Vivemos uma crise da saúde mental em escala global

A 1ª Semana de Saúde Mental da USP aconteceu do dia 15 ao 19 deste mês, sendo o dia 16 escolhido como o Dia da Saúde Mental da USP. A iniciativa coincide com o calendário nacional de celebração e luta em defesa da política de saúde mental brasileira. A programação completa pode ser encontrada no site da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP).

Iniciativa

“ Nós vivemos de fato uma crise da saúde mental em escala global. O cenário da pandemia trouxe agravamentos, mas é importante dizer que essa problemática em escala ampliada já vinha apresentando um crescimento pelo menos desde o início do século, com diferenças regionais importantes. O continente americano, o nosso país em especial, apresenta quadros mais acentuados do que o restante do planeta”, explica o professor Ricardo Teixeira, coordenador da área de Saúde Mental e Bem-Estar Social da PRIP.

Independentemente da pandemia ter sido um agravante, a questão da saúde mental precisa ser abordada, sobretudo nas universidades públicas brasileiras, como diz Teixeira: “A gente precisa falar também do cenário da universidade pública brasileira. A questão do sofrimento mental adquire contornos específicos, o que faz isso ganhar importância e sair de uma situação de ações isoladas, assumindo o caráter de uma política mais estruturada. No contexto da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, ela está alinhada também com as questões de permanência estudantil”.

Construção

A criação da Semana de Saúde Mental da USP mostra o compromisso com o assunto e também a intenção de manter uma regularidade na discussão: “A Semana de Saúde Mental na USP assina a importância do compromisso com a questão da saúde mental, incluindo ela no calendário. A ideia é que, regularmente a cada ano, voltemos a essa discussão. Ela foi organizada com o intuito de chamar atenção ao problema, reafirmar o compromisso com essa questão, convidar a universidade a refletir sobre essas questões e a ampliar o conhecimento sobre as políticas de saúde mental no nosso país”, comenta o professor. Existem pontos específicos no ambiente universitário, mas o contexto é mais amplo, ele envolve todo o País, e o ideal é aproximar o local com o nacional.

O especialista coloca que a construção da iniciativa visava a ser uma espécie de mostra sobre as diferentes práticas de cuidado, para que elas não fossem efêmeras, e sim políticas regulares: “Estamos num processo de construção dessa política. Evidentemente, desde que a PRIP foi criada, exatamente há um ano, procuramos responder a situações emergenciais, a lacunas importantes existentes em relação ao cuidado, mas nós permanecemos, em primeiro lugar, num processo de escuta da comunidade, dos diferentes grupos coletivos, procurando aprofundar também o diagnóstico”. Ele acrescenta: “Nós não partimos da ideia de que o entendimento dessa crise esteja completamente elucidado. Nós temos que ampliar o diagnóstico da situação na universidade, entender esse fenômeno e construir coletivamente uma política para o enfrentamento dessas questões”.

Cronograma

Teixeira explica que “a semana é uma oportunidade concentrada no tempo de uma reflexão que deve se dar de forma contínua para uma política de saúde mental para a comunidade”. São diversas iniciativas durante esses dias: desde filmes, palestras a práticas de cuidado com a saúde mental: “A programação é bastante extensa, ela é ofertada pela PRIP, mas também pelas unidades”, coloca o especialista.

Aproximar as políticas de saúde mental da Universidade com as do País, trazer o tema da pandemia para enfrentá-lo de forma mais direta e constante e ampliar o conhecimento e as oportunidades de experimentar práticas de cuidado com a saúde mental são três pontos fundamentais da iniciativa, segundo o coordenador. “Nós teremos que acionar vários dispositivos para indicar não só a multidimensionalidade da questão da saúde mental, mas que o seu enfrentamento também passe por práticas sociais no sentido da promoção de uma cultura do cuidado na Universidade de São Paulo”, complementa.

FONTE: Jornal da USP

Novo tratamento para osteoporose pode aumentar massa óssea em até 20%

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 10 milhões de pessoas convivem com a osteoporose no Brasil. Dessas, apenas 20% reconhecem a presença da doença em suas vidas. O dado apresentado revela a importância da discussão do tema, uma vez que, apesar de estar presente na vida de mulheres pós-menopausa com maior frequência, a osteoporose pode atingir outros grupos.

Novos tratamentos para combater a doença vêm sido desenvolvidos por grupos científicos, uma injeção que reduz a reabsorção óssea é um dos procedimentos mais recentes para a terapia e prevenção da osteoporose. Segundo Luciana Parente Seguro, reumatologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e do Laboratório de Investigação em Reumatologia, a busca pelo tratamento da osteoporose é uma questão de saúde pública.

Injeção

Os tratamentos para a osteoporose já existem e, na maioria das vezes, atuam nas células de reabsorção óssea, uma vez que esse processo contribui para o avanço da doença. Além disso, é interessante notar que grande parte deles precisam ser feitos com uma temporalidade regulada.

Uma injeção já conhecida, denominada Denosumabe, deve ser tomada a cada seis meses para controlar a reabsorção óssea. A nova injeção, no entanto, tem como objetivo aumentar a formação óssea em até 20% e é indicada para pacientes de alto risco. Os pacientes devem recebê-la mensalmente e, após um ano, o tratamento reabsorsivo deve ser iniciado.

