Os impactos da criação da pílula anticoncepcional na emancipação da mulher

Desde que o ser humano percebeu que a ejaculação intravaginal pode resultar em uma gravidez, existe uma preocupação em prevenir que ela aconteça. Desde a década de 1940, segundo Edson Ferreira, médico da Divisão de Ginecologia do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), pesquisadores começaram a estudar maneiras de sintetizar hormônios em laboratórios – que antes eram extraídos de fontes animais.

De acordo com o especialista, Margaret Sanger, enfermeira norte-americana e criadora do termo “controle de natalidade”, foi responsável por persuadir Katharine McCormick, filantropa dos Estados Unidos, a realizar uma doação financeira aos laboratórios que fizeram pesquisas para a criação da primeira pílula anticoncepcional. Alguns anos depois, em 1960, a primeira pílula responsável pela regulação do ciclo menstrual passou a ser comercializada.

Contexto histórico 

A pílula anticoncepcional surgiu após a Segunda Guerra Mundial (1937-1945), que causou uma mudança profunda na economia mundial. Carmita Abdo, psiquiatra, professora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas, explica que esse cenário ajudou na efetiva inserção feminina no mercado de trabalho. “A mulher iniciou sua vida profissional mais efetivamente, em massa, a partir do momento em que só o homem não conseguia prover os gastos domésticos da situação pós-guerra de penúria e de muito desequilíbrio econômico-social”, aponta.

Na época, já existiam alguns métodos responsáveis por controlar a natalidade, mas nada tão efetivo quanto o efeito do anticoncepcional. A ciência, então, percebeu a necessidade de buscar uma solução mais resolutiva para que mulheres conseguissem realizar um planejamento familiar e assim trabalharem de forma mais regular – e não serem surpreendidas por gestações inesperadas. Dessa forma, Carmita explica que a necessidade de um trabalho externo à casa esteve acompanhada da necessidade de criação de um método anticoncepcional mais confortável, e não que a pílula ajudou as mulheres a trabalharem mais fora do lar.

Foi nesse momento também em que o sexo reprodutivo e o sexo erótico passaram a ser separados de forma definitiva. “Usava-se a pílula quando o sexo a ser feito era especialmente no sentido do prazer, do erotismo, de algo que não tivesse a finalidade de reprodução”, pontua a psiquiatra. Ficou claro para as mulheres que a maternidade é algo que pode, ou não, ser desejado em um dado momento da vida. Além disso, com o advento da pílula, foi possível que o planejamento familiar – e o planejamento da vida da mulher para além da família – acontecesse de maneira mais efetiva.

Emancipação feminina? 

Existe um discurso que classifica a criação da pílula anticoncepcional como um marco da emancipação sexual feminina. Carmita aponta que esse processo, à primeira vista, não pareceu ser pensado propositalmente. A criação desse método contraceptivo aconteceu no momento em que as mulheres precisavam sair para trabalhar. “Ela acabou achando interessante essa emancipação, não deixou passar essa oportunidade, mas a pílula veio em consequência de uma necessidade dela não ficar mais só com o trabalho doméstico”, exemplifica.

É nesse cenário em que a dupla jornada de trabalho é criada. A psiquiatra explica que, com a criação da pílula anticoncepcional, e quando as mulheres começaram a trabalhar, não necessariamente elas deixaram de exercer outras jornadas; existe uma composição de tarefas que pode chegar a ser até uma “tripla jornada”, que configura os cuidados com a casa, o trabalho e cuidados com a prole.

Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explica que, já no ano de sua criação, a pílula anticoncepcional não era recomendada pelas mulheres participantes de movimentos feministas, que alegavam um excesso de hormônios na composição do contraceptivo.

Além disso, outro ponto considerado pela professora diz respeito ao poder masculino na tomada de decisões. Há uma relação direta entre as concepções políticas e demográficas; isto é, as sociedades são influenciadas pela teoria malthusiana, que propõe que existe um crescimento exacerbado da população e um desequilíbrio dos bens disponíveis para alimentar essa população.

