José Guilherme Caldas, neurorradiologista, diz que a conscientização é o caminho para que mortes e episódios causados pelo AVC sejam evitados.
No último sábado, dia 29, comemorou-se o Dia Mundial de Combate ao Acidente Vascular Cerebral (AVC), que foi a causa mais comum de morte este ano no Brasil, com cerca de 56.320 óbitos, segundo o Portal de Transparência dos Cartórios de Registro Civil do Brasil.
O que é um AVC
O acidente vascular cerebral são danos causados ao cérebro tanto pela falta de sangue (isquêmico), o qual é o mais comum (popularmente conhecido como derrame), quanto pelo excesso dele, quando há vazamento (hemorrágico). Quando uma artéria cerebral entope, o acidente acontece.
“Em 2015, nós conseguimos provar para o mundo que, retirando um coágulo da cabeça, do interior da artéria, em menos de duas horas nós recuperamos praticamente 100% dos pacientes e, em até 6 horas, 80%. Então, isso é muito importante de ser reconhecido”, diz José Guilherme Caldas, neurorradiologista e diretor clínico do InRad do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Ele explica que as causas para a formação dos coágulos são múltiplas, mas existem fatores determinantes e que se sobressaem, como a obesidade, o tabagismo e o álcool. Esses três são passíveis de mudança, já que se trata de hábitos adquiridos.
Outros fatores são mais difíceis de controlar, pois são consequências e aumentam muito o risco de AVC. São eles: pressão alta, colesterol alto, sedentarismo e principalmente a predisposição genética (que também está associada ao aumento do colesterol). O neurorradiologista destaca que a prevenção é a principal forma de evitar o acidente e, em segunda instância, saber como identificar quando a pessoa está sofrendo um AVC e necessita de tratamento.
Como identificar
José Guilherme diz que uma maneira simples de identificar quando alguém está sofrendo um AVC é lembrar da sigla SAMU, utilizada tanto no País quanto fora dele, como sinal de emergência. Cada letra da sigla, portanto, sinaliza uma ação para verificar o que realmente está acontecendo e encaminhar para o tratamento médico.
S de sorriso (peça para a pessoa dar um sorriso para ver se ele está torto); A de abraço (a pessoa não consegue abraçar, pois seus movimentos ficam limitados); M de música (peça para que a pessoa soletre uma música, um parágrafo ou até um nome. Durante um AVC, não é possível falar corretamente); e, por fim, U de urgência (caso algum deles se concretize).
O acidente vascular cerebral pode ser sutil ou importante, lembra o médico, por isso sua identificação precoce é vital. Outra informação lembrada por ele é a possibilidade de acontecer o AVC durante o sono, o que é chamado de Wake-up Stroke. A pessoa acorda com algum dos sintomas citados acima. Este representa um problema para os médicos, já que não é possível identificar o momento de início, o que é crucial para o atendimento nesses casos.
“Nós recorremos aos métodos de imagem para poder saber e entender a quantidade de cérebro que está afetada que nos permite ou não trabalhar”, explica Caldas. Esse método é utilizado no Inrad, do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Ele lembra também que “a urgência é muito importante porque no cérebro, depois que morre uma parte considerável dele, não é possível fazer nenhum tratamento, porque é você colocar o sangue de novo em pressão dentro do cérebro. Tem como se fosse uma ruptura dos vasos, eles não aguentam, eles estão já mortos, com necrose”. A tecnologia evoluiu tanto que agora é possível saber se vale a pena tratar o paciente, já que, em alguns casos, a perda é grande e irreversível.
Estresse pode causar AVC?
O neurorradiologista diz que o estresse está diretamente ligado às consequências que podem levar ao AVC. Esse fator está dentro do âmbito da proteção, já que produz hormônios que podem levar a uma piora no quadro da hipertensão ou ao desenvolvimento dela. A questão é tentar evitar, controlar ou eliminar o estresse, já que é uma combinação de fatores que não fazem bem. Isso, porém, é de preocupação individual e está relacionado à atividade diária de cada um.
Para isso, ter exames em dia e estar atento aos casos de AVC na família são imprescindíveis para que o problema seja evitado. No âmbito público, o fator de conscientizar a população é um caminho para que os números revelados pelo Portal da Transparência sejam revertidos: campanhas em todos os meios de comunicação e, talvez, um dia, discutir com educadores que conscientizem as crianças de como ter hábitos alimentares saudáveis.
A maior expectativa de quem se submete a um transplante é conseguir viver bem com o novo órgão e por muito tempo. Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, a expectativa de vida média dos rins transplantados varia de 15 a 25 anos, entretanto, alguns casos ousam contrariar essas estimativas. “Seu” Antônio Ferreira de Campos é um exemplo e prova viva de que um transplante bem sucedido pode proporcionar uma vida longa e com qualidade. No último dia 25 de outubro, ele comemorou 50 anos do seu transplante renal feito no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFMUSP), com um detalhe: o rim recebido é nove anos mais velho que ele. Em outubro, ele também fez outro aniversário, o de 73 anos de idade.
Economista aposentado, natural de Iacanga, na região de Bauru, e residente em Ribeirão Preto, “Seu” Antônio passou por um transplante de rins aos 23 anos, após sofrer com um caso de nefrite crônica que se manifestou na adolescência. “Mais ou menos em julho de 1972, meus rins pararam de vez e eu precisei ser internado no Hospital das Clínicas em São Paulo para fazer um tratamento com hemodiálise”. Classificada como uma inflamação, a nefrite ataca os glomérulos renais – estruturas dos rins responsáveis por eliminar as toxinas e outros componentes em excesso do organismo. A doença causa inchaço nas extremidades, além da dificuldade em urinar.
Em determinado momento, ele teve que travar outra batalha: a de encontrar um doador compatível. Mas esse foi o menor dos problemas. “A minha irmã Olímpia, na época com 32 anos, logo se ofereceu para ser minha doadora. Fiquei internado três meses aguardando uma vaga para que a cirurgia pudesse ser efetuada”, afirma.
Nova vida no pós-operatório
Apesar do sucesso na cirurgia, a rotina de cuidados continua constante. Alguns anos após a cirurgia, ele se mudou para Ribeirão Preto em função do trabalho e passou a ser acompanhado pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP. “Durante os últimos 50 anos, minha dependência do ambulatório do HC foi muito intensa. Tenho exames de rotina de três em três meses, além dos remédios imunossupressores que são diários”, conta o aposentado.