Doença

Em primeiro lugar, é interessante notar que o gênero dos indivíduos apresenta relação com a osteoporose. Assim, ela se apresenta com maior frequência em mulheres, principalmente aquelas que se encontram na fase pós-menopausa, mas os homens também podem desenvolver a doença. Isso acontece, pois a redução da produção de estrogênio colabora com a diminuição da massa óssea.

O objetivo do tratamento da osteoporose é a prevenção de fraturas, que estão associadas com o aumento da mortalidade de alguns indivíduos. A professora comenta também sobre outros fatores de risco para o desenvolvimento da osteoporose, entre eles estão: o etilismo, o tabagismo, o peso abaixo do ideal e a ausência de uma rotina de exercícios físicos.

A fratura associada à osteoporose mais comum é a da coluna vertebral e está diretamente ligada à redução de altura dos indivíduos. “Evitar fraturas é importante, pois elas costumam acontecer mais de uma vez, assim, todo indivíduo que já sofreu uma, corre o risco de apresentá-la novamente”, explica Luciana.

Tratamento

É necessário entender que as medidas não farmacológicas apresentam influência tanto na prevenção quanto no tratamento. A especialista explica que existem alguns fatores de risco que são modificáveis e outros que não podem ser alterados (como a idade, por exemplo). Por esse motivo, a prevenção é baseada na ação em cima dos riscos modificáveis.

Entre os diversos caminhos que podem ser tomados para a prevenção e o tratamento da osteoporose estão: a presença de uma alimentação rica em cálcio, a manutenção da vitamina D com qualidade e a presença regular de atividades físicas. “O nosso osso é metabolicamente ativo e não apenas uma estrutura de sustentação, por isso, cuidar dele é tão importante para a saúde corporal”, completa a professora.

Doença de Alzheimer: onde estamos?

O Grupo de Estudos Rede Ciência, Arte, Educação e Sociedade (CienArtES) do Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP e o Programa de Pós-Graduação em Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, promovem no dia 11 de maio, a partir das 17h, a mesa-redonda Doença de Alzheimer: onde estamos? – Principais limitações e avanços clínico-científicos na luta contra essa demência.

Alzheimer

O evento é exclusivamente presencial e será realizado no Espaço de Eventos do IEA-RP. As inscrições são gratuitas e devem ser feitas neste link. Haverá envio de certificado para os participantes.

Os palestrantes serão a doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Neurociências da FMRP Suélen Santos Alves, o médico e professor do Centro Universitário Barão de Mauá Guilherme Riccioppo Rodrigues e a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP Gabriela Lima. A moderação é do coordenador do Grupo de Estudos Rede CienArtES, Norberto García-Cairasco.

Eles vão explicar a dificuldade em estabelecer um diagnóstico correto da doença, a evolução do quadro clínico com perda progressiva da funcionalidade, presença de sintomas neuropsiquiátricos, tratamento, sobrecarga do cuidador, apoio social e o avanço nas pesquisas científicas.

A doença de Alzheimer é uma desordem neurodegenerativa progressiva incurável e altamente debilitante, o que a torna um grave problema de saúde pública. Segundo estimativas da Alzheimer’s Disease International, sediada no Reino Unido, até 2030, 74,7 milhões de pessoas em todo o mundo serão portadoras dessa doença. No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam que 1,2 milhão de pessoas têm a doença e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano.

A mesa-redonda integra a programação atrelada à exposição 43 Anos de Neurociência & Arte: Construindo Pluriversos – Integrando Múltiplos Saberes, na qual o coordenador do Grupo de Estudos Rede CienArtES Norberto García-Cairasco apresenta pinturas, desenhos e esculturas que compõem um retrato resumido da vivência plena de seus 43 anos como educador e cientista na área da neurociência. A mostra pode ser visitada até 19 de maio no Espaço Cultural do IEA-RP. Mais informações neste link.

Sobre a Rede CienArtES

O Grupo de Estudos Rede Ciência, Arte, Educação e Sociedade  (CienArtES) tem como metas a realização de eventos, tais como simpósios (nacionais e internacionais), mesas-redondas, debates e eventos de divulgação científica que considerem, da maneira mais abrangente e democrática possível, os múltiplos saberes, os aspectos da ciência, da neurociência e fisiologia integrativas, associadas às artes, à filosofia, à história e a todos os aspectos da educação. Mais informações: rp.iea.usp.br/pesquisa/grupo-de-estudo/rede-cienartes.

FONTE: Jornal da USP

Sangue de porco e veneno de cobra em transplante de pulmão

Artigo publicado na “Science Advances” descreve técnica experimental que viabiliza transplante de pulmão com sistema de transfusão que utiliza sistema circulatório de um porco vivo e imunossupressor encontrado no veneno da cobra naja.

Em artigo publicado na revista Science Advances, pesquisadores da Vanderbilt University Medical Center, em Nashville, nos EUA, desenvolveram um novo método para aumentar a viabilidade do transplante de pulmão. Ao conectar o sistema circulatório de um porco vivo aos pulmões doados, com a ajuda de um imunossupressor encontrado no veneno da cobra naja, eles conseguiram quadruplicar o tempo de preservação do órgão fora do corpo humano.