Na tentativa de reverter esse cenário, criam-se mecanismos voltados para o controle populacional. “Por exemplo, no Brasil, foi criada a Bemfam (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil), que funcionou bastante e que difundiu o controle populacional e a distribuição de pílulas sem o devido acompanhamento do uso no corpo da mulher”, explica.

A pílula anticoncepcional na atualidade 

Atualmente a tecnologia das pílulas anticoncepcionais mudou e os motivos para sua utilização também. Ferreira explica que, quando um indivíduo apresenta interesse em implementar algum método contraceptivo é recomendado que um profissional da saúde converse com o paciente para saber qual seu objetivo, qual a duração do uso dos métodos, se as pessoas apresentam acne, períodos de TPM, e histórico familiar de doença, por exemplo. Dessa forma, os médicos conseguem determinar tratamentos contraceptivos mais adequados para cada caso particular.

Na medicina, não existem práticas sem risco de eventos adversos. As decisões tomadas pelos médicos, segundo Ferreira, levam em consideração a alternativa que oferecerá mais benefícios do que riscos, e com os métodos contraceptivos não é diferente. Existem anticoncepcionais que afetam o ciclo menstrual –  o que pode ser visto como efeito terapêutico por pessoas que desejam alterar o volume da menstruação, por exemplo –, que podem modificar a oleosidade facial, ou que, dependendo do médico e do quadro clínico apresentado pelo indivíduo podem aumentar as cólicas sentidas no período menstrual.

Ainda existem alguns eventos mais graves relacionados à utilização de contraceptivos – principalmente métodos “combinados”, aqueles que possuem estrogênio em sua composição –, como a trombose venosa profunda e embolia pulmonar. Ferreira ressalta que esses são casos extremamente raros na população geral e que são aumentados pelo uso de métodos que contêm estrogênio, mas esse é um aumento da ordem de dois a quatro casos a cada 10 mil pessoas/ano utilizando.

Entretanto, o médico elucida que a ampliação dos métodos anticoncepcionais permitiu que, nos últimos 20 anos, houvesse uma redução de 40% na mortalidade obstétrica e perinatal. “Quando a gente programa o momento de engravidar, quando a gente espaça uma gestação da outra, aumentando o intervalo entre os partos, estamos reduzindo a ocorrência de mortes de causa obstétrica e também de morte de recém-nascido, justamente porque pôde-se fazer um planejamento reprodutivo de maneira adequada”, exemplifica.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

O daltonismo não possui impacto significativo na vida profissional de seus portadores

Dependendo do monitor do computador, pessoas com visão normal enxergam o número 74. Muitos portadores do daltonismo enxergam na figura o número 21 e indivíduos com cegueira das cores não enxergam nenhum número – Arte sobre imagem Shinobu Ishihara /Wikipedia/Domínio público

Daltonismo — discromatopsia ou discromopsia em termos científicos — é um distúrbio da visão que provoca no indivíduo afetado uma dificuldade na percepção das cores. É uma condição genética, ligada ao cromossomo X, que influi para que ambos os pais possam transmitir a condição para o filho, e estática, isto é, não apresenta piora no quadro de saúde da pessoa que a possui.

Condição genética

A visão das cores está atribuída ao segmento do cromossomo X; dessa forma, indivíduos que possuem alteração nesse fragmento podem adquirir uma modificação congênita nessa percepção colorida. Nesse sentido, por conta da relação com o cromossomo X, as pessoas do sexo masculino possuem maior número de casos positivos para a condição, visto que são indivíduos XY, enquanto as mulheres são XX.

“As mulheres, indivíduos que possuem dois cromossomos X, em geral são carregadoras de genes alterados para visão de cores, mas, como elas possuem esse segundo cromossomo X, não manifestam a doença. Já os homens, que não recebem o segmento no cromossomo Y, apresentam maior incidência dessa alteração”, explica Renata Moreto, chefe do Departamento de Neuroftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da Universidade de São Paulo, que estima que a incidência no sexo masculino seja em torno de 8% no mundo e de apenas 0,5% para o sexo feminino.

