Você sabe o que é Cápsula Endoscópica?

Pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP analisaram a importância da cápsula endoscópica, nova técnica de imagem médica para o diagnóstico precoce de doenças nestes locais, e as novas possibilidades de uso que surgiram com a modernização do procedimento.

São chamadas de imagens médicas as variadas técnicas usadas na medicina para ver o que acontece dentro do corpo humano, como a ressonância magnética, a radiografia, a tomografia, a ecografia, feitas de forma externa, e a endoscopia, feita de forma interna. Os procedimentos endoscópicos funcionam com a inserção de uma pequena câmera no trato gastrointestinal dos pacientes, o que requer sedação. Tanto na endoscopia superior (captação de imagens do esôfago, estômago e início do intestino delgado) quanto na inferior (captação de imagens do intestino grosso e parte final do intestino delgado), o procedimento não consegue percorrer todo o sistema digestivo, deixando de fora grande parte do intestino delgado.

As cápsulas têm cerca de 2,6 cm de comprimento e 1,1 cm de diâmetro, com as laterais arredondadas, e são ingeridas por via oral, para seguir o caminho do trato digestório. São pequenos aparelhos em tamanho de medicamentos orais, equipados de câmera, fonte de luz, bateria e transmissor, que captam toda a extensão do sistema gastrointestinal. “Ela tem um sistema de iluminação branca, uma pequena câmera integrada, baterias para alimentar todos os sistemas e um sistema que transmite as imagens feitas”, diz João Paulo Carmo, professor da EESC. Além das cápsulas, são vendidos, para empresas de diagnóstico, aparelhos externos para recepção das imagens coletadas.

 

As diferentes endoscopias, alta, baixa e cápsula – Imagem: retirada do artigo

 

Essa tecnologia permite que o exame seja feito sem sedação — diferentemente de como são feitos os demais procedimentos endoscópicos — de forma indolor para o paciente. Além disso, toda a extensão do trato gastrointestinal é coberta. O trabalho resultou no artigo Endoscope Capsules: The Present Situation and Future Outlooks, publicado na revista Bioengineering, e, de acordo com os autores, a cápsula endoscópica é indicada para diagnóstico de doenças no esôfago, tumores intestinais, sangramento gastrointestinal, doença de Crohn e doença celíaca.

Por outro lado, há possibilidades de haver retenção da cápsula no organismo e lacunas de gravação. Também não é possível controlar a locomoção e a posição da cápsula, já que o aparelho segue os movimentos peristálticos do sistema digestivo, o que pode prejudicar os resultados do exame. Por isso, ainda é mais prático e barato, para diagnóstico de órgãos que são cobertos pelos métodos superior e inferior, usar a endoscopia convencional.

O estudo analisou também possíveis respostas para o controle dos movimentos, dentre eles o uso de campos magnéticos. “A própria Cápsula Endoscópica tem um pequeno ímã, fora do organismo podemos usar um ímã maior e mais forte que interage com a cápsula, o que, teoricamente, consegue controlar o movimento e a posição da cápsula. Nesse caso, a revolução vai ser drástica”, explica o pesquisador. Se esse problema for contornado, novas possibilidades de uso para a essa tecnologia podem ser aplicadas.

“Essa cápsula tem se mostrado um bom método diagnóstico, aliás, tem sido muito usada como diagnóstico de primeira linha. Antes dela, ou se fazia exames de raio-X e ressonância magnética, ou por cirurgia, abrir e ver o que se passa. A cápsula, nesse aspecto, é um auxiliar muito importante, tanto por não usar radiação e nem campos magnéticos intensos, e ainda tem a particularidade de ser um dispositivo minimamente invasivo”, explica Carmo.

Por causa desses fatores, segundo Carmo, a indústria farmacêutica viu um grande potencial de lucro nas cápsulas e hoje já existem outras empresas que também fornecem o aparelho. Assim, o objetivo do artigo era traçar as perspectivas para a tecnologia das cápsulas endoscópicas, vantagens e desvantagens e suas possíveis aplicações.

As cápsulas endoscópicas foram desenhadas em 1989, mas só começaram a ser comercializadas em 2000, pela empresa Given Imaging, nos Estados Unidos.

 

Sistema da cápsula – (a) cúpula (dome) óptica, (b) suporte físico para as lentes, (c) lente (com baixa distância focal), (d) LEDs de luz branca para iluminação, (e) sensor para aquisição de imagens, (f) baterias de óxido de prata para alimentação, (g) um emissor de radiofrequência (RF) para transmissão sem fios das imagens e (h) uma antena – Imagem: cedida pelo pesquisador

Imagens captadas no intestino delgado pela cápsula. (A) Angioectasia (vasos sanguíneos dilatados) sem sangramento, (B) sangramento ativo) – Imagem: retirada do artigo

Novas possibilidades da Cápsula Endoscópica

“Outra grande aplicação possível é a terapia fotodinâmica. Basicamente, essa terapia é feita com a injeção de um fotossensibilizador, uma substância que reage à luz”, diz Carmo. Cada fotossensibilizador reage a um comprimento de onda específico, na faixa de 400–760 nm. Quando a luz encontra o fotossensibilizador, “o fármaco é ativado e promove a formação de radicais livres de oxigênio, que vão provocar danos no nível celular em tecidos tumorais.”

Esses filtros ópticos específicos podem ser acoplados na cápsulas endoscópica para tratar doenças em áreas do intestino delgado, porém é necessário ter controle do movimento do aparelho para garantir que a terapia seja aplicada nos locais exatos, para não danificar tecidos saudáveis do organismo.

Atualmente, a terapia fotodinâmica já é usada para tratar tumores no esôfago, no estômago, no pâncreas e colorretal, e doenças hepatobiliares (fígado e bílis). “Nos locais onde já se faz terapia fotodinâmica é muito mais barato, rápido e expedito usar endoscópios convencionais. No dia em que surgirem no mercado cápsulas nas quais se consiga controlar os movimentos e posicionamento das cápsulas, será uma revolução realizar terapia fotodinâmica nas porções internas no intestino delgado.”