De acordo com Flávio Galvão, cirurgião, pesquisador e professor associado ao Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FM) da USP, o transplante de pulmão é um procedimento delicado. Existe uma janela de apenas seis horas desde a remoção do órgão até o transplante, o que exige agilidade dos profissionais de saúde. “Essa pesquisa fez um achado interessante. Depois de um dia, eles viram que esse pulmão ainda estava muito bem preservado”, destaca o professor.

Galvão, que não participou da pesquisa, explica que o estudo internacional tentou criar um novo tipo de sistema de perfusão. Atualmente, esse trabalho é realizado por uma máquina que simula a circulação humana e pode auxiliar na preservação dos órgãos já removidos dos doadores. Porém, o cirurgião pontua que “ela [a máquina] tem um tamanho razoável, um peso razoável e encarece muito o transplante”, por isso, raramente é utilizada nesse processo.

Ao fazer uso do sistema circulatório de um suíno vivo no lugar da máquina, os pesquisadores conseguiram desenvolver um método potencialmente mais flexível e barato. Contudo, um dos maiores empecilhos dessa pesquisa é a rejeição hiperaguda, processo que leva a uma rápida degeneração dos órgãos e “acontece quando animais muito díspares são transplantados”, esclarece ele.

Para o especialista, o destaque do novo artigo foi o método pelo qual os pesquisadores contornaram esse problema. Foram utilizados diversos imunossupressores para evitar a degeneração do pulmão, incluindo uma substância encontrada no veneno da cobra naja. Segundo o professor, “esse veneno da cobra interfere justamente no sistema imunológico do corpo, evitando assim a rejeição hiperaguda”.

O estudo faz parte de um campo de pesquisa dedicado ao transplante de órgãos e tecidos de animais em seres humanos, o xenotransplante. Os procedimentos que envolvem essa técnica ainda se encontram em fase experimental e teoricamente podem agilizar consideravelmente o transplante de órgãos. Entretanto, Galvão informa que essa linha de pesquisa levanta uma série de problemas éticos e de segurança, incluindo “a possibilidade de o porco causar uma pandemia decorrente de viroses ligadas à sua própria genética”.

Em vista de tudo isso, o professor conclui que, embora esses procedimentos estejam em fase experimental, a doação de órgãos ainda é a única alternativa viável para salvar a vida dos pacientes que aguardam um transplante. “Um dos maiores gargalos do transplante é a carência de doadores de órgãos e isso, infelizmente, é um problema sério”, alerta.

FONTE: Jornal da USP

Exercícios de baixo impacto melhoram sono e reduzem os sintomas de pessoas com asma

Pensando em melhorar a qualidade do sono de pacientes com asma, uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) estudou os efeitos de exercícios físicos de baixo impacto para pessoas nesta condição. Os resultados apontam para uma melhora na qualidade e eficiência do sono e na redução dos sintomas de asma nos participantes.

O medo de se exercitar e ficar com falta de ar, o sobrepeso, a respiração oral, alergias e sintomas noturnos explicam por que pessoas asmáticas possuem tendência para problemas do sono. Entre as maiores dificuldades nessa população estão o tempo prolongado para adormecer e o baixo aproveitamento do sono, com despertares durante a noite e sonolência durante o dia.

Levando em conta esses fatores, “a pergunta que a pesquisa fez foi: será que algum aspecto da rotina, mais leve e mais factível, como aumentar a atividade física, poderia melhorar a qualidade do sono?”, diz Celso Carvalho, professor do Laboratório de Fisioterapia e Fisiologia do Exercício da FMUSP. Segundo o pesquisador, pessoas asmáticas evitam fazer exercícios físicos pois, feitos de forma inadequada, desencadeiam o fechamento da via aérea e falta de ar. No entanto a pesquisa, publicada na European Respiratory Journal, mostrou os benefícios de uma rotina de atividade física feita de forma adequada em pessoas asmáticas, sem obstruir as vias aéreas.

O estudo acompanhou por oito semanas dois grupos de pacientes asmáticos, com graus moderado e grave. Os pesquisadores deram uma aula sobre a patologia, a importância de exercícios físicos e controle de limpeza ambiental para todos os participantes e em seguida os separaram em grupo controle — aqueles que não fariam atividade física — e grupo intervenção.

As tarefas propostas para o grupo que passou por intervenção eram exercícios físicos simples, como caminhar mais, descer do ônibus um ponto antes, usar a escada ao invés do elevador. Os números de passos diários foram monitorados com um relógio distribuído aos pacientes, o que possibilitou a análise da evolução individual. Os voluntários também descreveram, semanalmente, os sintomas de asma que tiveram durante a pesquisa.

“Observamos que a qualidade de vida deles melhorou em relação, por exemplo, aos sintomas de ansiedade, houve a diminuição do tempo de latência desses pacientes, então eles conseguiram dormir mais rápido, e melhorou a qualidade do sono deles”, diz Natália Febrini, uma das autoras do estudo.