De acordo com a médica, o diagnóstico começa a ser realizado enquanto o indivíduo ainda é criança e apresenta dificuldade para nomeação das cores, mas no início isso pode passar despercebido. Após algum tempo, os responsáveis costumam observar a complicação daquela condição e, para comprovar a diagnose, levam-na ao consultório oftalmológico.

No local, o diagnóstico é baseado em testes de visão de cores, sendo o Teste de Ishihara o mais utilizado, o qual consiste na apresentação de placas com números desenhados, de forma não definida e com certo contraste de cores. A partir disso, existe um gabarito, no qual se verifica se o paciente está pontuando de forma correta e, com esse dado, aponta-se a dificuldade visual que possui.

A especialista desenvolve formas de mitigar o problema e diz que não existem tratamentos ou curas para o distúrbio: “Temos os óculos, que tendem a promover uma melhor visualização das cores que já conseguem enxergar e aumenta o contraste, ou diminui, na intensidade de luz que possuem dificuldade, de forma a produzir uma pista do que está vendo e, assim, vai se conseguir nomear um número maior de cores. Os filtros medicinais promovem a diminuição no Efeito Glare, a entrada de luz e aumento do ofuscamento visual nesses pacientes”.

Percepção das cores

As funções visuais são divididas em categorias que definem diferentes aspectos da visão humana: acuidade visual, relacionada à clareza da visão; sensibilidade ao contraste, capacidade de reconhecer tons de cores diferentes; campo visual, campo de visão periférico; estereopsia, visão em terceira dimensão; e visão de cores.

“Os mamíferos que possuem origem placentária, como, por exemplo, os cães, conseguem enxergar apenas duas cores — são dicromatas; já os primatas, evolutivamente, ganharam um gene a mais relacionado à visão de cores e, portanto, são tricromatas, conseguem ter uma percepção do ambiente à sua volta em cores, visto que possuem três genes para processar três tipos de pigmentos”, explica Renata.

Os cones, células correspondentes à visão mais acurada do indivíduo, de forma geral, são divididos em três: azul, vermelho e verde. Apesar de ser possível identificar apenas esses três comprimentos de onda, eles são ativados em diferentes intensidades de luz e isso proporciona que as cores se misturem para produzir, a partir da ativação de porcentagem específicas de cada cone, cores diferentes.

A percepção das cores é iniciada na retina e o processamento visual termina no cérebro, região posterior onde se localiza o lobo occipital, responsável por realizar a interpretação dos espectros. Nesse sentido, o daltônico possui uma alteração que concebe um pigmento a menos ao indivíduo.

Tipos

A mais comum dos diferentes tipos de daltonismo é a protanomalia, condição em que a pessoa tem dificuldade para enxergar cores relacionadas ao vermelho, porém, ainda consegue identificar alguma intensidade de luz nesse espectro. Quando o defeito é total, ou seja, sem nenhum pigmento nos cones vermelhos, é chamado de protanopia — o indivíduo é cego para a cor vermelha.

Outro tipo é a deuteranomalia, quando a condição está ligada a problemas na visualização de cores verdes, e deuteranopia, no caso da ausência de cones dessa cor. A tritanomalia, terceira categoria da doença e a mais rara, ocorre quando o indivíduo possui dificuldades para enxergar o espectro do azul; se ele for cego para o pigmento, tritanopia.

“Na última condição, há uma ausência total dos pigmentos nos cones, essa situação é chamada de acromatopsia, isto é, esse indivíduo é cego para todas as cores. Então, o acromata pode apresentar uma dificuldade na leitura, com luz alta, nistagmo e fotopsia.” A médica complementa que esse é um quadro considerado patológico e, dessa maneira, requer que haja uma maior atenção a esse paciente do que ao daltônico.

Segundo Renata, os indivíduos afetados pelo daltonismo não possuem impactos no seu desenvolvimento cognitivo, ou seja, não há influência na vida acadêmica nem na profissional. No entanto, eles não são capazes de atuar em algumas áreas específicas, por conta da dificuldade na nomeação de cores: carreira militar, piloto de avião e eletricista, por exemplo.

