Ainda que possa ser útil em alguns cenários, ao ser avaliado em cirurgias de correção cicatricial de pacientes com queimaduras graves, o material não apresentou benefícios significativos
Em um esforço para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com sequelas de queimaduras graves, um estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP avaliou o uso de matrizes dérmicas na cicatrização. Conduzido por pesquisadores na Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCFMRP), o estudo examinou como esses produtos poderiam beneficiar os pacientes e apontou que tais materiais não contribuem para melhorar a qualidade dessas cicatrizes após cirurgias de correção.
“As cicatrizes desses pacientes fazem com que eles tenham limitações de movimentação ou impossibilitam que eles façam alguma atividade do dia a dia, e até mesmo a parte estética pode incomodar”, diz Ivan Almeida, primeiro autor do estudo, que recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2023 na categoria de Clínica Cirúrgica. O tratamento convencional envolve cirurgias para liberar retrações cicatriciais, o que, por sua vez, cria novas feridas.
O enxerto de pele é frequentemente usado para reconstruir essas feridas, mas nem sempre oferece resultados ideais. Esse procedimento pode ser combinado com o uso de matrizes dérmicas, produto que gera uma derme artificial que serve como base para a aplicação do enxerto. “O nosso estudo objetivou avaliar produtos que poderiam fazer com que o paciente tivesse uma melhor qualidade de cicatrização, para ele ter uma melhor qualidade de vida após a cirurgia de correção cicatricial”, explica o pesquisador.
Da análise subjetiva, um avaliador, através da Escala de Cicatrização de Vancouver — ferramenta da área da saúde que dá nota para as qualidades de pigmentação, vascularização, flexibilidade e alturas das cicatrizes —, mediu os resultados da cicatrização pós-procedimento. Das análises objetivas, foram usados aparelhos para avaliar capacidades biomecânicas, como a elasticidade (chamado cutômetro) e rigidez das cicatrizes (denominado durômetro).
“Para a nossa surpresa, não houve uma diferença estatisticamente significativa entre os pacientes que utilizaram as matrizes e os pacientes que usaram somente o enxerto de pele”, constata Almeida.
Esse resultado destaca a importância de abordar a eficácia de produtos médicos caros em um contexto de sistema de saúde pública, já que as matrizes dérmicas são oferecidas pelo SUS. O valor médio do material pelo sistema público é de R$ 50 por centímetro quadrado. Uma matriz de 5cm x 5cm, que tem 25cm quadrados de área, por exemplo, custa cerca de R$ 1.250. Na medicina privada, esse valor costuma ser maior. Embora esses produtos possam ser benéficos em alguns cenários, o estudo demonstrou que, para avaliar a qualidade da cicatrização nos parâmetros específicos citados, eles não apresentaram benefícios significativos.
Descobertas como essa ajudam os médicos a tomar decisões informadas sobre o tratamento de pacientes com sequelas de queimaduras, considerando fatores como custo e eficácia. “Esses produtos são muito bem indicados e nos ajudam muito em casos complexos, mas o que mostramos nesse trabalho é que, especificamente para isso, não teve diferença.”
Pedro Coltro, professor da Divisão de Cirurgia Plástica da FMRP e orientador do trabalho, chama a atenção para a metodologia do estudo, que foi realizado com um grupo de pessoas em que cada uma apresentava a cicatriz em diferentes áreas do corpo. “É necessário avaliar quanto essas matrizes são benéficas de acordo com cada área, porque em algumas regiões verificamos uma resposta melhor, enquanto que em outras isso não foi identificado. Ao final, a comparação de todas as cicatrizes nos diferentes grupos não apresentou diferença significativa”, diz.
Apesar das variações entre os pacientes, o estudo ainda é forte e é o primeiro ensaio clínico que avaliou a qualidade de cicatrizes resultantes das cirurgias de correção de sequelas de queimaduras. “A vantagem é que este é um ensaio clínico randomizado e controlado, de alto nível de evidência. Nossos resultados não corroboram os benefícios que a indústria propaga como verdade, mas que para esse grupo específico de pacientes, nesses parâmetros analisados, não mostrou todas essas vantagens que a indústria coloca”, aponta Coltro.
O trabalho foi publicado em artigo disponível no Annals of Surgery.
Mais informações: e-mail psc@usp.br, com Pedro Coltro
*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
FONTE: Jornal da USP