Apesar dos avanços científicos terem permitido que pessoas que vivem com o vírus da imunodeficiência humana, HIV, tenham uma vida normal, algumas complicações ainda as acometem. Uma delas, por exemplo, é de que esta população está mais suscetível a sofrer com problemas cardiovasculares. Esse cenário foi o que motivou a realização de um estudo publicado este ano na Revista Latino-Americana de Enfermagem (RLAE), com sede na USP, em Ribeirão Preto, que apresentou para pessoas com HIV um e-book interativo inédito criado para orientá-las sobre a problemática e sugerir ações de conscientização e mudanças de hábitos que podem reduzir os riscos relacionados às doenças no coração.
Por meio de infográficos, vídeos, imagens e com o uso de uma linguagem simples, objetiva e didática, o material foi dinamizado para que pudesse ser de fácil visualização e compreensão pelo público leigo. O livro digital, que pode ser acessado gratuitamente, ajuda as pessoas com HIV a seguirem suas vidas de forma saudável. Na obra, são abordados temas como a importância do cuidado com o coração, as consequências causadas por algumas condições clínicas, como diabetes, hipertensão e obesidade, além dos prejuízos gerados por alguns hábitos como tabagismo, sedentarismo e estresse, trazendo essas informações para a realidade dessas pessoas.
A partir desse contexto, os autores do e-book propuseram estratégias para que o leitor cuide de sua saúde, passando por dicas de alimentação, estímulo à prática da atividade física, orientações para aliviar o estresse e evitar o tabagismo, entre outras. “As pessoas não tinham ideia do quanto alguns hábitos saudáveis poderiam impactar na qualidade de vida e serem usados como medidas preventivas para possíveis complicações. Nós produzimos o e-book trazendo orientações justamente para aplicação nesses pontos considerados modificáveis, em que um profissional de saúde e o próprio paciente conseguem intervir. É conhecer para prevenir, afinal, as chances de pessoas com HIV desenvolverem doenças cardiovasculares são cerca de 25% maiores do aquelas que não possuem o vírus”, explica Elizabete Santos Melo, ex-aluna da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP e uma das autoras do livro, ao lado de sua então orientadora, a professora Renata Karina Reis.
Ao todo, 309 pessoas vivendo com HIV, de todas as regiões do Brasil, tiveram acesso ao e-book e responderam a um questionário sobre a obra. Mais de 90% dos participantes avaliaram o livro como adequado para tirar dúvidas e realizar cuidados preventivos à saúde cardiovascular, mostrando-se uma ferramenta válida e pertinente para promover a alfabetização na área. Além disso, mais de 80% dos leitores, que eram em sua maioria do sexo masculino, demonstraram motivação ao ler o livro eletrônico.
“Para localizar voluntários para o estudo, utilizamos diversas estratégias: pedimos ajuda para profissionais de saúde que atuam na assistência de pessoas com HIV e que convidaram pacientes para participar; produzimos flyers com QR Codes que direcionavam possíveis interessados para um link de acesso ao livro e fixamos em diferentes locais; ingressamos em grupos de específicos de pessoas com HIV nas redes sociais; e pedimos auxílio a pesquisadores de outras regiões e também para influenciadores digitais que trabalham na conscientização do HIV. Enfim, foram vários mecanismos que utilizamos para conseguir adesão à leitura do livro e ao questionário que preparamos sobre a obra. Foi uma tarefa muito complexa, pois, no Brasil, o feedback de pesquisas on-line ainda é baixo, já que muitas pessoas desconfiam da credibilidade do trabalho”, explicou Marcela Antonini, doutoranda da EERP e uma das autoras do artigo.
A ideia de criar o livro surgiu durante a elaboração da tese de doutorado de Elizabete na EERP em resposta aos dados identificados em sua dissertação de mestrado, quando a ex-aluna estudou a relação entre pessoas que vivem com o HIV e o aumento dos fatores de risco cardiovascular. O trabalho, inclusive, deu origem ao artigo Evaluation of cardiovascular risk factors in people living with HIV in São Paulo, Brazil, publicado na revista científica The Journal of Infection in Developing Countries. A partir de uma investigação realizada com pacientes do Estado de São Paulo, as pesquisadoras comprovaram que aqueles que vivem com o vírus estão mais suscetíveis a desenvolverem problemas cardíacos e identificaram a necessidade de estimular mudanças de comportamento nesse público como forma de prevenção. Todo esse cenário motivou a produção do e-book com o intuito de promover o autocuidado e complementar os esforços já realizados por equipes de saúde, empoderando o público-alvo para que ele cuide melhor do próprio corpo.
Pessoas com HIV e o risco cardiovascular
Uma vez que a pessoa está com HIV, o vírus gera uma reação inflamatória no organismo que favorece o surgimento de placas de gordura nos vasos sanguíneos, dificultando a chegada de sangue e oxigênio ao coração, o que eleva os riscos de infarto.
Além disso, os efeitos adversos de medicamentos adotados no tratamento da infecção também são um risco, mesmo que hoje em dia eles sejam menos agressivos. Alguns remédios geram dislipidemia, ou seja, aumento elevado de gorduras na corrente sanguínea, o que causa elevação do colesterol ruim, diminuição do colesterol bom, aumento de triglicerídeos, entre outras complicações que podem desencadear problemas cardiovasculares.
Soma-se a esses dois fatores que, inevitavelmente, aumentam os riscos de doenças cardiovasculares entre pessoas que vivem com HIV a questão comportamental, que é o principal foco do e-book produzido, voltado para auxiliar na transformação de costumes passíveis de modificação. Falta de exercícios, tabagismo, rotina inadequada, nível de estresse elevado e alimentação desbalanceada são hábitos que, se evitados, podem diminuir o risco de quem possui HIV desenvolver problemas no coração.
Vida normal, ativa e saudável
Hoje, devido ao avanço da ciência e da medicina, a infecção tornou-se uma condição clínica crônica que, embora ainda não tenha cura, não impede que quem possui o vírus tenha uma vida normal, ativa e saudável. Os tratamentos disponíveis atualmente são capazes de reduzir tanto a carga viral no corpo que ela pode até mesmo se tornar indetectável, permitindo que muitas pessoas vivam de forma assintomática e não transmitam o vírus.
No entanto, como o HIV sofre mutações rápidas e constantes, ele pode se instalar em locais do organismo onde não é identificado pelo sistema imune nem pelos medicamentos, motivo que explica a dificuldade em se descobrir a cura definitiva e/ou produzir uma vacina eficaz para combater o vírus. Além disso, é fundamental manter o acompanhamento constante da infecção para evitar que ela retorne ao seu estágio mais agressivo e gere novas complicações.
Orientados pela professora Renata Karina Reis, do Departamento de Enfermagem Fundamental da EERP, os estudos contaram com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Da Assessoria de Comunicação do RLAE
FONTE: Jornal da USP