“Todos eles melhoraram de alguma maneira. Quem dormia muito mal passou a ter alguns pequenos problemas, e quem tinha alguns pequenos problemas deixou de ter problemas para dormir.” Celso Carvalho

Também houve diminuição de todos os sintomas de asma dos pacientes. “Quando a pessoa asmática faz exercício físico, melhora a inflamação das vias aéreas e diminui a hiper-reatividade [resposta exagerada a estímulos], o que possibilita o melhor controle clínico da asma”, explica Carvalho. Mas os pesquisadores ressaltam que os resultados não significam que a atividade física cure a doença ou que substitua a medicação — o próprio estudo não cortou os remédios usados pelos pacientes —, e sim, funciona como um adicional para o tratamento e melhoria da qualidade de vida.

Além do aumento da aptidão física, o exercício gasta energia e o organismo tende a compensar isso durante a noite; também o aquecimento do corpo produzido pela atividade embala um sono mais bem aproveitado. Até mesmo para pessoas não asmáticas, implementar exercícios físicos de baixo impacto já produz resultados positivos na saúde dos indivíduos. “Após exercício físico, o organismo sempre ativa o sistema nervoso parassimpático, envolvido na diminuição da frequência cardíaca, e isso provoca a tendência de dormir mais rápido.”

A parte educacional do estudo também fez diferença no dia a dia dos dois grupos. Segundo os pesquisadores, alguns dos participantes da pesquisa não entendiam direito o que era asma ou sobre as reações alérgicas a cheiros comuns, como cigarro ou produtos de limpeza, que eram derivados da patologia. Ao entender melhor sobre a doença e a importância de exercícios físicos, os pacientes podem melhorar a qualidade de vida.

“É uma doença sem cura, mas é possível ter uma vida completamente normal. É necessário entender que a doença é algo que vai te acompanhar, mas que não deve te limitar a viver.” Natália Febrini

Mais informações: e-mail natalia.passos@fm.usp.br, com Natália Febrini.

FONTE: Jornal da USP

Saiba como funciona a memória muscular

“Quando a gente fala de memória muscular, nós estamos nos referindo a alterações que acontecem diretamente nas fibras musculares mediante o treinamento que é realizado. Se você pratica algum tipo de atividade física, as suas fibras musculares vão ser transformadas devido ao treinamento. Se você parar de realizar esse treinamento, a tendência é que suas fibras musculares se transformem novamente e voltem a ser parecidas com aquilo que elas eram antes. Entretanto, se você volta para um período de treinamento, elas, por já terem tido uma experiência prévia, têm uma facilidade de ganhar novamente aquela transformação inicial porque elas guardam essa memória de alguma vez já terem sido transformadas”, explica a fisioterapeuta Andrea Peterson Zomignani, doutora em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da USP.

Essa explicação é tida, no senso comum, como a ideia do que é a memória muscular: a modificação nos músculos que faz lembrar de como realizar aquele movimento. Entretanto, Andrea acrescenta que ela é muito mais do que isso: “Para que um movimento se torne automático, ele precisa ser executado repetidas vezes sob vários contextos. O indivíduo tem que registrar os erros que aconteceram para que o sistema nervoso registre as sequências de neurônios que tiveram mais sucessos para que esse movimento acontecesse. Então, quando eu realizo um movimento pela primeira vez ou nas primeiras vezes, eu tenho uma exigência bastante grande de várias áreas do meu sistema nervoso. A partir disso são ativadas áreas do meu cérebro, do meu córtex cerebral, relacionadas a essa intenção e elas conversam com outras áreas solicitando alguma ajuda para que esse movimento seja planejado”.

Processo da memória muscular

Por mais que a modificação das fibras musculares seja importante para o movimento automatizado, é o sistema nervoso e os seus componentes que estão nos bastidores. “É uma memória que, embora aja no sentido de causar contrações musculares, ela é guardada dentro do sistema nervoso e esses músculos só são acionados porque o sistema nervoso é capaz de gerenciar essa ativação muscular numa determinada ordem. Estamos falando da automatização de movimentos”, diz a fisioterapeuta.

Os núcleos da base, conforme Andrea, são fundamentais na automatização. Eles são estruturas encontradas na substância branca do cérebro e têm a função de modular os movimentos do corpo: “Uma das áreas que são solicitadas para que haja o sequenciamento ideal para esse movimento são os núcleos da base. Eles vão ser recrutados para que o planejamento adequado e, principalmente, a iniciação do movimento aconteça. Eles processam a informação que chegou até eles e devolvem essa ‘receita’ de como o movimento deve ser realizado para o córtex cerebral que vai fazer a conexão com as áreas de execução do movimento. A ordem que essas áreas são ativadas é muito importante para que o movimento aconteça da maneira correta e para que o indivíduo tenha sucesso na ação que ele vai realizar”.

Entretanto, eles não estão sozinhos e se juntam aos engramas. “Para que o movimento automático aconteça, o sistema nervoso, especialmente a região dos núcleos da base, participa bastante desse processo de construção do que a gente chama de engramas. Eles são sequências de ativação de redes neurais que ativarão, consequentemente, determinados músculos para que uma ação motora aconteça. Então, a construção desses engramas é essencial para que a gente consiga automatizar essas atividades que fazem parte da nossa rotina”, explica Andrea.