Segundo os autores do artigo, as cápsulas também podem ser adaptadas para procedimentos de endomicroscopia a laser (para obtenção de imagens de alta resolução dos órgãos), espectroscopia (para detectar mudanças físicas em tecidos) e imagens de banda estreita (imagens com visibilidade vascular).

Além de Carmo, também contribuíram com o trabalho Rodrigo Gounella, Talita Conte Granado, Daniel Luis Luporini e os professores Oswaldo Junior e Mário Gazziro.

Mais informações: e-mail jcarmo@sc.usp.br, com João Paulo Carmo

* Estagiária, sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiária, sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Oxigenoterapia hiperbárica mostra-se eficiente na recuperação de lesões no joelho

O Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas realizou um estudo mostrando que a oxigenoterapia hiperbárica pode contribuir com a recuperação de lesões musculoesqueléticas e aponta a eficácia da câmera hiperbárica na recuperação pós-cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior no joelho.

A análise em desenvolvimento abriu novas linhas de pesquisa no tratamento de algumas doenças ortopédicas, como é exposto pelo líder do estudo e professor Marcos Demange, do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFM) da Universidade de São Paulo.

A doença

A lesão no ligamento cruzado anterior do joelho é um dano comum entre os praticantes de esportes, que é ocasionado quando o atleta estoura o ligamento central do joelho, deixando-o instável. De acordo com o professor, o tempo de recuperação após o tratamento pode ser longo até que o ligamento fique novamente forte.

“Ocorre quando a pessoa trava o joelho no chão e gira o ligamento que está em seu centro, ele pode estourar e, quando isso acontece, a pessoa fica com o joelho sem estabilidade ou seja, ele afrouxa. O tratamento normalmente demanda uma cirurgia que tem um tempo longo de recuperação, de quase 26 meses até esse ligamento ficar resistente”, explica o especialista.

Oxigenoterapia hiperbárica

Inicialmente, a oxigenoterapia hiperbárica começou a ser usada em doenças compressivas, principalmente com mergulhadores que estão em profundidade no mar e sobem rápido para a superfície e em trabalhadores em plataformas de petróleo, há mais de 30 anos, afirma o professor.

Demange expõe que o tratamento passou a ser utilizado para cicatrizar tecidos em que a oxigenação era ruim e em que bactérias cresciam demasiadamente, gerando infecções, gangrenas ou feridas grandes. Utilizando a mesma lógica de tecidos que não possuem boa oxigenação e que, por isso, demoram para cicatrizar, o professor e sua equipe tiveram a ideia de utilizar a medicina hiperbárica no sistema esquelético.

“Estamos no ar ambiente, que tem em torno de vinte e poucos por cento de oxigênio e a nossa pressão no corpo é de uma atmosfera que está aí em cima da gente. Quando colocamos uma pessoa dentro de uma câmera hiperbárica, significa aumentar a pressão em uma ou duas vezes do que estaria na atmosfera, é como se fosse um mergulho de 20m no mar de pressão”, descreve o especialista

Além disso, coloca-se um oxigênio a 100% dentro da câmera hiperbárica e, em vez dos vinte poucos por cento que a gente está respirando, faz com que o oxigênio, além de ser transportado pela hemoglobina, corra pelo plasma, elevando o nível do oxigênio mais de seis ou sete vezes, ajudando a célula a crescer, explicita o professor.

Desenvolvimento do estudo

No estudo foi feita a divisão de dois grupos, em que um grupo ficou no ar normal e o outro ficou cinco dias seguidos recebendo uma hora e meia de oxigênio trapiperbárica. Após três meses, que é o tempo de recuperação do ligamento, foi analisado em exames de alta resolução um resultado promissor em que o ligamento estava bem mais resistente. Embora a terapia seja benéfica, existem algumas contraindicações.

“As duas contraindicações mais relevantes são, por exemplo, se uma pessoa está com glaucoma, que é o aumento de pressão dentro do olho, ela não pode se submeter a um tratamento desse tipo. Como também em pessoas que possuem claustrofobia muito forte e que possuam convulsões que não estão sendo controladas”, reitera o especialista.

Os estudos desenvolvidos ainda serão utilizados na prática; no momento, os estudos clínicos com os pacientes serão iniciados. A linha de pesquisa vai ser expandida para outros locais que não só do ligamento cruzado anterior, mas também para o menisco, a cartilagem, o tendão do ombro e em outras regiões com uma cicatrização ruim.

“Essa é uma linha de pesquisa que se abriu. Então, o que é muito interessante desse estudo que, aliás, foi publicado numa revista internacional super-relevante, é que abriu uma linha de pesquisa nova e uma vertente nova de tratamento para nós aqui na Faculdade de Medicina da USP”, destaca o especialista.

FONTE: Jornal da USP

Mortalidade após AVC é alta em pacientes com comorbidades que não fazem fono e fisioterapia

O acidente vascular cerebral (AVC) acontece quando há problemas nos vasos sanguíneos que alteram o fluxo de sangue no cérebro, o que causa a morte de células do sistema nervoso na região afetada. Classificado como acidente vascular isquêmico (vasos cerebrais entupidos) ou acidente vascular hemorrágico (rompimento dos vasos), o AVC é uma das doenças que mais matam no País, além de ser a principal patologia que causa incapacidade funcional (desempenho físico prejudicado) e cognitiva (comprometimento das funções encefálicas) no mundo. Segundo dados do Portal da Transparência do Centro de Registro Civil, em 2023, até novembro, foram registrados mais de 98 mil óbitos por AVC no Brasil.

Apesar dos números elevados de mortes e da grande prevalência na população brasileira, o AVC ainda é considerado uma doença negligenciada, e poucos estudos longitudinais de longo prazo investigaram seus fatores de risco durante um grande período. Pesquisadores da USP publicaram artigo com os resultados de um estudo derivado de 12 anos de acompanhamento de pacientes que sofreram AVC e procuraram o primeiro atendimento no Hospital Universitário (HU) da USP.