“Seu” Antônio conta que precisou mudar a rotina no pós-operatório. “Nos primeiros dias após o transplante, com meus 1,70 metros de altura, eu cheguei a pesar cerca de 45 kg. Após três meses da cirurgia, eu já pesava 90 kg. A bronca do médico foi imediata e eu precisei chegar aos 70 kg. Peso que mantenho até hoje.” Além da dieta alimentar e dos cuidados médicos, ele pratica natação e musculação com regularidade.
O médico e professor da Divisão de Nefrologia do HC-FMRP, Miguel Moyses Neto, acompanha de perto a rotina de cuidados de “Seu” Antônio e afirma que mesmo com todas as dificuldades atreladas à idade do paciente e ao tempo do transplante, ele conseguiu se cuidar muito bem. “Nós verificamos que, mesmo após tanto tempo, ele conseguiu superar todas as adversidades, foi privilegiado” afirma o professor.
Avanços no transplante de órgãos
O professor afirma que uma das maiores mudanças que aconteceram durante esses 50 anos foi o desenvolvimento e a descoberta de novas drogas, menos nocivas para o organismo humano. Segundo ele, essas novas drogas permitiram uma queda considerável na taxa de rejeição dos órgãos transplantados, de 60% para menos de 10%, o que possibilita que o transplante dure mais. “As inovações que ocorreram nos exames feitos antes da cirurgia ser realizada, como de sangue e imagem, por exemplo, são determinantes para promover maior eficiência e segurança para quem recebe o órgão transplantado”, assegura.
Os primeiros transplantes foram realizados na década de 1960. De lá para cá, o número de pessoas beneficiadas só tem aumentado. Hoje, o Brasil tem cerca de 37 mil pessoas que esperam receber um transplante de órgãos, sendo 34 mil na fila de espera por um rim, segundo dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde.
Moléculas derivadas de proteínas aparecem apenas em pacientes com ruptura das artérias causada por aneurismas.
Uma pesquisa com participação da Faculdade de Medicina (FMUSP) e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP abre caminhos para o uso de uma nova forma de diagnosticar aneurismas cerebrais. Os cientistas descobriram, em um líquido existente no cérebro, peptídeos (moléculas derivadas de proteínas) que aparecem somente em pacientes que tiveram ruptura das artérias causada por aneurisma ou em casos de ruptura tardia. As características específicas desses peptídeos podem servir como marcadores da condição do paciente, aprimorando o diagnóstico e ajudando os médicos a definir estratégias para o tratamento da doença.
A pesquisa investigou a presença de peptídeos intracelulares ou não no líquido cefalorraquidiano (LCR) e sua associação com casos de aneurismas saculares intracranianos (ASI). “O LCR, também conhecido como líquor ou fluido cérebro-espinhal, é encontrado no cérebro e medula espinhal. Caracteriza-se por ser uma solução salina pura, com baixo teor de proteínas e células, atuando como um amortecedor para o córtex cerebral e a medula espinhal”, relata ao Jornal da USP o professor Emer Ferro, do ICB, um dos coordenadores da pesquisa. “Os ASI são dilatações arteriais no cérebro que ocorrem devido à fraqueza na camada média da parede arterial, levando à formação de bolsas anormais e rupturas das artérias.”
Segundo o professor Eberval Gadelha Figueiredo, da FMUSP, responsável pelos diagnósticos clínicos feitos na pesquisa, os ASI representam de 90% a 95% de todos os casos de aneurismas intracranianos. “As rupturas levam a hemorragias, comprometimento cognitivo e motor, bem como à morte do paciente”, destaca. Devido à falta de sintomas, atualmente os ASI são geralmente encontrados incidentalmente, quando ocorre a ruptura. “Isso porque o LCR pode ser acessado pelo médico por procedimento minimamente invasivo, à semelhança de um exame de sangue, sem comprometer a saúde do paciente. A meta da pesquisa era demonstrar que alterações na presença de peptídeos específicos no LCR podem indicar determinada condição de doença do paciente.”
Tipos de aneurismas
Ao todo, foram testados 11 pacientes com três tipos de aneurismas, identificados em exames clínicos: sem ruptura, com ruptura e com ruptura tardia. “No laboratório, o LCR de cada um dos pacientes passou por ensaios de separação de peptídeos individuais, seguida de identificação das sequências de aminoácidos de cada um desses peptídeos”, relata Ferro. “Uma vez identificados os peptídeos em cada grupo de pacientes, utilizamos recursos de bioinformática para comparar os peptídeos existentes nos diferentes grupos de pacientes.”
Por meio de dois softwares (Mascot e Peaks), foram identificados 2.199 peptídeos, dos quais 484 (22,0%) eram únicos de cada grupo de pacientes. “Descobrimos que os peptídeos únicos em pacientes com diagnóstico de aneurismas intracerebrais saculares com ruptura têm um peso molecular maior quando comparados aos peptídeos dos outros grupos de pacientes”, ressalta Ferro. “Todos os peptídeos únicos apresentaram uma ‘assinatura’, com cadeias conservadas de aminoácidos, domínios funcionais, regiões de modulação de proteínas ou sítios de modificação relacionados a doenças humanas.”
De acordo com o professor do ICB, seria possível usar a informação contida nessa “assinatura” para o diagnóstico molecular dos aneurismas, complementando o diagnóstico clínico do neurocirurgião. “Nós ainda não utilizamos pacientes saudáveis. Além desse limitante dos nossos estudos, o nosso maior limitante para afirmar que os peptídeos já podem ser utilizados no diagnóstico é que nossos ensaios foram realizados com um número ainda pequeno de pacientes”, observa. “Estamos caminhando para estudos com mais pessoas, possivelmente superando a casa de uma centena.”
A pesquisa foi realizada por Carolina Angélica Parada, Rosangela A. Eichler e Emer S. Ferro, do Laboratório de Farmacologia dos Peptídeos Intracelulares do Departamento de Farmacologia do ICB, e Gabriel Reis Sakaya, Vitor Nagai Yamaki e Eberval Gadelha Figueiredo, do Grupo de Neurocirurgia Vascular do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP. Também colaboraram com o trabalho Ami Navon, professor do Weizmann Institute of Science (WIS) em Israel, e Andrea S. Heimann, sócia-proprietária da Proteimax Biotecnologia, sediada em São Paulo e da Proteimax Israel. Os estudos tiveram apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A nutricionista Isabela Cristina, de Mossoró (RN), 40 anos, começou a beber ainda na adolescência, de forma recreativa. O alcoolismo foi um processo que progrediu pouco a pouco ao longo da vida adulta.
“Era o que chamamos de uma alcoolista funcional, trabalhava, cumpria meus compromissos normalmente. Porém, no final do dia, tinha sempre que ter essa recompensa. Eu já era alcoolista, mas não sabia”, conta.
A situação foi evoluindo até que veio a pandemia. “Comecei a beber todos os dias, naquele confinamento, assistindo lives [transmissões ao vivo pela internet]. Beber era minha única diversão. A partir de um determinado momento, comecei a acordar às 5h e começava a ingerir álcool, até meu marido me alertar sobre o uso excessivo e eu decidir buscar ajuda”, lembra.
O período de isolamento social provocado pela pandemia, principalmente ao longo de 2020 e 2021, levou as pessoas a aumentarem o consumo de álcool. Um estudo realizado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) em 33 países da América Latina e do Caribe apontou que 42% dos entrevistados no Brasil relataram alto consumo de álcool durante esse período, particularmente entre as mulheres.
Embora não tenha sido causa, a pandemia acabou desvelando um problema que vem gerando preocupação em especialistas: o aumento do consumo de álcool pela população feminina. Não há muitas pesquisas disponíveis sobre esse cenário, mas alguns números são reveladores.
O levantamento do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (Vigitel), uma plataforma do Ministério da Saúde, mostra que, de 2010 a 2018, o índice de mulheres de 18 a 24 anos que bebem além do recomendado cresceu de 14,9% para 18%. Na faixa etária dos 35 aos 44 anos, esse índice passou de 10,9% para 14%.
Chama a atenção também o consumo de bebida alcoólica entre mulheres idosas: 11,3% daquelas com idades entre 55 e 65 anos bebe além do recomendado, de acordo com o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“Os homens ainda bebem mais que as mulheres, mas pesquisas recentes estão mostrando que as meninas adolescentes já estão bebendo igual ou mais do que os meninos adolescentes, então está havendo uma mudança nessa faixa etária”, destaca Claudia Leiria, psicóloga especializada em dependência química e fundadora da Associação Alcoolismo Feminino (AAF). A entidade desenvolve um acolhimento exclusivo para mulheres alcoolistas.
Segundo o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid), até 2030 o número de mulheres dependentes do álcool será igual ao dos homens. “Por que isso é preocupante? A mulher tem menos água no corpo do que os homens e, conforme avança a idade, essa proporção de água corporal vai diminuindo. Portanto, quando a mulher consome o álcool, ele tem pouca diluição da substância, que fica mais concentrada, e causa mais danos do que no homem”, explica Leiria.
Outro fator biológico é o tamanho padrão da mulher, que são mais baixas que os homens. Nesses casos, o álcool percorre o sistema circulatório mais rapidamente no organismo. “A mulher também tem mais gordura corporal e a gente sabe que o álcool fixa-se mais em tecido adiposo, ou seja, ele adere mais à gordura do que ao músculo, permanecendo um tempo maior no organismo da mulher do que o homem”, acrescenta.
De mulheres para mulheres
Apesar da crescente preocupação com o consumo excessivo de álcool pelas mulheres, fenômeno até pouco tempo negligenciado e até silenciado socialmente, há poucas políticas de acolhimento específicas para esse público. Foi o que percebeu a empreendedora Grazi Santoro, quando decidiu buscar ajuda para enfrentar a própria dependência. Sóbria há 14 anos, ela buscou ajuda nos Alcóolicos Anônimos (AA), onde diz ter sido bem acolhida, mas o ambiente ainda é hostil para as mulheres, que são estigmatizadas.
“Durante todo o tempo em que eu fui acolhida no AA, e fiquei em recuperação, num grupo de 12 passos, me doía muito perceber que poucas mulheres chegavam nesse espaço. Era predomínio de 10 homens para cada mulher. Quando nós, mulheres, chegamos num grupo, a gente chega carente, muitas vezes separadas, solteiras, e o machismo estrutural está dentro de grupos, como está dentro de todos os espaços sociais. O programa de 12 passos funciona e salvou minha vida, mas o ambiente é machista, predominantemente composto por homens machistas. Então, nós somos assediadas e, às vezes, até violentadas”, relata.
Em fevereiro 2020, pouco antes da pandemia e já fora do anonimato como alcoolista, Grazi decidiu compartilhar sua história publicamente, para estimular outras mulheres que queriam tratar a dependência a saber como fazer.
“Foi quando lançamos o Coletivo Alcoolismo Feminino, nos apresentando como mulheres em recuperação e buscando outras mulheres que queriam ajuda, além de familiares dessas mulheres que querem ajuda”.
Após conceder uma entrevista em um programa de televisão, na mesma época, Grazi viu a procura por ajuda explodir nas suas redes. Com isso, Grazi Santoro e a psicóloga Claudia Leiria começaram a estruturar o coletivo a partir de grupos em aplicativos de mensagem do celular.
Num primeiro momento, elas tentavam orientar as mulheres que chegavam a procurar um AA, mas muitas delas até já tinham ido e não se identificavam.
“A gente começou então a criar formas de acolhimento com base no que elas traziam de demanda e passamos a realizar os encontros virtuais. O tratamento não é somente mudar os hábitos e evitar certos lugares, mas cuidar de outras comorbidades que essas mulheres normalmente têm. Muitas, por exemplo, têm depressão, então não adianta só parar de beber, tem que tratar da depressão. Outras viviam num ciclo de violência doméstica e o consumo de álcool potencializava isso, então tinha que olhar paras as várias dimensões do problema”, explica Grazi Santoro.
Desde que começou como um coletivo, passando para uma associação, a AAF já acolheu mais de 1,2 mil mulheres no país, além de brasileiras residentes na Europa e mulheres portuguesas e angolanas. Atualmente, contam com apoio da Opas/OMS e chegaram a participar de eventos internacionais promovidos pela organização para falar sobre as especificidades do alcoolismo entre mulheres.