Exemplos de memória muscular

Tudo isso é realizado para destinar a consciência para problemas mais importantes enquanto o corpo realiza a ação motora automatizada, além de economizar energia, já que uma sequência nervosa mais rápida será escolhida para o movimento em questão: “O nosso processamento consciente tem um gasto energético bastante grande e a nossa consciência precisa estar direcionada a algumas ações específicas, que muitas vezes não estão relacionadas ao movimento”, diz a especialista.

Por exemplo, é comum se distrair e pegar um caminho corriqueiro quando se dirige, já que, provavelmente, os pensamentos estavam destinados a outros assuntos. “Isso que a gente chama de realizar ações sem um processamento consciente é como se o nosso sistema nervoso, com as repetições, fosse fazendo uma depuração do ato motor, retirando conexões que não são importantes para a execução daquela determinada tarefa”, completa a especialista.

“Quando a gente fala da capacidade de andar, a gente tem algumas regiões do sistema nervoso envolvidas. Esse movimento de mexer os membros inferiores precisa estar mais automatizado, porque os meus níveis superiores de consciência precisam estar preocupados com outras ações que não o movimento das minhas pernas. Então, a minha atenção, por exemplo, precisa estar direcionada para o objetivo daquela marcha: para onde eu estou indo, qual velocidade eu preciso ter na minha marcha, qual o horário – eu estou em cima da hora, eu estou atrasada ou não?; eu estou entrando no prédio do meu trabalho, qual é o andar que eu trabalho? Ou seja, as áreas do meu sistema nervoso ligadas a esse processamento mais consciente estão como que ocupadas com outras funções: elas estão preocupadas com o contexto, mas não são a ação motora de fato”, acrescenta a fisioterapeuta.

FONTE: Jornal da USP

Profissionais da saúde que trabalham à noite têm risco aumentado para sobrepeso e obesidade

Os mecanismos que ligam o trabalho por turnos à obesidade ainda não são totalmente compreendidos. No entanto, as alterações comportamentais causadas por esse tipo de trabalho estão associadas ao desequilíbrio metabólico, levando ao ganho de peso e obesidade.

O trabalho noturno ou em escala rotativa (12×36) traz repercussões negativas à vida dos profissionais da área da saúde, sobretudo aos enfermeiros que formam a maior parte dessa categoria. Uma pesquisa da USP mostra que jornadas de trabalho irregulares e prolongadas são fatores de risco para aumento da obesidade e do sobrepeso. O estudo também apontou os elementos envolvidos nessa condição: a privação do sono, o sedentarismo e a má alimentação.

“A privação ou a falta de rotina do sono ao qual esses profissionais são submetidos pode levá-los a ter uma disfunção do ciclo circadiano, que é a desregulação do ritmo com que o organismo realiza suas funções ao longo do dia. Ao amanhecer, a claridade estimula a liberação do cortisol, hormônio que nos deixa despertos; ao anoitecer, o escuro induz a produção da melatonina, que nos leva ao sono e ao relaxamento”, explica ao Jornal da USP Maria Gabriela Tavares Amaro, aluna do curso de medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP e autora da pesquisa de iniciação científica.

O médico endocrinologista Carlos Antonio Negrato, orientador da pesquisa e professor do curso de medicina da FOB, explica que a obesidade é multifatorial (possui aspectos genéticos, metabólicos, sociais, psicológicos e ambientais) e é considerada um dos mais graves problemas de saúde pública do mundo. Pessoas com o Índice de Massa Corporal (IMC) elevado (igual ou maior que 25 para sobrepeso, e igual ou maior que 30 para obesidade) são mais propensas a comorbidades como doenças cardiovasculares, dislipidemia (colesterol e triglicérides altos), distúrbios respiratórios e musculoesqueléticos, demência, diabetes mellitus tipo 2 e alguns tipos de câncer. O IMC é calculado dividindo o peso da pessoa (em quilos) pela altura (em metros) ao quadrado. Segundo Negrato, a pesquisa revisional procurou detectar um dos possíveis fatores ambientais envolvidos na gênese da obesidade.

De acordo com dados da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), no Brasil, a ocorrência da obesidade aumentou cerca de 72% nos últimos treze anos, saindo de 11,8%, em 2006, para 20%, em 2019. Estima-se que, em 2025, em todo o mundo, deverá haver 2,3 bilhões de adultos acima do peso, sendo 700 milhões de pessoas obesas, com IMC acima de 30.

Desequilíbrio metabólico

A pesquisa foi realizada a partir de uma revisão de literatura de artigos científicos acerca do tema e analisados por pesquisadores da FOB. Os resultados encontrados foram relatados no artigo Prevalence of overweight and obesity among health professionals with shift work schedules: A scoping review, publicado em fevereiro de 2023 na The Journal of Biological and Medical Rhythm Research.