Em Cerebrovascular risk factors and their time-dependent effects on stroke survival in the EMMA cohort study, publicado na National Library of Medicine, se observou que o grau de incapacidade funcional pós-AVC, ou seja, dificuldade em executar tarefas cotidianas básicas, é o fator que mais influencia nas taxas de mortalidade e que a reabilitação para essas sequelas melhora o prognóstico (evolução da doença) dos pacientes em longo prazo.

O Estudo de Mortalidade e Morbidade do AVC (EMMA) se iniciou em 2006. Foram incluídos pacientes de 2006 a 2014, com acompanhamento dos sobreviventes ou informações sobre óbito até 2018. “Uma vez incluídos, fizemos um seguimento periódico anual via telefone, se o paciente estava vivo e se ele ou um acompanhante familiar poderia conversar conosco sobre o estado de saúde pós-AVC: se teve outro episódio, se ficou com alguma sequela, se estava fazendo reabilitação fisioterápica e fonoterápica, se tomava os remédios para os fatores de risco cardiovasculares, entre outros”, detalha Alessandra Carvalho Goulart, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e médica pesquisadora do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP.

Com as repostas obtidas, os pesquisadores compararam o efeito de variáveis ao longo do tempo — como idade, sexo, baixo nível educacional, comorbidades prévias, uso de medicamentos — durante o período de acompanhamento, e assim, conseguiram apontar os fatores que estão ligados a uma pior sobrevida pós-AVC.

Dos 1.378 casos observados pelo EMMA, o artigo analisou uma amostra de 632 pessoas que sofreram AVC isquêmico e estavam vivas pelo menos por seis meses após o acidente vascular. Dessa amostra final, houve 275 óbitos durante o seguimento.

“Observamos que o sexo masculino, o baixo nível educacional, não fazer uso contínuo de medicação para controle dos fatores de risco e algumas comorbidades prévias implicam um risco maior de morrer, porém o risco foi fixo, ao longo de 12 anos não mudou”, diz Alessandra Goulart. Apesar do risco fixo, se a pessoa não cuida desses fatores, há maior chance de morte.

Em contraste, o uso contínuo de medicamentos para controle dos fatores de risco cerebrovasculares reduziu o risco de mortalidade em 50% nos anos observados.

“A mortalidade é muito alta nas pessoas com comorbidades que não fazem reabilitação de fono e fisioterapia. Porque há um risco maior de broncoaspiração e de morrer de complicações infecciosas, como pneumonia aspirativa, por exemplo. Além do uso de medicações e a presença de comorbidades, o que realmente chamou atenção foi a questão da pessoa ainda se manter sequelada pós-AVC, com a incapacidade no mínimo moderada a grave de ter uma pior sobrevida em longo prazo”, diz a pesquisadora.

Em relação ao risco dependente do tempo pós-AVC, os pesquisadores observaram que o grau de incapacidade funcional (moderada a grave) e o envelhecimento tiveram maior impacto na mortalidade, principalmente entre seis meses e dois anos e meio após o acidente vascular.

Segundo Alessandra Goulart, os resultados demonstram a importância de investimentos em fisioterapia e reabilitação para os indivíduos que sofreram acidentes vasculares, uma vez que eles podem viver mais e sem sequelas. Ao mesmo passo que pessoas mais sequeladas pelo AVC apresentam uma taxa de mortalidade maior e têm mais complicações médicas, quem se recupera melhor das complicações tem um melhor prognóstico pós-AVC.

“É necessário melhorar a rede de atendimento de reabilitação, porque o AVC ainda configura uma das principais cargas de mortalidade e morbidade no mundo, principalmente nas populações mais carentes, como parte da região do Butantã [zona oeste de São Paulo, onde fica o HU]”, destaca a pesquisadora.

Mais informações: e-mail agoulart@hu.usp.br, com Alessandra Carvalho Goulart

*Estagiária sob supervisão de Fabiana Mariz

FONTE: Jornal da USP

O exercício da sexualidade na terceira idade é pouco estudado e comentado

A sexualidade na terceira idade apresenta desafios relacionados ao próprio envelhecimento. No entanto, o principal deles está atrelado à invisibilidade do assunto. Falar sobre sexo na juventude já é difícil e vem acompanhado de uma série de tabus, mas falar de sexo depois dos 60 ganha nas desvantagens. E o que muita gente não sabe é que a sexualidade continua latente até mesmo na velhice, e não falar sobre ela pode prejudicar os idosos que queiram manter uma vida sexual saudável.

É muito comum ouvir e observar estereótipos sobre os mais velhos, como, por exemplo, a ideia de que não podem trabalhar ou que são debilitados e que, por isso, não podem assumir responsabilidades ou ter a rotina na mesma intensidade de quando eram jovens, incluindo vida sexual ativa. De acordo com Flávia Raquel Rosa Junqueira, ginecologista e obstetra com área de atuação em Sexologia, formada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, tanto homens quanto mulheres têm mudanças no corpo com o passar da idade e também na resposta sexual, mas o maior desafio é a invisibilidade. “O exercício da sexualidade nessa faixa etária ainda é muito pouco visto, estudado e falado. Temos uma crença coletiva de que é como se as pessoas mais velhas, as pessoas idosas não tivessem sexualidade, o que não é verdade”, declara.

Segundo Flávia, a sexualidade na terceira idade é a continuação dessa vivência praticada por toda a vida, associada com as modificações fisiológicas que a idade proporciona. “É uma fase da vida que precisamos realmente olhar com mais carinho e ter mais conhecimento. A sexualidade não deixa de existir, ainda que ela possa sofrer e passar por adaptações nesse período”, explica a especialista.

Mudanças fisiológicas

Assim como todo o corpo, os órgão sexuais também vão passar por transformações com o envelhecimento. De acordo com Flávia, no caso da mulher, essas alterações ocorrem na anatomia da região genital, da região pélvica, com a redução do tamanho do útero, a atrofia da mucosa do tecido vaginal e da vulva e o ressecamento dessa região. “Isso pode interferir na capacidade de lubrificação durante a relação sexual e pode levar, inclusive, à dor durante o ato sexual”, informa a médica.