“Essas pessoas não apresentam dificuldade na leitura e não têm quaisquer outras alterações nos cinco componentes da visão. Então, elas têm boa percepção de campo visual, sensibilidade ao contraste e, também, visão em terceira dimensão”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

O racismo é uma presença real na medicina brasileira e mundial

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em conjunto com o Instituto Çarê, apontou que, entre os anos de 2010 e 2021, as pessoas negras foram as que mais sofreram algum tipo de racismo e incidentes durante procedimentos médicos. Esses incidentes são caracterizados como condições hospitalares adquiridas de forma indesejável e não intencional durante a internação do paciente.

Com base no recorte étnico-racial, o Boletim Çarê-IEPS apontou a queda no número geral desses acontecimentos ao longo dos anos, o que pode indicar melhorias na gestão e prevenção ou, então, um aumento na subnotificação. Por conta de desigualdades nas taxas, é destacada a necessidade de maior atuação de políticas públicas promovidas pela Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), a fim de tratar das disparidades e promover o acesso equitativo à saúde — independentemente de raça ou cor.

Mônica Mendes Gonçalves, doutoranda na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo, afirma que o racismo na medicina é realizado a partir de um conjunto de normas e regras burocráticas, que não dizem respeitar à raça, mas que incidem sobre esses grupos sociais em situação de vulnerabilidade.

O racismo velado

Segundo Mônica, a identificação de casos de racismo na medicina é realizada a partir da junção de duas ferramentas, uma quantitativa e outra qualitativa. A primeira se dá por meio do advento da epidemiologia — análise da distribuição e dos fatores determinantes das enfermidades — que com as estatísticas das populações, cruzadas com as estatísticas em saúde, permite entender quais indivíduos adoecem mais e os motivos para tal.

Por exemplo, durante a pandemia da covid-19 no Brasil, a taxa de letalidade da doença nos negros foi de 55%, enquanto nos brancos foi de 38%. Outro dado que evidencia esse cenário é o que indica que o risco de uma pessoa negra apresentar quadro de depressão no País é praticamente o dobro de uma pessoa branca.

Já as produções qualitativas, desenvolve a doutoranda, são um conjunto de ferramentas e de narrativas que investigam os itinerários em saúde — o caminho percorrido pelo indivíduo durante o tratamento, desde a identificação da enfermidade. “Quando soma-se esse conjunto de ferramentas e de evidências, que vem desses dois tipos de pesquisas, tem-se muitas evidências que mostram que o racismo é um dos determinantes primordiais da saúde das populações, não só no Brasil, mas no mundo todo”, discorre.

Na opinião dela, o erro médico é um evento racial e a pessoa submetida a isso tem dificuldade em conseguir argumentar o contrário. Ela diz que o sujeito pobre, da periferia, que não possui direitos trabalhistas, costuma ser atendido por profissionais que não esclarecem a sua condição clínica e é o racismo que determina essa realidade.

A médica utiliza, como exemplo, um caso de seu doutorado, sobre um jovem da zona norte de São Paulo, que teve seus dedos amputados por conta de um acidente no local de trabalho: “O rapaz vai para um hospital, depois de uma hora o médico diz que não pode fazer nada, porque não tem raio X. Vai para outro, em que ocorre a mesma coisa de não ter o aparelho. Por fim, ele vai para um terceiro, em que aí ele é acolhido e fazem pela primeira vez um curativo nele”. No entanto, ela complementa que, neste último hospital, havia pessoas esperando por cirurgias a meses e, diante desse cenário, o jovem fugiu.

A especialista ainda comenta sobre relatos que apontam que pessoas negras não conseguem mobilizar cuidados na saúde da mesma forma que as brancas conseguem. Ela discorre sobre pesquisas que evidenciam o cenário em que, ao realizar um diagnóstico psiquiátrico de um indivíduo, de modo geral o negro é dirigido para um serviço substitutivo de atenção à saúde mental e, para o não negro, apenas são receitados medicamentos – mesmo que possuam o mesmo diagnóstico.