Grupos terapêuticos
Uma das características do processo de acolhimento e tratamento da dependência do álcool feito na Associação Alcoolismo Feminino (AAF) é a organização por meio de grupos terapêuticos. São seis ativos no momento: codependência, transtornos alimentares, prevenção de recaídas, violência contra mulheres, LBTQIA+, maternagem e familiares. Esses grupos tratam algumas das principais especificidades do alcoolismo entre mulheres.
Além disso, há 14 profissionais voluntárias, que incluem psicólogas e nutricionistas, que apoiam a recuperação dessas pessoas. Pelo menos 7 reuniões e rodas de estudos ocorrer semanalmente de forma virtual. Integrantes da AAF também costumam promover palestras em empresas, clínicas de recuperação, escolas, universidades e instituições da sociedade civil.
Dona de um bar no interior do Rio de Janeiro, Eliete de Abreu Tavares, 40 anos, está há 2 anos e 2 meses sem beber. Antes de buscar tratamento para sua dependência, ela viveu inúmeras situações de constrangimento e até exposição à violência entre amigos e familiares.
“Me tornei uma pessoa agressiva, tinha apagões alcóolicos, não me lembrava da noite anterior. Todo final de semana eu começava a beber feliz, alegre com todo mundo, mas, no dia seguinte, as pessoas não falavam comigo, porque eu tinha ofendido alguém, tinha quebrado coisas em casa. Eu já não estava aguentando, é um ciclo muito triste”, revela.
Sem saber da existência da AAF, Eliete foi numa reunião do AA e não se sentiu bem. “Eu não me senti bem no AA, é uma instituição muito machista. Além disso, sou lésbica e não me sentia segura de falar da minha vida. Uma pessoa que conhecia foi quem me disse sobre um grupo de mulheres alcóolatras. Quando encontrei a AAF, foi um divisor de águas na minha vida”, conta.
“A diferença que eu vejo da AAF para os outros grupos de acolhimento é que tem mais amorosidade, menos julgamento e mais acolhimento. A mulher se sente mais à vontade para partilhar sua dor. Temos grupos terapêuticos para mulheres que sofreram abusos e violência, para mães ou filhos de alcoolistas, para mulheres que sofrem transtornos alimentares. Quando uma mulher recai, a gente dobra esse apoio, essa atenção, mas sem julgamento, até porque ela já chega carregada de muita culpa. É preciso levantar a autoestima, fazer essa mulher acreditar nela”, argumenta.
Atualmente, Eliete é das voluntárias na AAF, onde atua como guardiã de um dos grupos de mensagens de mulheres. Esses grupos servem para troca de informações e depoimentos, mas também funcionam como uma espécie de plantão de emergência.
“Às vezes, uma das meninas entra num momento de crise, ela avisa no grupo e imediatamente entramos em contato para conversar, acolher, até ela se sentir melhor. Nossa doença é emocional, quando você está feliz, eufórica, é perigoso. E quando você está triste demais, também é um risco de recair”.
Para mulheres que estejam sofrendo e desejam tratar a dependência do álcool, Eliete faz questão de deixar uma mensagem: “eu diria que elas não precisam ter vergonha, que elas não estão sozinhas, só precisam se dar uma oportunidade, deixar a gente amar ela enquanto ela não consegue”.
Ricardo Vasconcelos fala sobre a Profilaxia Pré-Exposição injetável, em desenvolvimento pelo Estudo Mosaico da FMUSP, que apresentou bons resultados em animais e agora é testada em humanos. A ideia é que a administração subcutânea apenas uma vez a cada seis meses facilite a adesão dos usuários.
Uma das maneiras de se proteger contra o vírus da imunodeficiência humana (HIV) é por meio da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Desde 2017, todos aqueles que se considerem vulneráveis ao HIV, mesmo usando outros tipos de prevenção, podem adquirir o PrEP oral via SUS. O uso contínuo, porém, pode ser um obstáculo para alguns pacientes.
Pensando em facilitar a vida do usuário, pesquisadores do Estudo Mosaico, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), estão desenvolvendo uma profilaxia injetável contra o HIV, a Lenacapavir, que seria administrada a cada seis meses e de forma subcutânea, assim como a insulina. “Quando pensamos em prevenção do HIV, o melhor método de prevenção para cada pessoa é aquele método que a pessoa escolhe usar e consegue usar de forma correta e de forma constante”, explica o pesquisador e coordenador do estudo, Ricardo Vasconcelos.
O comprimido é uma excelente maneira de prevenção, porém depende de um compromisso da pessoa para continuar o tratamento. Existe, também, outra forma de profilaxia injetável que está em análise na Anvisa: a intramuscular, aplicada no glúteo a cada dois meses. Hábitos e diferentes tipos de vida podem prejudicar esse tratamento contínuo, de forma que se torna não prático e mais fácil de ser abandonado. “A gente foi percebendo aos poucos que, quanto mais os diferentes métodos de prevenção estiverem disponíveis para a população, mais fácil vai ser contemplar todos os estilos de vida”, diz Vasconcelos.
Existem pessoas que não conseguem usar preservativo e tomar remédio diariamente, lembra o infectologista. Esse método, então, está sendo desenvolvido com o propósito de tornar a vida das pessoas mais fácil, garantir o tratamento contínuo e diversificar os métodos de prevenção para que todos sejam incluídos.
Como a profilaxia funciona?
O princípio da PrEP é sempre o mesmo: impedir que o vírus, após entrar no corpo, não se multiplique. Para as pessoas que não vivem com HIV, o que o estudo pretende com a injeção é que, caso o vírus entre no corpo da pessoa, o sistema imune consiga bloquear e destruir o vírus.
O medicamento é injetado duas vezes ao ano e segue a tecnologia das vacinas Janssen e AstraZeneca contra a covid-19, de retrovírus. “A gente administra medicamentos anti-retrovirais com o objetivo de proteger essa pessoa dessa infecção. O que ele faz é impedir que o HIV se multiplique numa pessoa que está com HIV”, explica. O medicamento pode também ser aplicado naqueles que não possuem a doença, especialmente por se tratar de uma prevenção.
O pesquisador também fala de prevenção combinada: uso de preservativos com medicamentos. “A ideia de que você tem, como profissional da saúde, oferecer todo o cardápio para a pessoa e a pessoa que vai ver o que que ela consegue aplicar na vida dela”, complementa o infectologista.