No caso do homem, as alterações apontadas pela especialista estão relacionadas às dificuldades para alcançar a ereção, precisar de uma excitação mais demorada e a qualidade da ereção, que pode mudar com a diminuição da rigidez do pênis. “A questão da ejaculação também. Pode-se ter uma menor percepção desse momento que a ejaculação vai acontecer e uma redução da força e do volume do líquido ejaculado”, acrescenta.

Além disso, Flávia também explica as mudanças do orgasmo. Para as mulheres, a sensibilidade diminui ao longo do tempo, fazendo com que o orgasmo leve mais tempo e precise de mais estímulo, podendo ser, inclusive, de menor intensidade comparado à mulher quando mais jovem.

Da mesma forma, o orgasmo masculino pode ter uma resposta mais lenta e de contração da musculatura menos intensa e menos duradoura. “Há também um aumento do período refratário, que é o período entre o homem ter uma ejaculação do orgasmo e conseguir novamente reiniciar o ciclo de resposta sexual, com a ereção e um novo ciclo de ejaculação e orgasmo”, define a ginecologista.

Hábitos

Como outros aspectos do dia a dia, a sexualidade é reflexo de hábitos de toda a vida. Ainda segundo a especialista, é importante ter esse olhar ao longo da história, de que a sexualidade é fruto da nossa saúde como um todo. “Nosso estilo de vida vai impactar diretamente o exercício da nossa sexualidade no envelhecimento. Aquelas preocupações sobre a importância de uma alimentação saudável, da prática de exercício físico regular, a importância de um sono de qualidade, um adequado gerenciamento do estresse e evitar hábitos como o alcoolismo, o tabagismo, que podem interferir diretamente na sexualidade, é muito importante.”

A ginecologista reforça ainda que o envelhecimento é uma etapa da vida pela qual todos esperam passar e a importância de tratar a vida sexual nesse processo como algo natural e com carinho, até porque a sexualidade se mantém ainda que sem o mesmo desempenho sexual da juventude. “Um encontro sexual vai muito além da penetração. É reduzir demais acharmos que a sexualidade às vezes vai ser só essa questão em si. Essa expressão da sexualidade pode se manter ativa até o final da vida, assim como a satisfação sexual, independentemente das adaptações que eventualmente o envelhecimento possa trazer”, finaliza.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Junior

FONTE: Jornal da USP

“Solidão não é, necessariamente, sinal de sofrimento”

Um levantamento realizado pela associação Meta-Gallup mostrou que quase 1/4 das pessoas ao redor do mundo sentem solidão. A pesquisa foi conduzida em 142 países e não consultou a China – segundo país mais populoso do globo, o que poderia evidenciar um número ainda mais elevado. Quando perguntados o quão sozinhos os entrevistados geralmente se sentiam, 24% se classificaram como “muito”, 27% como “um pouco” e 49% como “nem um pouco”.

Os resultados mostraram que as taxas mais baixas de solidão foram relatadas por pessoas acima de 65 anos (17%), enquanto as taxas mais altas foram reportadas por jovens adultos, faixa etária que engloba dos 19 aos 29 anos (25%). Antônio de Pádua Serafim, professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP, explica que a elevada porcentagem de jovens adultos que se sentem sozinhos pode ser explicada pelo processo de desenvolvimento biológico vivenciado por esse grupo.

“São aquelas pessoas que estão em um período de identificação, de definição, de transição, de buscas, de consolidação pessoal e profissional, muitas vezes acadêmica, e até relações interpessoais”, exemplifica o professor. Além disso, são indivíduos que planejam perspectivas de projeções futuras, e esse momento de transição pode gerar inseguranças.

Serafim pontua que existem evidências que mostram que, atualmente, parte da população mais jovem possui poucas habilidades nas interações sociais. “São pessoas com a configuração de mais insegurança e mais dificuldade de interagir, de se sentir confortável e mais confiante”, completa. Atualmente, para o professor, é como se houvesse um nível de exigência e aprovação elevados, o que pode gerar inseguranças e provocar um isolamento.

O que é solidão? 

De acordo com o professor, ao estudar o comportamento humano, pressupõe-se que existem relações de troca entre as pessoas. Do ponto de vista da psicologia, a solidão configura um comportamento em que o indivíduo está inserido em um contexto no qual não há uma relação ativa – presencial ou a distância – de interações interpessoais.

Além disso, a solidão pode acontecer através de um processo natural, em função da localização, como também pode ser uma escolha. “Solidão não é necessariamente sinal de sofrimento, mas você pode ter a solidão fruto da exclusão do ambiente, ou da própria autoexclusão – quando a pessoa se coloca nesse posicionamento”, explica Serafim.

Vivian Loietes de Oliveira Prado, pesquisadora do Instituto de Psicologia da USP, define a solidão – dentro de uma perspectiva psicológica – como uma resposta emocional sentida quando existe uma diferença entre a qualidade das relações obtidas e a qualidade que se deseja obter. “Em outras palavras, poderíamos pensar em solidão como uma indicadora de parâmetros insuficientes. Então, a solidão pode sinalizar a necessidade de formar conexões mais significativas e mais duradouras”, exemplifica.

De acordo com Vivian, os seres humanos são essencialmente sociais, o que cria uma necessidade inata de pertencimento e de se relacionar para estabelecer conexões – que acontecem através das interações. Pessoas que apresentam dificuldades de formar ou manter relações interpessoais satisfatórias, segundo a pesquisadora, podem se sentir mais propensas a vivenciarem a solidão, justamente por não terem suas necessidades psicológicas atendidas.

Perigos da solidão 

Segundo Serafim, a percepção do “estar só” gera um processo de análise cognitiva dessa condição – em que o indivíduo pode pensar, por exemplo, “por que estou sozinho?”, “não agrado ninguém?”, “não sou interessante?”, “não me sinto competente para realizar determinadas ações”, “acredito que tenho características que não serão aceitas por grupos sociais”. Esse fluxo de pensamento configura uma série de respostas emocionais que podem gerar conclusões negativas e, consequentemente, um conjunto de fatores negativos, como rebaixamento da autoestima e confiança.