Segundo o estudo, os mecanismos que ligam o trabalho por turnos à obesidade ainda não são totalmente compreendidos. No entanto, as alterações comportamentais causadas por esse tipo de trabalho – como privação do sono, sedentarismo, exposição à luz artificial, horários irregulares das refeições, dessincronização do ciclo circadiano e outros hábitos não saudáveis – estão associadas ao desequilíbrio metabólico, levando ao ganho de peso e obesidade.

“Ter o conhecimento de que o trabalho exercido em turnos pode levar à obesidade nos faz pensar em meios que possam amenizar o impacto desse problema, propondo às empresas e funcionários o desenvolvimento de programas de cuidados e de qualidade de vida, como a conscientização e reeducação alimentar e a inclusão de atividade física dentro e fora do ambiente de trabalho”, diz Maria Gabriela.

Leptina e grelina: hormônios da saciedade e da fome

O professor Negrato explica “que toda pessoa exposta a longos períodos de vigília ou submetida a trabalhos com horários em turnos alternados pode apresentar alterações no funcionamento do eixo hipotálamo-hipófisário”. Segundo Maria Gabriela, “o hipotálamo coordena a maior parte das funções endócrinas, exercendo ação direta sobre a hipófise e indireta sobre outras glândulas, como adrenais, que produzem, entre outros hormônios, o cortisol, que nos deixa despertos e sem sono durante o dia”, diz.

“Ainda nessa condição de privação de sono, também há a desregulação no funcionamento de hormônios ligados à fome e à saciedade, chamados leptina e grelina, que atuam de forma antagônica no controle do apetite. A grelina estimula a fome e a leptina, a saciedade”, diz Gabriela. Alguns estudos experimentais mostram que a redução das horas de sono leva à diminuição dos níveis de leptina e, de maneira inversa, aumenta os níveis de grelina, o hormônio produzido predominantemente no estômago e está relacionado com a maior ingestão alimentar.

Negrato explica que, em geral, as pessoas que apresentam alterações do apetite têm a tendência a se alimentar com ultraprocessados, com alto teor calórico, e em maior quantidade. Elas também praticam menos atividade física, possuem maiores taxas de tabagismo e são frequentemente mais estressadas.

Análise dos estudos

Após análise criteriosa de mais de 700 artigos publicados em todo o mundo relativos ao tema, os pesquisadores selecionaram 20 que demonstravam responder à pergunta: Qual seria a prevalência de sobrepeso e obesidade entre profissionais de saúde com escala de trabalho em turnos? Os textos selecionados tinham sido publicados nos últimos seis anos em periódicos dos continentes europeu, asiático, americano e Oceania, sendo o Brasil com o maior número de publicações, com seis estudos (30% do total).

Os artigos abordaram a prevalência de obesidade e sobrepeso entre profissionais da área da saúde que exerciam suas atividades em turnos variados: diurno, noturno, vespertino e horários irregulares e rotativos (12 por 36 horas), escala considerada mais comum na jornada de trabalho de enfermeiros. O perfil dos profissionais investigados nos artigos era de pessoas do sexo feminino, enfermeiras e idade entre 33 e 55 anos. A maioria dos estudos utilizou o IMC para avaliar o sobrepeso e a obesidade dos candidatos.

Resultados

Dos 20 artigos analisados, 18 mostraram maior incidência de sobrepeso e obesidade entre os profissionais da área da saúde. Além disso, a prevalência de sobrepeso e obesidade cresceu significativamente com o aumento da duração do turno de trabalho, do número de noites e de horas trabalhadas por semana.

Os achados dessa pesquisa apontam para a necessidade do desenvolvimento e implementação de políticas de saúde que visem reduzir a exposição excessiva desses profissionais aos horários de plantão e estimular mudanças mais saudáveis e duradouras em seus estilos de vida, tanto no ambiente de trabalho quanto fora dele, conclui o professor Negrato.

Mais informações: com o professor Carlos Antônio Negrato, e-mail carlosnegrato@uol.com.br ou com a Maria Gabriela Tavares Amaro e-mail maria.amaro@usp.br

FONTE: Jornal da USP

Deixar de fumar pode aumentar a qualidade de vida de hipertensos

O tabagismo é o responsável pela morte de mais de 8 milhões de pessoas anualmente. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), quase 1,1 bilhão de fumantes do mundo vivem em países de baixa e média renda e o fumo passivo é tão perigoso para a saúde quanto a exposição ativa ao cigarro.

Um estudo do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas aponta que parar de fumar pode reduzir a pressão arterial de hipertensos em apenas 12 semanas. Pesquisadores avaliaram cerca de 360 pessoas, sendo 113 hipertensos. Segundo Jacqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo em Cardiologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade Medicina da USP, o estudo concluiu que o indivíduo hipertenso que abandona o tabagismo apresenta maior qualidade de vida.

Estudo

Para a compreensão do estudo é necessário entender que o tabagismo não é uma causa direta da hipertensão arterial. Contudo, é possível notar que o sujeito hipertenso, quando deixa de fumar, apresenta melhor nível de pressão arterial. “Existem pouquíssimos estudos que avaliam e acompanham o fumante ao longo do tempo. Parar de fumar é uma questão difícil, apenas dizer que o cigarro faz mal não faz com que as pessoas deixem de fumar”, explica Jacqueline.

Ela reforça que o estudo em questão comprovou que o paciente que realiza um tratamento para a hipertensão e deixa de fumar apresenta uma queda de 10 mm na pressão arterial. Segundo Jacqueline, “o paciente chega mais perto da meta de tratamento sem precisar adicionar mais um medicamento, ação que é realizada na maioria dos casos”.

Para a regulação da hipertensão arterial, o ideal seria uma pressão arterial diastólica menor que 85 mmHg e sistólica menor que 130 mmHg. “Quando estamos tratando um paciente que tem pressão alta, nós tentamos nos aproximar desses valores”, reforça a especialista. Jacqueline comenta também que, contrário à crença popular, o problema não é resolvido apenas por meio de medicamentos, mas é também necessário prevenir problemas futuros.

Tratamento 

Além disso, é necessário entender que parar de fumar não é apenas uma decisão, mas um processo para quem é viciado. A médica explica que são aplicadas técnicas comportamentais para a redução do consumo para indivíduos que desejam abandonar o tabagismo. Uma delas é a “técnica do castigo”, que consiste em pedir para que o paciente escolha uma área distanciada para fumar e que realize o consumo olhando para a parede. “Pedimos isso para que o ato de fumar qualifique-se apenas como uma necessidade química.”

Juntamente à medicação adequada, o método possui 70% de adesão e permite que o paciente deixe de fumar de forma adequada e confortável. Assim, o estudo aponta ganhos relevantes para a solução da questão.

FONTE: Jornal da USP

Check-up em excesso em crianças pode não fazer bem

Pedir por exames de rotina, os famosos check-ups, é normal em qualquer ida ao médico. Porém, essa prática é perigosa e não faz parte da rotina quando o assunto é a saúde da criança e do adolescente. Há, atualmente, um aumento no pedido de exames laboratoriais para crianças, bem mais do que o necessário. Diferentemente dos adultos, expor as crianças à radiação ou às triagens desnecessárias é algo a ser muito bem avaliado.

“Cada vez mais se nota crianças saudáveis ou crianças com problemas específicos. Eu vejo, por exemplo, crianças alérgicas que, além dos exames necessários para explorar essa questão e melhor tratá-la, um número enorme de outros exames é pedido”, diz a professora Magda Carneiro-Sampaio, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas.

Ela explica que o check-up da criança já está bem definido. É necessário checar o crescimento físico, desenvolvimento neuropsicossocial, escolaridade, alimentação, entre outros fatores. Primeiro se conversa com os pais, depois se examina, diz a médica. O que acontece é que crianças normais e saudáveis são submetidas a mais exames do que realmente é necessário, o que não traz nenhum benefício. “Médico bom não é médico que pede uma lista interminável de exames. O bom médico é aquele que conversa, que procura entender de fato o que está acontecendo, que continua a pensar em hipóteses a partir do que observa no exame físico e, se necessário, vai pedir alguns exames, chamados de complementares”, lembra Magda.

Quando os exames devem ser feitos?

O atendimento à criança é longitudinal e o ideal é acompanhar a criança desde a sua gestação. Todo o acompanhamento é muito baseado na conversa com a família e na promoção de um estilo de vida saudável.  “Existem poucos exames que têm evidências que trazem benefícios tanto para o indivíduo quanto para a sociedade”, alerta a médica Filumena Maria da Silva Gomes, pediatra em desenvolvimento infantil do instituto e dedicada à atenção primária.

Isso não inclui as triagens durante a gestação, lembra Filumena: “Teoricamente, todas as crianças nascidas no Brasil deveriam ser submetidas à triagem neonatal das principais doenças que existem na população”. Exames de tipagem sanguínea, sorologia para identificação de doenças sexualmente transmitidas, teste do pezinho, triagem metabólica, entre outros, são muito importantes.

Em crianças saudáveis, o que é recomendado é: depois dessa triagem neonatal, a próxima triagem é a de anemia, deficiência de ferro e, depois, apenas aos 10 anos de idade, para achar colesterol e triglicérides. Exames além desses não têm justificativa para serem pedidos. As outras triagens são em grupos de risco, como o raquitismo na prematuridade, crianças portadoras de doenças crônicas, síndrome de Down (problemas de tireoide).

“Não temos tantas triagens para justificar essa quantidade de check-ups de exames feitos, que acabam encarecendo os custos das famílias e da sociedade”, diz Filumena. Os pais precisam conversar com os médicos e questionar o tanto de exames pedidos. Como diz Magda: “A conversa, que a gente chama de anamnese, é importantíssima, porque o pediatra é um educador”. Ele é responsável por orientar hábitos saudáveis, conferir se há distúrbios, problemas de comportamento.

“O pediatra tem um papel enorme, um papel para a vida toda”, diz a professora. O temor é que esses exames de rotina substituam os exames complementares, e que isso acabe influenciando no diagnóstico de doenças ou distúrbios mais graves e específicos. Outro problema é a falta de contato próximo entre as famílias e o profissional de pediatria e o não estabelecimento de uma relação de confiança.

 A melhor recomendação 

“O acompanhamento da criança é sempre baseado num tripé de estilo de vida saudável”, diz Filumena. O acompanhamento médico tem que estar voltado a isso: como ela se alimenta, como ela se exercita e como é o seu sono.  A maioria das complicações em crianças tem origem viral, mas se elas têm um estilo de vida saudável, o próprio organismo vai resolver, diz a médica. Os exames laboratoriais vão ser necessários nas complicações, em situações excepcionais. “Com estilo de vida saudável, a maioria das crianças vai bem, usa poucos medicamentos e raramente vai precisar de exames laboratoriais ou radiológicos”, diz.

Filumena alerta que “não é a rotina do pediatra precisar fazer exames. Como eu falei, as triagens são muito poucas – quando nasce, um ano, 10 anos – e outras triagens, só se a criança tiver alguma questão pessoal, algum problema de saúde específico. Rotina é pouco exame mesmo”.

Fonte: Jornal da USP

Você sabe o que é a doença dos telômeros?

Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP descobriram efeitos importantes no sistema imunológico da doença dos telômeros, que afeta os cromossomos e interfere na multiplicação das células, lesiona o fígado e a medula óssea. Experimentos com animais mostraram que a doença leva um tipo de células de defesa do corpo, os macrófagos, a produzirem uma resposta inflamatória desregulada. Ao mesmo tempo, testes com pacientes revelaram um desequilíbrio na proporção de alguns tipos de linfócitos, células que coordenam e desencadeiam a resposta imune. Os resultados do estudo, descrito em artigo da revista científica Blood, abrem caminho para entender como a doença dos telômeros age nas células imunes e evitar no futuro o desenvolvimento de complicações no organismo.

“Os telômeros formam as pontas dos cromossomos e servem para proteger o DNA das células, funcionando também como ‘relógio biológico’. Eles encurtam naturalmente com a divisão celular, e quando ficam muito curtos, a célula morre ou entra em senescência, isto é, para de se multiplicar”, explica ao Jornal da USP o pesquisador Willian Robert Gomes, doutorando da FMRP e primeiro autor do artigo. “Alguns tipos celulares, como as células-tronco, precisam se multiplicar constantemente e, por isso, produzem a enzima telomerase, que restabelece o comprimento dos telômeros e evita seu desgaste.”

Nas doenças dos telômeros, chamadas de telomeropatias, a telomerase é disfuncional e esse encurtamento ocorre muito mais rápido. “As células perdem a capacidade de funcionar e se multiplicar corretamente”, observa Gomes. “As manifestações que requerem mais atenção são falência de medula óssea, quando ela deixa de produzir as células do sangue de forma adequada, e fibrose dos pulmões e do fígado.”

Segundo o pesquisador, células-tronco da medula óssea se dividem constantemente para produzir as células do sangue. “Por isso é essencial que o comprimento de seus telômeros seja sempre mantido pela telomerase”, enfatiza. “Nas telomeropatias, estas células-tronco param de se replicar ou se replicam muito lentamente, e assim, a medula não produz um número suficiente de células sanguíneas.

Inflamação anormal

Estudos em camundongos com lesões induzidas no fígado mostraram que os macrófagos, células do sangue instaladas nos tecidos com função de defesa, respondem a estímulos inflamatórios de maneira anormal quando os genes da telomerase são “deletados”. “Também vimos que os pacientes com telomeropatias possuem um desequilíbrio nas proporções dos subtipos de linfócitos Th1, Th2e Th17”, aponta Gomes. Os linfócitos são células que desencadeiam e controlam a resposta imune do organismo, reconhecendo ameaças e produzindo anticorpos. “Ainda precisamos estudar mais a fundo a relação entre essas alterações e o desenvolvimento da fibrose, mas sabemos que essas células têm papel fundamental nas respostas fibróticas.”

 

Os linfócitos T são células com funções imunológicas de efetuação de respostas antivirais. Os linfócitos naïve correspondem ao grupo de células B ou células T maduras provindas de órgãos linfoides que nunca encontraram um antígeno diferente – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

 

De acordo com o pesquisador, o estudo descobriu ainda que os pacientes possuem alterações semelhantes às encontradas em imunodeficiências congênitas. “Entre elas, está o baixo número de linfócitos naïve, responsáveis pela resposta a novos patógenos, como vírus e bactérias”, destaca. “Outros subtipos estão proporcionalmente reduzidos ou aumentados, o que sugere que o sistema imune dos pacientes tem características diferentes das pessoas saudáveis.”

“Se encontrarmos qual a relação entre as alterações imunes e o desenvolvimento das complicações que ocorrem nas doenças dos telômeros, poderemos encontrar maneiras de evitar ou reduzir o aparecimento desses problemas”, salienta Gomes. “No entanto, ainda é preciso investigar mais a fundo o papel que estas células imunes têm na doença.”

A pesquisa foi orientada pelo professor Rodrigo Calado, da FMRP. O artigo baseado no estudo, Immune Dysregulation in Human Telomere Diseases, foi publicado na revista científica Blood, editada pela American Society Of Hematology, dos Estados Unidos.

Mais informações: e-mail williangomes@usp.br, com Willian Robert Gomes

FONTE: Jornal da USP