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O papel dos cuidados paliativos para pessoas que chegam ao final da vida sem o devido bem-estar e dignidade é fundamental. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), das cerca de 56,8 milhões de pessoas que precisam de cuidados paliativos em todo o mundo, incluindo 25,7 milhões que estão no último ano de vida, apenas 14% são atendidas de forma a receberem tratamento que proporcionem melhoria na qualidade de vida do paciente, dos familiares e amigos próximos.
Considerar a morte um processo natural ainda é um tabu. No entanto, a medicina, alinhada a outros pilares como a psicologia e a espiritualidade, reconstroem essa cultura ao implementar os cuidados paliativos para proporcionar bem-estar de pacientes terminais ou com uma doença crônica potencialmente fatal.
A professora Marysia Prado De Carlo, do curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP explica que se trata de uma abordagem interprofissional para poder compreender os processos vividos pelos pacientes em todas as suas dimensões, sendo elas físicas, emocionais, sociais e espirituais.
Além disso, a especialista avalia que existe um equívoco sobre quando o cuidado paliativo deve ser aplicado e a quem. Segundo ela, a abordagem pode ser oferecida em qualquer etapa do desenvolvimento da doença. “Estudos internacionais têm mostrado que quanto mais precocemente for oferecido o cuidado paliativo melhor a resposta do paciente e melhores condições de vida ele vai ter enquanto houver vida”, explica.
A terapeuta defende que, desde o diagnóstico de uma doença potencialmente fatal, o portador tenha o acesso necessário a todo tipo de cuidado paliativo de modo a melhorar sua qualidade de vida, o seu bem-estar, o correto manejo da dor, dos sintomas e do sofrimento espiritual existencial. “Então é sempre importante destacar que o cuidado paliativo não é falar de morte o tempo todo, é falar de vida, de qualidade de vida”, pontua.
Segundo a OMS, os cuidados paliativos são necessários para uma ampla gama de doenças. As mais comuns entre os adultos são as doenças cardiovasculares (38,5%), o cancro (34%), as doenças respiratórias crônicas (10,3%), aids (5,7%) e diabete (4,6%).
Além disso, a organização aponta que muitas outras condições podem exigir cuidados paliativos, incluindo insuficiência renal, doença hepática crônica, esclerose múltipla, doença de Parkinson, artrite reumatoide, doença neurológica, demência, anomalias congênitas e tuberculose resistente a medicamentos.
Pilar essencial
Durante o recebimento dos cuidados paliativos a família do paciente exerce um papel fundamental e, para isso, essa rede de apoio também precisa ser cuidada pelos profissionais. “A família também sofre muito quando há um diagnóstico de uma doença potencialmente fatal, ela tem que ser cuidada também”, declara Marysia.
De acordo com a professora, os familiares do paciente participam da definição de todos os processos relacionados ao tratamento, desde as opções em relação ao que a pessoa deseja para o seu final de vida até o local de morte. “A família tem que ter um papel ativo nesse processo, não só para ajudar a pessoa adoecida a viver de uma forma melhor, como para ela ser acolhida dentro das próprias necessidades.”
Tratamentos clínicos
Por mais que a abordagem dos cuidados paliativos permita que os pacientes tenham maior qualidade de vida, bem-estar e alívio de sintomas, o médico generalista Vinicius Akio Suzuki destaca que isso não exclui os tratamentos clínicos. Para ele, é de extrema importância o entendimento de que se complementam. “Essa noção é fundamental para a quebra do principal paradigma que nos deparamos no dia a dia: a culpa e o abandono por parte da família”, reflete.
Diferentemente de outros países já desenvolvidos, os latino-americanos têm uma cultura própria de abordagem sobre valores de vida e sua terminalidade. “Quando o doente já está crítico e no leito de terapia intensiva, nos deparamos com a fragilidade dele e de muitas famílias também. Acolher as necessidades daqueles que estão de partida como também daqueles que ficam é fundamental para que tenhamos mais humanidade no mundo”, argumenta Suzuki.
“Dentro da perspectiva paliativa a estratégia terapêutica é importante, ter alicerces em seu pilar, mas as necessidades humanas acabam por ser muito mais complexas, tendo que lidar não somente com físico, mas também com mental, emocional, social e espiritual”, finaliza.
FONTE: Jornal da USP