O professor acredita que esse processo danifica a configuração de identidade do indivíduo e abre espaço para alterações no humor – classificadas por Serafim como os principais problemas psicológicos causados pela solidão. “Essas pessoas começam a se sentir cada vez mais desprestigiadas, desvalorizadas, e isso culmina com a redução do humor, surgindo a questão da depressão. Nesses aspectos, podem surgir outras comorbidades, como o uso de álcool, o uso de medicações excessivas para lidar com essa sensação, além de problemas de sono e problemas alimentares”, aponta.

Os altos índices de pessoas que se sentem sozinhas – evidenciados pela pesquisa conduzida pela associação Meta-Gallup – são motivo de preocupação e merecem atenção. “Quando você usa o próprio termo ‘1/4 da população se sente só’, está dizendo que ela se percebe sozinha, isso não está dizendo que elas estão bem sozinhas. Quando eu digo que ‘me sinto só’, estou dizendo, em outras palavras, que eu não tenho pessoas e que eu gostaria de estar próximo”, explica o professor. Dessa forma, é preciso entender quais são os fatores e condições que estão provocando esse sentimento nas pessoas.

Entretanto, a questão do “viver sozinho”, para Serafim, depende da configuração psíquica de cada um. Em alguns casos, pessoas apresentam formas de viver e estabelecer relações com elas mesmas, em que não depositam ou não dependem de troca com outras pessoas para nutrir a imagem de suficiência e de se bastarem. Dessa forma, “o estar sozinho” não indica, necessariamente, alguma problemática.

Medidas 

Em 2018, o governo do Reino Unido anunciou a criação de um ministério para tratar a solidão e suas possíveis consequências. Uma pesquisa, conduzida em 2017, que motivou a criação do órgão, mostrou que 9 milhões de britânicos sentiam-se sozinhos com certa frequência. Para Vivian, os impactos causados pela solidão na saúde emocional precisam ser pensados coletivamente, por meio da promoção de programas que visem à diminuição da solidão como uma questão dentro da saúde pública.

A pesquisadora acredita que a solidão também precisa ser pensada individualmente, e que o entendimento desse sentimento é importante para conseguir gerenciá-lo de forma mais saudável. “Para isso, você pode, por exemplo, investir melhor na sua rede de apoio e entender o que pode ser feito e oferecido para as pessoas que estão à sua volta. É através da intimidade e companheirismo que se criam conexões fortes e duradouras e, através disso, a gente alcança situações do dia a dia onde você pode se envolver mais, mostrando e recebendo um suporte mútuo recíproco”, exemplifica.

Vivian ainda ressalta a importância de aprender a viver melhor a solitude – definida por ela como uma capacidade pessoal de se estar sozinho e conseguir sustentar o próprio selfie, sempre com o objetivo de autoconhecimento, de saber reconhecer melhor os próprios sentimentos, as vontades, e fortalecer os aspectos da identidade. “E, se for preciso, busque um bom profissional de saúde mental que possa te ajudar e te guiar nessa busca de viver a solitude de uma forma saudável e te ajudar nessas habilidades de criar e manter relacionamentos saudáveis, de conexões que façam sentido, que atendam às suas necessidades afetivas, e que ao mesmo tempo te oferecem uma companhia qualificada”, explica.

Para Serafim, a criação de um órgão responsável apenas por propor ações, sem investigar profundamente o fenômeno, não ajuda a reduzir efetivamente a questão. “Por mais que se crie qualquer órgão, qualquer aspecto que vai pautar isso, desde que a base de atuação dele seja identificar os fatores de vulnerabilidade para que as pessoas se sintam só, aí eu entendo que é viável”, pontua.

De acordo com o professor, é normal que, em relações comportamentais, sejam criadas propostas sobre a demanda – muitas vezes intangíveis – sem entender efetivamente suas causas. Por isso, Serafim acredita que é preciso compreender o fenômeno em questão, entender o que mantém a condição analisada, para só depois se pensar em quais ações são mais efetivas para reduzir o cenário.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Os impactos da criação da pílula anticoncepcional na emancipação da mulher

Desde que o ser humano percebeu que a ejaculação intravaginal pode resultar em uma gravidez, existe uma preocupação em prevenir que ela aconteça. Desde a década de 1940, segundo Edson Ferreira, médico da Divisão de Ginecologia do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), pesquisadores começaram a estudar maneiras de sintetizar hormônios em laboratórios – que antes eram extraídos de fontes animais.

De acordo com o especialista, Margaret Sanger, enfermeira norte-americana e criadora do termo “controle de natalidade”, foi responsável por persuadir Katharine McCormick, filantropa dos Estados Unidos, a realizar uma doação financeira aos laboratórios que fizeram pesquisas para a criação da primeira pílula anticoncepcional. Alguns anos depois, em 1960, a primeira pílula responsável pela regulação do ciclo menstrual passou a ser comercializada.

Contexto histórico 

A pílula anticoncepcional surgiu após a Segunda Guerra Mundial (1937-1945), que causou uma mudança profunda na economia mundial. Carmita Abdo, psiquiatra, professora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas, explica que esse cenário ajudou na efetiva inserção feminina no mercado de trabalho. “A mulher iniciou sua vida profissional mais efetivamente, em massa, a partir do momento em que só o homem não conseguia prover os gastos domésticos da situação pós-guerra de penúria e de muito desequilíbrio econômico-social”, aponta.

Na época, já existiam alguns métodos responsáveis por controlar a natalidade, mas nada tão efetivo quanto o efeito do anticoncepcional. A ciência, então, percebeu a necessidade de buscar uma solução mais resolutiva para que mulheres conseguissem realizar um planejamento familiar e assim trabalharem de forma mais regular – e não serem surpreendidas por gestações inesperadas. Dessa forma, Carmita explica que a necessidade de um trabalho externo à casa esteve acompanhada da necessidade de criação de um método anticoncepcional mais confortável, e não que a pílula ajudou as mulheres a trabalharem mais fora do lar.