Mudanças no paradigma

“Acho que é correto dizer que uma das principais vias a partir da quais as políticas raciais se estruturam na saúde é a omissão.” Mônica explica que isso ocorre pelo fato de não existir um olhar privilegiado às populações periféricas e vulneráveis nos processos de distribuição de saúde. Ela cita o maior investimento na atenção hospitalar em detrimento da atenção básica, que propicia a precarização desse serviço no qual a maior parte dos indivíduos pobres possui acesso.

Segundo a doutoranda, é uma burocracia estabelecida que inviabiliza que a maioria dos trabalhadores pretos e pobres tenha acesso à saúde. Isso se dá desde o trato interpessoal até os arranjos institucionais — horário de funcionamento dos serviços, trâmite para realização de exames, arranjos políticos, localização de pronto-socorro, presença de maquinário, tudo isso é em benefício da população branca elitizada.

“O que significa que 80% dos transplantados no Brasil sejam homens brancos? Contrário ao fato de que, por exemplo, transplante de coração ocorre, basicamente, só nesses indivíduos, mas as pessoas que mais sofrem de doenças do coração são os homens negros”, questiona a médica.

Na visão de Mônica, para mudar o racismo na saúde é necessário mudar todas as esferas sociais em todo o mundo, visto que, assim como no Brasil, essas condições também são identificadas nos Estados Unidos, África do Sul, na América Latina e em outros continentes. Além disso, outras populações, como os povos originários, também estão presentes nessa desigualdade racial, inserida na educação e no mercado de trabalho, igualmente.

De acordo com ela, deve ser implementado um conjunto de políticas públicas que direcione saúde para essas populações e pense a sua lógica a partir dos territórios vulnerabilizados. No Brasil, nas regiões Norte e Nordeste, menos de 40% da sociedade possui saneamento básico — item necessário para a qualidade de vida de um indivíduo.

“Se a gente investe em um hospital de verdade, não em um hospital enorme que por dentro não tem nada, e coloca equipamento dentro desse local, essa população negra consegue ser assistida”, garante a doutoranda, que ressalta que o racismo tem o caráter de englobar um aglomerado de setores, portanto, as ações devem ser articuladas; “por exemplo, a saúde não funciona sem educação”.

Aliança estrutural

O racismo institucional, de acordo com a especialista, funciona a partir da aliança entre a população branca, na qual o monopólio de poder ocupa todas as instâncias sociais — um pacto social coletivo – para exclusão dos negros. Nesse sentido, o Conselho Federal de Medicina apontou que somente 3% dos médicos no Brasil são negros. “Vão sendo instituídos para que isso funcione como mecanismo de exclusão, porque, se um deles começa a falhar, a arquitetura toda se abala. Então, não é tão desimportante assim que esses profissionais sejam brancos e muito racistas”, afirma.

A médica utiliza o termo “buraco negro” ao se referir a casos nos quais o indivíduo, por conta dos trâmites que não são explicados a ele, perdura por determinado tempo estagnado no tratamento e muitas vezes não consegue realizar o exame que lhe é necessário. Diante disso, a pessoa desiste do procedimento e adoece cada vez mais.

“Do ponto de vista da comprovação desse fenômeno, isso já está absolutamente confirmado e ratificado. Se tiver um mínimo conhecimento de crença nas perspectivas científicas e estiver minimamente atento ao mundo, já tem isso confirmado, não nos faltam dados política, estatística e cientificamente fundamentados para entender”, desenvolve Mônica.

Por fim, ela disserta que o racismo está sendo construído, fomentado e rearticulado há cinco séculos, por meio do conjunto de tecnologias sociais implementadas em diferentes lugares do mundo, com o objetivo de subordinar e dominar as populações negras: “A gente deve pensar nisso como uma transformação global, que precisa levar tempo e precisa de muita ação política, radical e incansável direcionada para isso”.

*Estagiário sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP