É preciso buscar essa adaptação, porque não temos como tirar o estresse da vida”.