A injeção ainda está em fase de teste e não se sabe a eficácia. Para isso, são necessários voluntários específicos para o estudo: pessoas trans, não binários, maiores de 18 e homens homossexuais. Para entrar em contato, o telefone é (11) 93278-6719, ou acesse o site da pesquisa: https://www.purposestudies.com/. Também, a demonstração de interesse e mais informações sobre o processo podem ser encontrados pelo Instagram do PEC – Programa de Educação Comunitária (@pecnasredes).
Estudo comparou cérebro de idosos ativos e inativos, detectando maior volume em 48 áreas e estruturas entre aqueles que acumularam tempo igual ou superior a 150 minutos de atividade física por semana.
O processo de envelhecimento é acompanhado por uma redução fisiológica do volume cerebral total. A atrofia cerebral, como também é chamada, é uma expressão usada para descrever a perda de tecido do cérebro que ocorre em todas as pessoas como parte natural do processo de envelhecimento, porém, essa condição também pode estar relacionada a problemas cognitivos e doenças neurológicas quando a perda é maior do que a esperada para a idade. Em geral, a diminuição neste volume é um marcador de referência para avaliação da saúde cognitiva em pessoas mais velhas.
Além de melhorar a capacidade cardiorrespiratória, promover o fortalecimento muscular e prevenir doenças associadas ao sedentarismo, a prática regular de atividade física faz bem ao cérebro de idosos. Uma pesquisa da USP feita com 45 pessoas recrutadas na rede básica de saúde, com idade entre 60 e 65 anos, mostrou que aqueles que se mantinham ativos apresentaram maior volume cerebral (considerada uma característica positiva para efeitos cognitivos) em comparação aos sedentários. Das 71 áreas cerebrais analisadas, houve diferença significativa no volume intracraniano em 48 áreas/estruturas entre os que, durante suas rotinas diárias, acumularam tempo igual ou maior que 150 minutos de atividade física por semana quando comparados àqueles que acumularam menos de 150 minutos. Uma das áreas impactadas foi o lobo frontal, responsável pela elaboração do pensamento, planejamento, programação de necessidades individuais e emoção. A diferença dessa região foi em torno de 8%.
Os pesquisadores descobriram, também, que a aptidão cardiorrespiratória (ACR) é um preditor significativo dos volumes de, respectivamente, todo o cérebro, lobo frontal, lobo temporal, cerebelo e substância cinzenta cortical. A ACR mede como seu corpo absorve oxigênio e o distribui aos músculos e órgãos durante períodos prolongados de exercício. Quanto maior o nível de ACR, menor será o risco de desenvolver uma variedade de patologias, tais como doença cardiovascular e certos tipos de câncer.
“Quando a redução do volume cerebral é maior que o esperado para a idade, esta condição está associada à perda cognitiva e à demência”, explica ao Jornal da USP Lucas Melo Neves, autor da pesquisa de doutorado defendida na EEFE. “O auge do desempenho biológico do cérebro acontece por volta dos 20/30 anos mas, aos 60, as pessoas já tiveram redução significativa do cérebro. A partir dos 60 anos, a cada década, há uma redução em torno de 5% do volume cerebral”, diz.
Carlos Ugrinowitsch, orientador da pesquisa e professor do Laboratório de Adaptação ao Treinamento de Força, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, explica que outros trabalhos científicos já haviam mostrado a importância da atividade física para evitar a atrofia cerebral, porém, a pesquisa atual expandiu esse conhecimento. “Com auxílio de novas tecnologias e equipamentos mais precisos – a ressonância magnética, por exemplo – foi possível mapear todas as estruturas do encéfalo e verificar efeitos positivos generalizados da atividade física na preservação do volume de mais de 30 estruturas cerebrais”, diz.
Aumento do volume cerebral está ligado à saúde cognitiva
Um maior volume cerebral está associado a um melhor desempenho cognitivo, ou seja, processamento de informações, raciocínio, atenção e memória. A medição da massa encefálica é feita em centímetro cúbicos, porque trata-se de uma medida dos exames de ressonância magnética, um dos instrumentos utilizados para estimar o volume do cérebro e diagnosticar problemas de cognição e doenças como o Alzheimer e acidente vascular cerebral (AVC).
O termo massa cerebral é evitado porque diz respeito ao peso, que só poderia ser obtido retirando a caixa craniana e a colocando em uma balança.
Estudos anteriores já mostraram que diminuições de até 30% no fluxo sanguíneo cerebral em adultos de meia-idade até a idade avançada parecem estar correlacionadas com a atrofia cerebral. A redução do fluxo sanguíneo no cérebro limita a disponibilidade de oxigênio e aumenta o estresse oxidativo e a inflamação nos neurônios, que estão relacionados à morte dos neurônios e diminuição de sinapses (região responsável por realizar a comunicação entre dois ou mais neurônios). Além disso, fatores de risco relacionados à saúde, como condições mentais (por exemplo, transtorno depressivo maior, comprometimento cognitivo leve e demência), obesidade e outras doenças não transmissíveis, parecem exacerbar a perda neuronal, a atrofia cerebral e o declínio cognitivo em ambos os sexos entre adultos de meia idade e idosos.
Foi com base nessas informações que os pesquisadores levantaram a hipótese para delinear o estudo: idosos que acumulam 150 minutos ou mais de atividade física por semana devem ter um volume maior das áreas e estruturas cerebrais avaliadas do que seus colegas que acumulam menos de 150 minutos de atividade física por semana; além disso, a aptidão cardiorrespiratória deve estar positivamente associada ao volume cerebral.
“Até onde sabemos”, escrevem os autores, “não está claro como todas as áreas cerebrais que apresentaram maior volume afetam as atividades diárias dos idosos. No entanto, uma revisão recente sugeriu que a diminuição do volume de várias áreas e estruturas cerebrais está relacionada ao deslocamento do equilíbrio, pois o equilíbrio é uma habilidade que ativa a maioria das áreas e estruturas cerebrais.”
“Os resultados da pesquisa da USP sugerem que o tempo de prática de atividade física seja uma ferramenta importante para mitigar o declínio do volume cerebral e para preservar a cognição durante o processo de envelhecimento, relata Ugrinowitsch ao Jornal da USP . O exercício físico regular aumenta o fluxo sanguíneo para a cabeça e estimula o crescimento de novas células cerebrais e as conexões entre elas, resultando em cérebros mais eficientes, maleáveis e adaptáveis, explica o estudo.
A pesquisa
Os 45 voluntários, divididos em dois grupos – sedentários e ativos – eram compostos por 38 mulheres e 7 homens. Eles foram recrutados em Unidades Básicas de Saúde (UBS), na região do Campo Limpo, na Capital paulista, e um dos critérios estabelecidos pela pesquisa foi que eles não poderiam ter participado nos últimos seis meses de nenhum programa estruturado de atividade física. Em ambos os grupos – tanto no de ativos quanto no de sedentários – algumas pessoas tinham diabetes, eram hipertensas, fumantes ou com glicemia elevada.
Neves explica a diferença entre exercício físico e atividade física. A primeira categoria se trata de atividade planejada, estruturada e acompanhada ou não por um profissional de educação física. Exemplos: musculação, natação, hidroginástica, pular corda, ginástica localizada, etc. A segunda, é qualquer movimento corporal que resulte em gasto energético (situação em que se encaixavam os idosos ativos da pesquisa). Por exemplo, varrer a casa, cuidar do jardim, subir ou descer escadas, levar o cachorro para passear, caminhar para pegar transporte público, entre outros.
Para comparar o volume das áreas e estruturas cerebrais, os pesquisadores utilizaram um acelerômetro, um dispositivo fixado à cintura dos voluntários, que registrava os níveis de atividade física realizados durante sete dias, por, no mínimo, dez horas diárias. Os participantes foram divididos em dois grupos: um ativo, com 25 pessoas, que durante suas rotinas diárias na semana acumulavam igual ou mais de 150 minutos de tempo de prática de atividade física; e outro sedentário, com 20 pessoas, que acumularam menos de 150 minutos de atividade física semanal. Lembrando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que, para manter-se saudável, um idoso deve praticar, por semana, de 150 minutos de atividade física moderada ou 75 minutos de exercícios intensos.
Após uma semana, os voluntários foram submetidos a exames de ressonância magnética dos cérebros para obter imagens 3D de alta resolução das áreas e estruturas avaliadas. Os resultados apurados mostraram que os idosos que estavam no grupo de ativos apresentaram volume maiores em 39 áreas e nove estruturas cerebrais quando comparados aos sedentários. As áreas que apresentaram maior volume foram: encéfalo total (7%), lobo frontal (8%), lobo temporal (10%), lobo parietal (9%), lobo occipital (9,5%) e substância cinzenta cortical (9%). As estruturas com maior diferença percentual foram o cortex entorrinal (12,5%), parahipocampo (16%), hipocampo (8%) e lingual (10%).
Limitações
No artigo, são citadas algumas limitações do estudo, como o número modesto de idosos avaliados e a inexistência de coleta de informações relacionadas a fatores sociais, ambientais, culturais e comportamentais que influenciam ações e experiências individuais.
A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Mais informações: e-mail ugrinowi@usp.br, com Carlos Ugrinowitsch, e e-mail lucasmeloneves@uol.com.br, com Lucas Melo Neves
Para Luciano Drager, o sono é uma parte significante na nossa vida e não pode ser roubado por maus hábitos, como, por exemplo, usar celular antes de dormir.
O “sono ruim” não é, necessariamente, poucas horas dormidas. Ele tem uma relação maior com a qualidade de sono, que é prejudicada pela ansiedade, depressão, excesso de trabalho e conectividade.
“Eu acho que a gente precisa entender, respeitar o nosso ritmo”, comenta o médico Luciano Drager, do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e presidente da Associação Brasileira do Sono.
O estudo Sleep quality in the Brazilian general population: A cross-sectional study, que tem Drager como o principal autor, chegou à conclusão de que mulheres, jovens, pessoas com insônia e que usam celulares antes de deitar são mais prováveis de terem uma qualidade de sono ruim. Por mais que esse seja um recorte brasileiro, Drager analisa: “Não chega a surpreender se você comparar com dados de outros países e pelas tendências de piora que nós já verificamos em outros estudos epistemológicos feitos no Brasil”.
Estudo
Para a pesquisa, Drager e a equipe contataram uma agência experiente na área: “Nós usamos um questionário validado em português, inclusive já usado mundialmente: 2.635 pessoas responderam ativamente a essas perguntas para, a partir dessa qualificação de idade, de sexo, de local onde mora e de hábitos de vida, procurarmos tentar entender não só os 65% dormindo mal, mas também identificar aqueles fatores que possam estar contribuindo para isso”, comenta o especialista.
Para Drager, é necessário respeitar a rotina, já que a regularidade ajuda na melhora do sono. A conectividade também precisa diminuir próximo do horário de dormir.
O estudo conclui que as mulheres são as mais afetadas pela má qualidade de sono. Esse dado pode estar relacionado com a pressão social vivida pela mulher, com a menopausa ou também com o fato de a insônia ser mais comum nas mulheres. É necessária orientação médica para o uso de medicação no combate dessa má qualidade, porém, a mudança de hábito é fundamental segundo Drager.
Hábito de dormir
“Temos que fazer uma higiene do sono, se a gente considerar o sono uma fase importante da vida e não uma fase em que você está perdendo tempo”, analisa ele. Na atualidade, o estilo de vida envolve estar conectado constantemente e, dessa forma, dormir é considerado perda de tempo. Drager diz que os jovens estão tendo uma pior qualidade de sono do que os mais velhos, sendo que os de maior idade têm uma necessidade biológica.
Esse hábito impacta no sono e isso é grave, porque o sono é muito importante na consolidação da memória, na performance, na incidência de distúrbios cognitivos. “[É importante] Reconhecer o sono como uma parte significante na nossa vida, não roubar esse sono em termos de privação, respeitar a regularidade e tratar esses distúrbios”, ressalta Luciano Drager.
A menopausa é uma etapa da vida fisiológica das mulheres e, dependendo do caso, exige tratamento dos sintomas causados, como os fogachos (calores), as alterações no sono e no humor.
“[A terapia hormonal] É a primeira linha para o tratamento dos sintomas menopausais, os sintomas vasomotores que atrapalham a atividade de vida diária das mulheres”, comenta a professora Isabel Cristina Esposito Sorpreso, do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP.
O estudo The Women’s Health Initiative (WHI), publicado em 2017, durou cerca de 18 anos e analisou a relação do uso da terapia hormonal e a mortalidade, sobretudo por câncer e doenças cardiovasculares.
Tratamento da menopausa
“Os sintomas da menopausa surgem em mais de 60% das mulheres”, diz a professora. Com isso, a terapia hormonal, sendo a primeira opção para o tratamento dos sintomas da menopausa, exceto quando há contraindicação, é muito importante.
O tratamento pode começar até quatro anos antes da menopausa, caso os sintomas apareçam, mas Isabel ressalta a importância de analisar todas as variáveis: “Cada caso sempre deve ser individualizado, sempre temos que pesar os antecedentes pessoais e familiares e também o comportamento dessa mulher: se ela é tabagista, se ela tem alguma outra comorbidade. Então, tudo isso influencia na prescrição da terapia hormonal.”
De forma geral, antes dos 60 anos e nos primeiros 10 anos da menopausa, é uma faixa etária oportuna para o tratamento.
Estudo
A pesquisa da WHI, considerada pela especialista a mais completa até o momento, mostrou que não houve aumento de mortalidade por câncer e doenças cardiovasculares. A posição da Sociedade Norte-Americana de 2022 atualiza as colocações da organização feitas em 2017. Nela, a terapia hormonal continua como o tratamento mais eficaz. Isabel pontua alguns fatores importantes sobre o assunto: “A gente tem que lembrar algumas coisas específicas: primeiro, a faixa etária é fundamental, essas janelas de oportunidade para utilizar a terapia hormonal são fundamentais. A via de administração da terapia hormonal também é uma coisa importante. Hoje em dia, nós temos outras medicações, com outras dosagens e outras vias de administração, para que nós possamos sempre administrar o melhor para as nossas pacientes”.
A professora Isabel Cristina Esposito Sorpreso também é coordenadora do projeto Menopausando. Para saber mais sobre essa iniciativa, acesse o link: https://sites.usp.br/menopausando/
Um estudo feito na Universidade Charles, na República Checa, concluiu que o exercício físico é fundamental para a diminuição do câncer de mama, o tipo de maior incidência no sexo feminino. Foram analisadas 130 mil mulheres de ascendência europeia, sendo que, destas, 70 mil tinham tumores que se espalharam.
Já é consenso e existem evidências desde a década de 1990 de que a atividade física faz bem e tem impacto na redução do risco de câncer – com dados coletados é possível quantificar quanto é possível reduzir. Para o câncer de mama, estima-se que a redução é de 40%. A recomendação é praticar qualquer exercício físico.
O sedentarismo, por sua vez, aumenta em 104% o risco para a evolução e desenvolvimento da doença. Por isso, para evitá-la, não basta apenas praticar exercícios, mesmo que todos os dias. É imprescindível que o sedentarismo diminua, por meio da redução do tempo que ficamos sentados, por exemplo.
É melhor fazer pouco exercício físico do que não fazer
O ideal são 150 minutos de atividade física moderada distribuídos na maior parte dos dias da semana. Os exercícios melhoram o funcionamento do sistema imune, ajudam a reduzir a inflamação sistêmica, o inchaço, o sobrepeso e a obesidade e modulam a ação hormonal, que ajuda na redução do tecido gorduroso. A frequência, portanto, é muito importante: é melhor fazer pouco do que não fazer.
“Essa recomendação internacional com as atividades físicas preconiza que você reduza o seu tempo sentado, fazer o máximo de atividades que você puder de pé e introduzir no seu dia a dia mais atividade”, explica Christina May Moran de Brito, coordenadora médica do serviço de reabilitação do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo). Ela ainda lembra que nosso dia a dia atual é muito sedentário e precisamos contrapor essa realidade.
“O exercício não só auxilia de forma significativa na prevenção do câncer de mama, mas a gente sabe também que reduz a recorrência do câncer de mama para quem já tem a doença ou para quem já teve a doença. Aumenta a sobrevida, então atua como um remédio efetivamente”, relata a médica. Não apenas o câncer de mama diminui, mas o de cólon e o de próstata também. “O câncer de cólon a gente sabe que o exercício físico também reduz: melhora o hábito intestinal, então diminui a exposição do tecido intestinal aos carcinógenos”, diz.
Exercício físico é apenas parte da prevenção
Os exercícios físicos têm um papel importante na prevenção e na redução dos riscos, mas isso não substitui a detecção precoce, que é fundamental. Christina May evidencia que só 10% do câncer de mama tem a ver com hereditariedade, o restante são fatores ambientais e individuais que aumentam a predisposição: etilismo, exposição hormonal, histórico de menstruação muito cedo e menopausa muito tarde, quantas gestações ao longo da vida e histórico familiar de câncer de ovário são alguns deles.
“Existem evidências sugestivas de que o tabagismo aumenta o risco de câncer de mama. Por enquanto ainda não são conclusivas, mas existem evidências”, comenta Christina.
Por fim, a médica reforça a importância da mamografia, que é indicada anualmente para mulheres acima dos 50 anos. Também quem possui histórico familiar da doença deve procurar o médico o mais cedo possível, para que a detecção seja precoce, além de sempre estar atenta a alterações locais.
Em agosto, voluntários do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) serão convocados para novas entrevistas e bateria de exames para avaliar a saúde do brasileiro e a evolução de fatores de risco para doenças cardiovasculares, principal causa de morte no mundo.
esquisadores e voluntários se aquecem para a quarta onda do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil). O Elsa é um estudo de cunho epidemiológico que investiga na população brasileira a incidência e fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares (como acidente vascular cerebral, hipertensão, arteriosclerose, infarto, entre outras) e algumas doenças associadas. Os participantes da pesquisa, cerca de 15 mil pessoas de várias regiões do País, com idade entre 35 e 74 anos, serão novamente convocados em agosto para entrevistas e exames que identifiquem uma possível evolução dos fatores de risco para estas doenças – que são consideradas a principal causa de mortalidade no Brasil e no mundo.
Desde 2008, quando começou a coleta de dados, o Elsa-Brasil vem produzindo conhecimentos relevantes sobre a saúde da população adulta brasileira, dados que servirão para adequação de políticas públicas de saúde voltadas para as necessidades brasileiras. A cada três ou quatro anos acontece uma nova onda presencial para prosseguimento da pesquisa e, anualmente, é feito um monitoramento por telefone ou WhatsApp que é contínuo durante todo o estudo. As perguntas versam sobre fatores de risco para doença cardiovascular, condições de vida, diferenças sociais, estresse no trabalho, conflito saúde familiar, saúde mental, questões de gênero e especificidades da dieta da população brasileira.
Na modalidade presencial, são realizados exames laboratoriais (hemograma, glicemia em jejum e após sobrecarga de glicose, colesterol total e frações, creatinina, ácido úrico, proteína C ultrassensível, hormônio tiretrófico – TSH, tiroxina-livre – T4-livre e insulina), medidas antropométricas como peso, circunferência abdominal, altura, índice de massa corporal (IMC), medidas de pressão arterial, avaliação de funcionalidades como equilíbrio, marcha e força muscular, avaliação cognitiva, bioimpedância para avaliação da composição corporal e porcentual de gordura e eletrocardiograma. Ao final, os resultados dos exames são disponibilizados aos participantes.r
“A cada onda, são produzidos novos dados e guardados em um servidor de pesquisa; depois de cruzados e analisados, resultam em informações muitas delas inéditas acerca da saúde da população brasileira”, relata ao Jornal da USP a médica epidemiologista Isabela M. Benseñor, coordenadora do Elsa- Brasil, em São Paulo, e professora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). “O estudo de coorte [acompanhamento de longo prazo] é um celeiro de produção de conhecimento. Até o momento, já foram publicados mais de 400 artigos científicos em revistas brasileiras e estrangeiras e capacitados mais de mil novos pesquisadores e pessoal técnico para trabalhar em pesquisa clínica”, diz.
Isabela M. Benseñor – Foto: Arquivo pessoal
O engajamento dos voluntários no projeto é alto, o que reflete no baixo porcentual de desistência de participação. Enquanto que estudos de coorte realizados em outros países perdem, de um ano para o outro, 20% de seus participantes, o Elsa, desde 2008, em 14 anos de existência, perdeu apenas 15%. Em geral, são casos de óbitos ou de pessoas que se aposentaram e foram morar em outras cidades, e que, no caso de mudanças, continuam sendo seguidas por telefone, informa a professora Isabela.
Inovação: inclusão de fatores de risco não clássicos para doenças cardiovasculares
O Elsa-Brasil inovou incluindo em suas investigações fatores de risco não clássicos ao estudo, que podem estar associados à incidência de doenças cardiovasculares, diz a pesquisadora. Além de manter os fatores clássicos como o tabagismo, obesidade, sedentarismo, hipertensão, diabete, estresse e dislipidemia, investigados em outros estudos de coorte, o Elsa-Brasil vem explorando fatores psicossociais: estresse no trabalho, diagnósticos psiquiátricos, conflito família-trabalho, eventos negativos de vida, capital social e características de vizinhança, além de outras doenças associadas como as tireoidianas (hipo e hipertireoidismo) e as inflamatórias autoimunes (artrite reumatoide, lúpus, síndrome de Sjögren), enxaquecas e sintomas psiquiátricos (depressão e ansiedade).
Em 2020, por conta da pandemia do coronavírus, os pesquisadores do Elsa avaliaram 2.117 participantes para saber se os níveis de sintomas psiquiátricos – ansiedade e depressão – cresceram durante a pandemia. O artigo Prevalence and risk factors of psychiatric symptoms and diagnoses before and during the covid-19 pandemic: findings from the Elsa-Brasil covid-19 mental health cohort indicou que a prevalência de transtornos mentais se manteve elevada, porém não teve aumento significativo na pandemia.
“A inclusão de fatores não clássicos trouxe a oportunidade de análise da interação entre doenças inflamatórias, cardiovasculares e sintomas psiquiátricos e se essa coexistência aumentaria o risco de desfechos cardiovasculares fatais e não fatais e de mortalidade geral e por doenças cardiovasculares”, diz a pesquisadora.
Outra originalidade da pesquisa brasileira foi o recrutamento, em 2008, de voluntários com idade mínima a partir de 35 anos, o que vem permitindo avaliar antecipadamente em que momento as doenças cardiovasculares e o processo aterosclerótico (obstrução do fluxo sanguíneo nas artérias carótidas por placas de gordura e cálcio) começam a se manifestar, relata a professora Isabela.
“As linhas de estudo que envolvem fatores de risco não clássicos para a doença cardiovascular em uma idade mais jovem têm sido nossas maiores fontes de produção científica. Nos projetos temáticos Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] associados ao estudo, por exemplo, o papel da função tireoidiana na determinação das doenças cardiovasculares gerou 30 artigos já publicados, além de vários outros submetidos”, diz.
O artigo Gender, race and socioeconomic influence on diagnosis and treatment of thyroid disorders in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (Elsa-Brasil), cujo um dos autores é a professora Isabela, relata que gênero, raça e fatores socioeconômicos influenciam no diagnóstico e tratamento da doença.
Neste estudo, se verificou que o diagnóstico e o tratamento do hipotireoidismo clínico é menor entre os homens, entre os participantes de menor escolaridade e renda e entre os pretos, quando comparados aos pardos e brancos. “O resultado mostra que mesmo em uma amostra de pessoas que têm mais acesso aos serviços de saúde, no caso dos voluntários do Elsa, que são funcionários públicos, a desigualdade social influencia no diagnóstico e tratamento do hipotireodismo”, diz.
Este mesmo estudo também indicou que o hipotireoidismo clínico e subclínico (quando há um aumento do hormônio tireotrófico, mas a tiroxina-livre ainda está em níveis normais) são mais frequentes nos brancos e o hipertireoidismo clínico e subclínico (quando há uma diminuição do hormônio tireotrófico, mas a tiroxina-livre está em níveis normais) são mais frequentes nos pretos.
Outra informação relevante publicada em artigo científico foi que a levotiroxina, um hormônio sintético usado no tratamento de reposição hormonal quando há déficit de produção de tiroxina pela glândula tireoide, vem sendo largamente utilizada no Brasil por mulheres de classes sociais mais elevadas, possivelmente com prescrição off label. Ou seja, o medicamento vem sendo utilizado para perda de peso, tratamento da depressão e outros fins, o que, segundo a pesquisadora, não é diferente dos resultados encontrados em estudos de outros países.
Mais informações: e-mail isabensenor@gmail.com, com a professora Isabela M. Benseñor