Foi nesse momento também em que o sexo reprodutivo e o sexo erótico passaram a ser separados de forma definitiva. “Usava-se a pílula quando o sexo a ser feito era especialmente no sentido do prazer, do erotismo, de algo que não tivesse a finalidade de reprodução”, pontua a psiquiatra. Ficou claro para as mulheres que a maternidade é algo que pode, ou não, ser desejado em um dado momento da vida. Além disso, com o advento da pílula, foi possível que o planejamento familiar – e o planejamento da vida da mulher para além da família – acontecesse de maneira mais efetiva.

Emancipação feminina? 

Existe um discurso que classifica a criação da pílula anticoncepcional como um marco da emancipação sexual feminina. Carmita aponta que esse processo, à primeira vista, não pareceu ser pensado propositalmente. A criação desse método contraceptivo aconteceu no momento em que as mulheres precisavam sair para trabalhar. “Ela acabou achando interessante essa emancipação, não deixou passar essa oportunidade, mas a pílula veio em consequência de uma necessidade dela não ficar mais só com o trabalho doméstico”, exemplifica.

É nesse cenário em que a dupla jornada de trabalho é criada. A psiquiatra explica que, com a criação da pílula anticoncepcional, e quando as mulheres começaram a trabalhar, não necessariamente elas deixaram de exercer outras jornadas; existe uma composição de tarefas que pode chegar a ser até uma “tripla jornada”, que configura os cuidados com a casa, o trabalho e cuidados com a prole.

Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explica que, já no ano de sua criação, a pílula anticoncepcional não era recomendada pelas mulheres participantes de movimentos feministas, que alegavam um excesso de hormônios na composição do contraceptivo.

Além disso, outro ponto considerado pela professora diz respeito ao poder masculino na tomada de decisões. Há uma relação direta entre as concepções políticas e demográficas; isto é, as sociedades são influenciadas pela teoria malthusiana, que propõe que existe um crescimento exacerbado da população e um desequilíbrio dos bens disponíveis para alimentar essa população.

Na tentativa de reverter esse cenário, criam-se mecanismos voltados para o controle populacional. “Por exemplo, no Brasil, foi criada a Bemfam (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil), que funcionou bastante e que difundiu o controle populacional e a distribuição de pílulas sem o devido acompanhamento do uso no corpo da mulher”, explica.

A pílula anticoncepcional na atualidade 

Atualmente a tecnologia das pílulas anticoncepcionais mudou e os motivos para sua utilização também. Ferreira explica que, quando um indivíduo apresenta interesse em implementar algum método contraceptivo é recomendado que um profissional da saúde converse com o paciente para saber qual seu objetivo, qual a duração do uso dos métodos, se as pessoas apresentam acne, períodos de TPM, e histórico familiar de doença, por exemplo. Dessa forma, os médicos conseguem determinar tratamentos contraceptivos mais adequados para cada caso particular.

Na medicina, não existem práticas sem risco de eventos adversos. As decisões tomadas pelos médicos, segundo Ferreira, levam em consideração a alternativa que oferecerá mais benefícios do que riscos, e com os métodos contraceptivos não é diferente. Existem anticoncepcionais que afetam o ciclo menstrual –  o que pode ser visto como efeito terapêutico por pessoas que desejam alterar o volume da menstruação, por exemplo –, que podem modificar a oleosidade facial, ou que, dependendo do médico e do quadro clínico apresentado pelo indivíduo podem aumentar as cólicas sentidas no período menstrual.

Ainda existem alguns eventos mais graves relacionados à utilização de contraceptivos – principalmente métodos “combinados”, aqueles que possuem estrogênio em sua composição –, como a trombose venosa profunda e embolia pulmonar. Ferreira ressalta que esses são casos extremamente raros na população geral e que são aumentados pelo uso de métodos que contêm estrogênio, mas esse é um aumento da ordem de dois a quatro casos a cada 10 mil pessoas/ano utilizando.

Entretanto, o médico elucida que a ampliação dos métodos anticoncepcionais permitiu que, nos últimos 20 anos, houvesse uma redução de 40% na mortalidade obstétrica e perinatal. “Quando a gente programa o momento de engravidar, quando a gente espaça uma gestação da outra, aumentando o intervalo entre os partos, estamos reduzindo a ocorrência de mortes de causa obstétrica e também de morte de recém-nascido, justamente porque pôde-se fazer um planejamento reprodutivo de maneira adequada”, exemplifica.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

O daltonismo não possui impacto significativo na vida profissional de seus portadores

Dependendo do monitor do computador, pessoas com visão normal enxergam o número 74. Muitos portadores do daltonismo enxergam na figura o número 21 e indivíduos com cegueira das cores não enxergam nenhum número – Arte sobre imagem Shinobu Ishihara /Wikipedia/Domínio público

Daltonismo — discromatopsia ou discromopsia em termos científicos — é um distúrbio da visão que provoca no indivíduo afetado uma dificuldade na percepção das cores. É uma condição genética, ligada ao cromossomo X, que influi para que ambos os pais possam transmitir a condição para o filho, e estática, isto é, não apresenta piora no quadro de saúde da pessoa que a possui.

Condição genética

A visão das cores está atribuída ao segmento do cromossomo X; dessa forma, indivíduos que possuem alteração nesse fragmento podem adquirir uma modificação congênita nessa percepção colorida. Nesse sentido, por conta da relação com o cromossomo X, as pessoas do sexo masculino possuem maior número de casos positivos para a condição, visto que são indivíduos XY, enquanto as mulheres são XX.

“As mulheres, indivíduos que possuem dois cromossomos X, em geral são carregadoras de genes alterados para visão de cores, mas, como elas possuem esse segundo cromossomo X, não manifestam a doença. Já os homens, que não recebem o segmento no cromossomo Y, apresentam maior incidência dessa alteração”, explica Renata Moreto, chefe do Departamento de Neuroftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da Universidade de São Paulo, que estima que a incidência no sexo masculino seja em torno de 8% no mundo e de apenas 0,5% para o sexo feminino.

De acordo com a médica, o diagnóstico começa a ser realizado enquanto o indivíduo ainda é criança e apresenta dificuldade para nomeação das cores, mas no início isso pode passar despercebido. Após algum tempo, os responsáveis costumam observar a complicação daquela condição e, para comprovar a diagnose, levam-na ao consultório oftalmológico.

No local, o diagnóstico é baseado em testes de visão de cores, sendo o Teste de Ishihara o mais utilizado, o qual consiste na apresentação de placas com números desenhados, de forma não definida e com certo contraste de cores. A partir disso, existe um gabarito, no qual se verifica se o paciente está pontuando de forma correta e, com esse dado, aponta-se a dificuldade visual que possui.

A especialista desenvolve formas de mitigar o problema e diz que não existem tratamentos ou curas para o distúrbio: “Temos os óculos, que tendem a promover uma melhor visualização das cores que já conseguem enxergar e aumenta o contraste, ou diminui, na intensidade de luz que possuem dificuldade, de forma a produzir uma pista do que está vendo e, assim, vai se conseguir nomear um número maior de cores. Os filtros medicinais promovem a diminuição no Efeito Glare, a entrada de luz e aumento do ofuscamento visual nesses pacientes”.

Percepção das cores

As funções visuais são divididas em categorias que definem diferentes aspectos da visão humana: acuidade visual, relacionada à clareza da visão; sensibilidade ao contraste, capacidade de reconhecer tons de cores diferentes; campo visual, campo de visão periférico; estereopsia, visão em terceira dimensão; e visão de cores.

“Os mamíferos que possuem origem placentária, como, por exemplo, os cães, conseguem enxergar apenas duas cores — são dicromatas; já os primatas, evolutivamente, ganharam um gene a mais relacionado à visão de cores e, portanto, são tricromatas, conseguem ter uma percepção do ambiente à sua volta em cores, visto que possuem três genes para processar três tipos de pigmentos”, explica Renata.

Os cones, células correspondentes à visão mais acurada do indivíduo, de forma geral, são divididos em três: azul, vermelho e verde. Apesar de ser possível identificar apenas esses três comprimentos de onda, eles são ativados em diferentes intensidades de luz e isso proporciona que as cores se misturem para produzir, a partir da ativação de porcentagem específicas de cada cone, cores diferentes.

A percepção das cores é iniciada na retina e o processamento visual termina no cérebro, região posterior onde se localiza o lobo occipital, responsável por realizar a interpretação dos espectros. Nesse sentido, o daltônico possui uma alteração que concebe um pigmento a menos ao indivíduo.

Tipos

A mais comum dos diferentes tipos de daltonismo é a protanomalia, condição em que a pessoa tem dificuldade para enxergar cores relacionadas ao vermelho, porém, ainda consegue identificar alguma intensidade de luz nesse espectro. Quando o defeito é total, ou seja, sem nenhum pigmento nos cones vermelhos, é chamado de protanopia — o indivíduo é cego para a cor vermelha.

Outro tipo é a deuteranomalia, quando a condição está ligada a problemas na visualização de cores verdes, e deuteranopia, no caso da ausência de cones dessa cor. A tritanomalia, terceira categoria da doença e a mais rara, ocorre quando o indivíduo possui dificuldades para enxergar o espectro do azul; se ele for cego para o pigmento, tritanopia.

“Na última condição, há uma ausência total dos pigmentos nos cones, essa situação é chamada de acromatopsia, isto é, esse indivíduo é cego para todas as cores. Então, o acromata pode apresentar uma dificuldade na leitura, com luz alta, nistagmo e fotopsia.” A médica complementa que esse é um quadro considerado patológico e, dessa maneira, requer que haja uma maior atenção a esse paciente do que ao daltônico.

Segundo Renata, os indivíduos afetados pelo daltonismo não possuem impactos no seu desenvolvimento cognitivo, ou seja, não há influência na vida acadêmica nem na profissional. No entanto, eles não são capazes de atuar em algumas áreas específicas, por conta da dificuldade na nomeação de cores: carreira militar, piloto de avião e eletricista, por exemplo.

“Essas pessoas não apresentam dificuldade na leitura e não têm quaisquer outras alterações nos cinco componentes da visão. Então, elas têm boa percepção de campo visual, sensibilidade ao contraste e, também, visão em terceira dimensão”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

O racismo é uma presença real na medicina brasileira e mundial

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em conjunto com o Instituto Çarê, apontou que, entre os anos de 2010 e 2021, as pessoas negras foram as que mais sofreram algum tipo de racismo e incidentes durante procedimentos médicos. Esses incidentes são caracterizados como condições hospitalares adquiridas de forma indesejável e não intencional durante a internação do paciente.

Com base no recorte étnico-racial, o Boletim Çarê-IEPS apontou a queda no número geral desses acontecimentos ao longo dos anos, o que pode indicar melhorias na gestão e prevenção ou, então, um aumento na subnotificação. Por conta de desigualdades nas taxas, é destacada a necessidade de maior atuação de políticas públicas promovidas pela Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), a fim de tratar das disparidades e promover o acesso equitativo à saúde — independentemente de raça ou cor.

Mônica Mendes Gonçalves, doutoranda na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo, afirma que o racismo na medicina é realizado a partir de um conjunto de normas e regras burocráticas, que não dizem respeitar à raça, mas que incidem sobre esses grupos sociais em situação de vulnerabilidade.

O racismo velado

Segundo Mônica, a identificação de casos de racismo na medicina é realizada a partir da junção de duas ferramentas, uma quantitativa e outra qualitativa. A primeira se dá por meio do advento da epidemiologia — análise da distribuição e dos fatores determinantes das enfermidades — que com as estatísticas das populações, cruzadas com as estatísticas em saúde, permite entender quais indivíduos adoecem mais e os motivos para tal.

Por exemplo, durante a pandemia da covid-19 no Brasil, a taxa de letalidade da doença nos negros foi de 55%, enquanto nos brancos foi de 38%. Outro dado que evidencia esse cenário é o que indica que o risco de uma pessoa negra apresentar quadro de depressão no País é praticamente o dobro de uma pessoa branca.

Já as produções qualitativas, desenvolve a doutoranda, são um conjunto de ferramentas e de narrativas que investigam os itinerários em saúde — o caminho percorrido pelo indivíduo durante o tratamento, desde a identificação da enfermidade. “Quando soma-se esse conjunto de ferramentas e de evidências, que vem desses dois tipos de pesquisas, tem-se muitas evidências que mostram que o racismo é um dos determinantes primordiais da saúde das populações, não só no Brasil, mas no mundo todo”, discorre.

Na opinião dela, o erro médico é um evento racial e a pessoa submetida a isso tem dificuldade em conseguir argumentar o contrário. Ela diz que o sujeito pobre, da periferia, que não possui direitos trabalhistas, costuma ser atendido por profissionais que não esclarecem a sua condição clínica e é o racismo que determina essa realidade.

A médica utiliza, como exemplo, um caso de seu doutorado, sobre um jovem da zona norte de São Paulo, que teve seus dedos amputados por conta de um acidente no local de trabalho: “O rapaz vai para um hospital, depois de uma hora o médico diz que não pode fazer nada, porque não tem raio X. Vai para outro, em que ocorre a mesma coisa de não ter o aparelho. Por fim, ele vai para um terceiro, em que aí ele é acolhido e fazem pela primeira vez um curativo nele”. No entanto, ela complementa que, neste último hospital, havia pessoas esperando por cirurgias a meses e, diante desse cenário, o jovem fugiu.

A especialista ainda comenta sobre relatos que apontam que pessoas negras não conseguem mobilizar cuidados na saúde da mesma forma que as brancas conseguem. Ela discorre sobre pesquisas que evidenciam o cenário em que, ao realizar um diagnóstico psiquiátrico de um indivíduo, de modo geral o negro é dirigido para um serviço substitutivo de atenção à saúde mental e, para o não negro, apenas são receitados medicamentos – mesmo que possuam o mesmo diagnóstico.

Mudanças no paradigma

“Acho que é correto dizer que uma das principais vias a partir da quais as políticas raciais se estruturam na saúde é a omissão.” Mônica explica que isso ocorre pelo fato de não existir um olhar privilegiado às populações periféricas e vulneráveis nos processos de distribuição de saúde. Ela cita o maior investimento na atenção hospitalar em detrimento da atenção básica, que propicia a precarização desse serviço no qual a maior parte dos indivíduos pobres possui acesso.

Segundo a doutoranda, é uma burocracia estabelecida que inviabiliza que a maioria dos trabalhadores pretos e pobres tenha acesso à saúde. Isso se dá desde o trato interpessoal até os arranjos institucionais — horário de funcionamento dos serviços, trâmite para realização de exames, arranjos políticos, localização de pronto-socorro, presença de maquinário, tudo isso é em benefício da população branca elitizada.

“O que significa que 80% dos transplantados no Brasil sejam homens brancos? Contrário ao fato de que, por exemplo, transplante de coração ocorre, basicamente, só nesses indivíduos, mas as pessoas que mais sofrem de doenças do coração são os homens negros”, questiona a médica.

Na visão de Mônica, para mudar o racismo na saúde é necessário mudar todas as esferas sociais em todo o mundo, visto que, assim como no Brasil, essas condições também são identificadas nos Estados Unidos, África do Sul, na América Latina e em outros continentes. Além disso, outras populações, como os povos originários, também estão presentes nessa desigualdade racial, inserida na educação e no mercado de trabalho, igualmente.

De acordo com ela, deve ser implementado um conjunto de políticas públicas que direcione saúde para essas populações e pense a sua lógica a partir dos territórios vulnerabilizados. No Brasil, nas regiões Norte e Nordeste, menos de 40% da sociedade possui saneamento básico — item necessário para a qualidade de vida de um indivíduo.

“Se a gente investe em um hospital de verdade, não em um hospital enorme que por dentro não tem nada, e coloca equipamento dentro desse local, essa população negra consegue ser assistida”, garante a doutoranda, que ressalta que o racismo tem o caráter de englobar um aglomerado de setores, portanto, as ações devem ser articuladas; “por exemplo, a saúde não funciona sem educação”.

Aliança estrutural

O racismo institucional, de acordo com a especialista, funciona a partir da aliança entre a população branca, na qual o monopólio de poder ocupa todas as instâncias sociais — um pacto social coletivo – para exclusão dos negros. Nesse sentido, o Conselho Federal de Medicina apontou que somente 3% dos médicos no Brasil são negros. “Vão sendo instituídos para que isso funcione como mecanismo de exclusão, porque, se um deles começa a falhar, a arquitetura toda se abala. Então, não é tão desimportante assim que esses profissionais sejam brancos e muito racistas”, afirma.

A médica utiliza o termo “buraco negro” ao se referir a casos nos quais o indivíduo, por conta dos trâmites que não são explicados a ele, perdura por determinado tempo estagnado no tratamento e muitas vezes não consegue realizar o exame que lhe é necessário. Diante disso, a pessoa desiste do procedimento e adoece cada vez mais.

“Do ponto de vista da comprovação desse fenômeno, isso já está absolutamente confirmado e ratificado. Se tiver um mínimo conhecimento de crença nas perspectivas científicas e estiver minimamente atento ao mundo, já tem isso confirmado, não nos faltam dados política, estatística e cientificamente fundamentados para entender”, desenvolve Mônica.

Por fim, ela disserta que o racismo está sendo construído, fomentado e rearticulado há cinco séculos, por meio do conjunto de tecnologias sociais implementadas em diferentes lugares do mundo, com o objetivo de subordinar e dominar as populações negras: “A gente deve pensar nisso como uma transformação global, que precisa levar tempo e precisa de muita ação política, radical e incansável direcionada para isso”.

*Estagiário sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP