O livro “Você Aguenta Ser Feliz?: Como Cuidar da Saúde Mental e Física para Ter Qualidade de Vida” traz luz a como é simples vencer as dificuldades e melhorar a saúde mental.
A pandemia, dentre outras coisas, lançou luz sobre a saúde mental. Hoje, a OMS (Organização Mundial da Saúde) entende que a saúde mental é o maior fator de preocupação de saúde do mundo e que, contrário à crença popular, não só aqueles com quadro de doenças mentais são os afetados. A saúde mental é, antes de qualquer coisa, ligada à qualidade de vida.
“A saúde mental era considerada a ausência de doença mental”, diz Arthur Guerra, médico do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Grea, programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
Manter a saúde mental em bom estado é ter um bom estilo de vida, conseguir viver bem com você e com as pessoas ao redor. O médico explica que um indicativo disso é conseguir superar as dificuldades da vida, impostas diariamente, de forma a não consumir o indivíduo mentalmente. “Todo mundo acaba tendo um problema ou outro de saúde mental. Muitas vezes, esse problema é negligenciado, escondido. E se nós não o abordarmos, ele só tende a ficar pior”, explica o psiquiatra.
De paciente a coautor
Não importa a classe ou posição social, muito menos ter ou não ter algo, porque todos podem sofrer de uma saúde mental pobre. O livro Você Aguenta Ser Feliz?: Como Cuidar da Saúde Mental e Física para Ter Qualidade de Vida, trata exatamente desse ponto. A parceria entre os coautores, o psiquiatra Guerra, e seu paciente, o publicitário Nizan Guanaes, começou a partir de uma sessão.
Esse paciente tinha tudo: satisfação com a profissão, um bom casamento, filhos bem encaminhados. “Mas faltava como se fosse o orégano na pizza”, lembra Guerra. Ele, então, perguntou a esse paciente se ele aguentava ser feliz. Guanaes, que escreve quinzenalmente para a Folha de S. Paulo, pegou essa frase e fez uma coluna de grande sucesso.
A partir daí, surgiu a ideia do livro: dividir com os outros uma maneira de melhorar a saúde mental de uma forma simples e econômica, e que pode ser feita de qualquer lugar. Os autores mostram que é possível reconstruir a vida a partir de uma boa qualidade de vida, baseada em exercícios físicos, uma boa noite de sono, entre outros. Autoconhecimento é autodisciplina, chave para uma vida feliz.
Esse assunto é especialmente importante quando levada em conta a conjuntura atual: “Nós nunca vimos no mundo todo essa explosão de quadros compulsivos”, diz. Cada vez mais os vícios e compulsões ocupam uma parte importante e central na vida das pessoas e, visto a evolução do digital, isso evoluiu.
Sociedade moderna
Guerra explica que antes os vícios eram bem delimitados, como quadros de compulsão alimentar, alcoolismo e uso de drogas. Atualmente, as pessoas não conseguem ficar longe do celular e desenvolveram uma compulsão com as redes sociais: “Você é considerado mais importante se você tem mais seguidores”. Existe uma necessidade de viver no digital e contar apenas as coisas boas, o que não é verdade. Cria-se um ambiente de aparências e não de realidade.
Essa digitalização levou a uma busca por prazeres rápidos: abuso de álcool por aqueles que não são alcoólatras, uso de drogas sintéticas, descompasso na alimentação (comer por hábito ou por conta da ansiedade), compulsão sexual mesmo sem prazer (o prazer está na conquista). As pessoas cada vez querem mais, não importa o quanto elas já tenham. “Esse é o mundo em que nós vivemos, claramente compulsivo”, salienta o psiquiatra.
Para vencer isso, um bom remédio é o esporte. A atividade física pode servir de tratamento, porque ela promove não só a saúde física, como ajuda numa alimentação mais balanceada, na disciplina, gera sensação de bem-estar e os pensamentos negativos ficam menos proeminentes, além de aumentar a autoestima. Para o médico, “o esporte é uma ferramenta essencial”.
“Você dormir bem, viver bem, dar risada, ter respeito com seu parceiro ou com a sua parceira e poder ter um propósito para sua vida. Falar ‘eu quero chegar lá’ é um desafio que todos nós temos e a felicidade está logo ali, não está longe. Mas precisa de disciplina para poder alcançá-la”, finaliza o psiquiatra.
Pacientes acometidos de doenças consideradas graves pela legislação brasileira possuem alguns direitos e garantias especiais que, de alguma forma, buscam aliviar o sofrimento do paciente em questão.
O câncer (neoplasia maligna) é uma dessas doenças. Vamos te mostrar, de forma simples, como adquirir os principais diretos (FGTS, PIS/PASES e AUXÍLIO-DOENÇA) da forma mais objetiva possível, pois sabemos que seu tempo é precioso.
O primeiro passo
Organize uma pasta com diversos documentos (inclusive os laudos comprovando diagnóstico com CID) para tê-los facilmente em mãos quando necessário. Isso vai facilitar bastante sua jornada para adquirir seus direitos.
1 – FGTS
É previsto por lei que pacientes com câncer possam fazer saque de seu FGTS. Também é possível sacar ao comprovar ser responsável por um dependente com a patologia.
A solicitação pode ser feita em qualquer Caixa Econômica Federal (CEF) e, após validação dos documentos, o dinheiro é liberado no prazo de cinco dias úteis, a partir da solicitação.
O que levar quando for solicitar (via original e cópia):
Carteira de Trabalho ou documento de identificação do trabalhador ou diretor não empregado
PIS/PASEP ou Inscrição de Contribuinte Individual junto ao INSS
Atestado médico com validade de 30 dias, contendo as seguintes informações:
– Diagnóstico expresso da doença
– Estágio clínico atual da doença/paciente
– CID – Classificação Internacional de Doenças.
– Data, nome, carimbo e CRM do médico com a devida assinatura
Cópia do laudo do exame histopatológico ou anatomopatológico que serviu de base para a elaboração do atestado médico
Comprovante de dependência, no caso de saque para o dependente do titular da conta acometida por neoplasia maligna (câncer)
Atestado de óbito do dependente, caso este tenha vindo a falecer em consequência da doença
2 – PIS/ PASEP
Se você possuir saldo no Fundo PIS/PASEP, você tem direito a sacar e o dinheiro é liberado em até cinco dias úteis.
Como saber se tem saldo?
Se você for trabalhador da iniciativa privada, procure a Caixa Econômica Federal e informe-se sobre saldos.
Se você for servidor público, procure pelo Banco do Brasil e informe-se sobre saldos.
Para solicitação, tenha os documentos já citados para o saque do FGTS e vá até uma Caixa Econômica Federal ou Banco do Brasil.
3 – Auxílio-doença
Ao ficar incapacitado de trabalhar em virtude da doença por mais de 15 dias, é seu direito receber auxílio-doença.
O auxílio-doença é garantido depois da confirmação da patologia pela perícia médica realizada pela Previdência Social.
Dirigir-se a uma agência de Previdência Social com os documentos requeridos:
Carteira de Trabalho original ou documentos que comprovem a contribuição à Previdência Social
Número de Identificação do Trabalhador – NIT (PIS/Pasep)
Relatório médico original com as seguintes informações: diagnóstico da doença, histórico clínico do paciente, CID (Classificação Internacional de Doenças), eventuais sequelas provocadas pela doença, justificativa da incapacidade temporária para o trabalho. O relatório deve conter data, assinatura, carimbo e CRM do médico
A disfunção cognitiva pós-operatória (DCPO) é uma condição que costuma afetar pós-operatório de idosos submetidos a cirurgias sob anestesia geral. Caracteriza-se usualmente por prejuízos à memória e à concentração que podem ser temporários ou tornarem-se permanentes e incapacitantes. O problema tem se tornado cada vez mais frequente, tanto em função do envelhecimento da população como do aumento no número de procedimentos cirúrgicos em idosos propiciado pelo avanço nas tecnologias médicas. Dados da literatura científica sugerem que os casos anestésico-cirúrgicos que evoluem com DCPO têm mortalidade aumentada no primeiro ano após o procedimento.
A boa notícia é que, de acordo com um estudo publicado no dia 6 de maio na revista PLoS One, duas medidas relativamente simples podem ajudar a reduzir a incidência de DCPO: administrar uma pequena dose do anti-inflamatório dexametasona imediatamente antes da cirurgia e, durante a operação, evitar uma hipnose muito profunda.
A pesquisa coordenada por Maria José Carvalho Carmona, professora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e coordenadora da pesquisa, foi conduzida com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) durante o doutorado de Lívia Valentin, primeira autora do artigo.
Atualmente, não há consenso sobre a profundidade anestésica adequada e sobre os riscos da anestesia muito profunda. Sabe-se que, quando a anestesia é demasiadamente superficial, existe a possibilidade de o paciente ter lembrança do intraoperatório, o que é indesejável. “Os resultados confirmam evidências recentes de que, quanto mais profunda é a hipnose anestésica, maior é a incidência de DCPO. Dados da literatura indicam que o problema estaria relacionado a uma resposta inflamatória sistêmica induzida pelo trauma cirúrgico, que seria lesiva para o sistema nervoso central. Por esse motivo o anti-inflamatório pode ter um efeito protetor”, explica a professora.
“Quanto mais profunda é a hipnose anestésica, maior é a incidência de DCPO”
Foram avaliados 140 pacientes, entre 60 e 87 anos, submetidos à cirurgia sob anestesia geral no Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP – a maioria para remoção de cálculos na vesícula. Como agente hipnótico foi utilizado o anestésico propofol. “Excluímos os casos de cirurgia cardíaca e ortopédica, dois dos procedimentos mais associados ao desenvolvimento de DCPO e, portanto, os mais explorados em estudos anteriores”, explicou Carmona.
Status cognitivo
Antes da cirurgia, os pacientes passaram por uma avaliação do status cognitivo, sendo excluídos aqueles que não alcançavam o escore mínimo. Em seguida, os selecionados foram divididos aleatoriamente em quatro grupos. O primeiro não recebeu dexametasona e foi induzido a uma hipnose anestésica profunda, como a utilizada frequentemente em cirurgias de grande porte. O segundo grupo também não recebeu o anti-inflamatório, mas foi induzido a uma hipnose mais superficial. O terceiro recebeu dexametasona e hipnose profunda. O último grupo recebeu a droga anti-inflamatória e hipnose superficial.
A profundidade anestésica foi monitorada por uma tecnologia conhecida como BIS (índice bispectral, na sigla em inglês), baseada na análise espectral do traçado do eletroencefalograma. Valores entre 35 e 45 nesse índice foram considerados pelos pesquisadores como hipnose profunda. Entre 46 e 55 foi considerada hipnose superficial.
No primeiro grupo (hipnose profunda, sem anti-inflamatório), a incidência de DCPO logo após a cirurgia foi de 68% – sendo que 25,3% dos pacientes ainda apresentavam o problema na reavaliação feita após seis meses. No segundo (hipnose superficial, sem anti-inflamatório), o número caiu para 27,2% após a cirurgia. Seis meses depois, 21,7% ainda apresentavam prejuízo cognitivo. No terceiro grupo (dexametasona e hipnose profunda), a incidência foi parecida com o grupo anterior logo após o procedimento cirúrgico: 25,2%. No entanto, na reavaliação feita após seis meses apenas 3,1% dos pacientes ainda apresentavam DCPO.
Já no grupo que recebeu dexametasona e foi submetido a hipnose superficial, a incidência de DCPO caiu para 15,3% no primeiro momento e, após seis meses, todos os pacientes já haviam recuperado o status cognitivo pré-cirúrgico. “Os resultados obtidos reforçam evidências recentes sobre a importância de evitar-se a anestesia profunda. Já em relação ao uso da dexametasona, há necessidades de mais estudos, de preferência multicêntricos, para confirmar o achado. Mas há um forte indício de que ela pode ser benéfica em muitos casos”, avaliou Carmona.
Reabilitação
Os primeiros estudos com pacientes que desenvolveram DCPO começaram a surgir, de acordo com Carmona, após os anos 1950. Antes dessa época dificilmente eram realizadas cirurgias de grande porte em idosos. Pesquisas nessa área, portanto, ganharam relevância principalmente nos últimos 15 ou 20 anos. “Ainda se discutem as causas e os fatores de risco da DCPO, mas pouco se fala em reabilitação e em metodologias para fazer com que esses pacientes voltem à sua condição do pré-operatório”, opinou Carmona.
Para que o diagnóstico e a reabilitação sejam viáveis, um dos desafios é desenvolver instrumentos práticos e seguros para avaliação do status cognitivo no pré e no pós-operatório. “Os testes hoje disponíveis ou são muito demorados ou, quando são rápidos, não são confiáveis. Isso dificulta o acompanhamento dos pacientes”, afirmou Carmona. Conforme explicou Valentin, os testes neuropsicológicos convencionais são de difícil aplicação e são de uso exclusivo do psicólogo especialista em neuropsicologia. “Isso dificulta a avaliação cognitiva pré e pós cirúrgica, principalmente em equipes multiprofissionais que não contam com um neuropsicólogo”, disse a pesquisadora.
“Os testes hoje disponíveis ou são muito demorados ou, quando são rápidos, não são confiáveis”
Visando solucionar essa deficiência, desde o término de seu doutorado, Valentin tem se dedicado a desenvolver em parceria com a empresa Izotonic Games o jogo digital MentalPlus. O software avalia as funções cognitivas de maneira lúdica em 25 minutos – enquanto uma bateria de testes neuropsicológicos convencionais pode levar mais de duas horas para ser concluída. O projeto está sendo conduzido em parceria com nove instituições internacionais, entre elas Harvard Medical School (Estados Unidos), The University of Copenhagen (Dinamarca), L’Université Paris-Sorbonne (França) e The University of Oxford (Reino Unido). A validação do método está sendo feita na FMUSP sob a coordenação de Valentin.
“O game está sendo validado para uso na população em geral, como um dos recursos mais atuais para a avaliação das funções cognitivas. Além disso, seu uso pode ajudar o jogador na reorganização das funções cognitivas prejudicadas. A ideia é que seja um instrumento de domínio público, não restrito ao uso de psicólogos ou neuropsicólogos”, afirmou Valentin.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que as epidemias matam 15 milhões de pessoas por ano no mundo. E nos últimos 60 anos, 300 novas epidemias foram registradas. Essa é uma das áreas de estudo em andamento do professor Tiago Pereira, do Instituto de Ciência Matemática e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, que é também pesquisador do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CEPID-CeMEAI). Ele é coorientador de doutorado do matemático alemão Stefan Ruschel, da Universidade de Humboldt, em Berlim. Stefan atua na área de sistemas dinâmicos com atraso temporal e sua tese trata das possíveis formas de controle de uma epidemia, desde que causada por doenças contagiosas.
Utilizando-se de bases de dados da própria OMS sobre a gripe A-H1N1, os pesquisadores estudam como extinguir a doença, que, só neste ano, vitimou 10% da população infectada no Brasil. A população é dividida em três grupos: saudáveis, doentes e isolados. A partir de modelos matemáticos, são calculados os tempos ideais para identificação da doença até o isolamento. E o tempo de isolamento para a recuperação. É esse resultado da equação que irá definir as chances de controle, no modelo estudado (ver imagem).
O pesquisador Tiago Pereira complementou. “Os cálculos demonstram que, se você perde a data dos nove dias, passa a ser decisiva a análise dos dados do tempo ideal de isolamento. Se você isolar então a pessoa por um tempo ideal, a doença é extinta, se você isolar a pessoa além do tempo ideal, a doença vai reaparecer.”Pelos cálculos de Stefan, seria necessário isolar todos os doentes em até nove dias, após a infecção, para que a doença fosse extinta.
“Sem isolamento não se controla a epidemia e o tempo de identificação é essencial para o controle.”
O tempo de identificação de nove dias leva em conta que todo indivíduo infectado é isolado. No entanto, os cálculos mostram ainda que, se metade dos infectados for isolada, o tempo de identificação cairia para dois dias e meio.
“A pesquisa mostra o delicado balanço entre a identificação dos indivíduos infectados e o sucesso do controle. A partir desses números, seria possível promover políticas públicas para gerar a infraestrutura necessária e o treinamento de profissionais. Por isso, entender os tempos corretos de diagnóstico e isolamento é fundamental para a saúde da população”, conclui.
O Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), com sede no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp_. O CeMEAI é estruturado para promover o uso de ciências matemáticas como um recurso industrial em quatro áreas básicas: Otimização Aplicada e Pesquisa Operacional, Mecânica de Fluidos Computacional, Modelagem de Risco, Inteligência Computacional e Engenharia de Software. Além do ICMC-USP, CCET-UFSCar, IMECC-UNICAMP, IBILCE-UNESP, FCT-UNESP, IAE e IME-USP compõem o CeMEAI como instituições associadas.
Até 4% das mortes no mundo poderiam ser evitadas apenas reduzindo o tempo que as pessoas permanecem sentadas ao longo do dia. Isso representa 433 mil pessoas por ano. Os dados são de um estudo realizado por pesquisadores da USP e da Universidade Federal de Pelotas. “No limite, reduzindo o tempo sentado em até 3 horas por dia, seriam evitadas 4% de mortes. Entretanto, reduções mais singelas já repercutiriam em grandes ganhos em saúde pública. Por exemplo, reduzindo em 2 horas/dia o tempo que ficamos sentados seriam evitadas 2% das mortes; se for uma redução de 1 hora/dia, teríamos 1,2% a menos de mortes”, aponta o educador físico Leandro Fórnias Machado de Rezende, da Faculdade de Medicina (FMUSP).
Juntamente com os pesquisadores Juliana Yukari Kodaira Viscondi e Juan Pablo Rey-López (da FMUSP), Thiago Hérick de Sá e Leandro Martin Totaro Garcia (Faculdade de Saúde Pública da USP), e de Grégore Iven Mielke (Universidade Federal de Pelotas), eles publicaram um artigo sobre o tema no American Journal of Preventive Medicine. E o jornal americano The New York Times publicouuma matéria sobre o tema no último dia 29 de março.
A grande questão é: por que permanecer muito tempo sentado eleva o risco de morte? “Existem alguns mecanismos biológicos do corpo que explicam isso. Ficar muito tempo sentado diminui a expressão de óxido nítrico do organismo [relacionado com algumas funções celulares e ao aumento do estresse oxidativo]. Isso leva ao aumento do risco de alterações cardiovasculares. Ocorre também a diminuição da ativação de uma enzima, a lipase lipoproteica, que é importante no metabolismo oxidativo, no controle de triglicérides, colesterol e outros fatores de risco metabólicos”, explica Rezende, que é doutorando do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP.
O estudo teve o objetivo de avaliar quantas mortes poderiam ser evitadas no mundo caso fosse reduzido o tempo que as pessoas ficam sentadas ao longo do dia. Para isso, os pesquisadores precisavam de dois dados: o tempo médio mundial de permanência nessa posição e o aumento do risco de morte associado a esse tempo.
O tempo médio de permanência sentado foi obtido a partir da análise de artigos publicados em revistas científicas internacionais de 54 países. “Já conhecíamos dois artigos sobre o tema. Um continha dados sobre países europeus (Eurobarometer), e outro apresentava dados de 20 países (International Prevalence Study)”, diz. Além disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem um inquérito chamado WHO Steps, com informações sobre 94 países. “Eles estavam na forma de relatórios no site da OMS e alguns não reportavam o tempo de permanência sentado. Então entramos em contato, via email, com os 94 países que constavam no WHO Steps”, conta.
Os pesquisadores também fizeram buscas em bases para identificação de dados que, por ventura, não foram identificados nas fontes citadas acima. Quando algum país estava em mais de uma publicação, a estratégia foi utilizar o dado mais recente. Foram contemplados todos os continentes, alguns com mais países outros com menos, e a única exceção foi a África, pois não encontraram material.
Para os dados ligados ao aumento do risco associado ao tempo sentado, os pesquisadores utilizaram uma meta-análise publicada na Revista Científica PLoS ONE. Eles encontraram uma relação que não é linear: para quem fica sentado entre 4 e 7 horas por dia, o risco de morte aumenta em 2% para cada hora sentado. “Por exemplo, ficar sentado 4 horas, aumenta o risco em 2%; 5 horas, 4%; 6 horas, 6%; 7 horas, 8%. A partir de 7 horas sentado, o risco aumenta para 5%; 8 horas, 13%; e 9 horas, 18%”, esclarece o pesquisador.
Estratégias possíveis
Mas o educador físico é realista quanto à dificuldade de se reduzir o tempo que as pessoas permanecem sentadas, principalmente nas grandes cidades, onde é comum encontrar quem gaste muito mais de três horas diárias apenas no percurso entre a casa e o trabalho (sem contar o tempo de expediente). “Sempre que possível, as pessoas poderiam adotar algumas estratégias como ficar de pé, ir buscar água ou café. Uma reunião entre duas pessoas poderia ser feita caminhando lentamente”, sugere. Ele lembra também que já existem no mercado mesas de trabalho que permitem o controle de altura e possibilitam trabalhar em pé.
Para o pesquisador, é preciso ainda não culpabilizar as pessoas: as questões ambientais e sociais também devem ser levadas em conta. “Eu não vou deixar de me deslocar de carro ou de outro meio de transporte caso existam riscos de eu ser assaltado na rua usando uma bicicleta ou andando a pé. O ambiente precisa ser convidativo: uma calçada e uma ciclovia bem feitas, por exemplo, auxiliam na adoção de modos de vida mais ativos e saudáveis.”
José Guilherme Caldas, neurorradiologista, diz que a conscientização é o caminho para que mortes e episódios causados pelo AVC sejam evitados.
No último sábado, dia 29, comemorou-se o Dia Mundial de Combate ao Acidente Vascular Cerebral (AVC), que foi a causa mais comum de morte este ano no Brasil, com cerca de 56.320 óbitos, segundo o Portal de Transparência dos Cartórios de Registro Civil do Brasil.
O que é um AVC
O acidente vascular cerebral são danos causados ao cérebro tanto pela falta de sangue (isquêmico), o qual é o mais comum (popularmente conhecido como derrame), quanto pelo excesso dele, quando há vazamento (hemorrágico). Quando uma artéria cerebral entope, o acidente acontece.
“Em 2015, nós conseguimos provar para o mundo que, retirando um coágulo da cabeça, do interior da artéria, em menos de duas horas nós recuperamos praticamente 100% dos pacientes e, em até 6 horas, 80%. Então, isso é muito importante de ser reconhecido”, diz José Guilherme Caldas, neurorradiologista e diretor clínico do InRad do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Ele explica que as causas para a formação dos coágulos são múltiplas, mas existem fatores determinantes e que se sobressaem, como a obesidade, o tabagismo e o álcool. Esses três são passíveis de mudança, já que se trata de hábitos adquiridos.
Outros fatores são mais difíceis de controlar, pois são consequências e aumentam muito o risco de AVC. São eles: pressão alta, colesterol alto, sedentarismo e principalmente a predisposição genética (que também está associada ao aumento do colesterol). O neurorradiologista destaca que a prevenção é a principal forma de evitar o acidente e, em segunda instância, saber como identificar quando a pessoa está sofrendo um AVC e necessita de tratamento.
Como identificar
José Guilherme diz que uma maneira simples de identificar quando alguém está sofrendo um AVC é lembrar da sigla SAMU, utilizada tanto no País quanto fora dele, como sinal de emergência. Cada letra da sigla, portanto, sinaliza uma ação para verificar o que realmente está acontecendo e encaminhar para o tratamento médico.
S de sorriso (peça para a pessoa dar um sorriso para ver se ele está torto); A de abraço (a pessoa não consegue abraçar, pois seus movimentos ficam limitados); M de música (peça para que a pessoa soletre uma música, um parágrafo ou até um nome. Durante um AVC, não é possível falar corretamente); e, por fim, U de urgência (caso algum deles se concretize).
O acidente vascular cerebral pode ser sutil ou importante, lembra o médico, por isso sua identificação precoce é vital. Outra informação lembrada por ele é a possibilidade de acontecer o AVC durante o sono, o que é chamado de Wake-up Stroke. A pessoa acorda com algum dos sintomas citados acima. Este representa um problema para os médicos, já que não é possível identificar o momento de início, o que é crucial para o atendimento nesses casos.
“Nós recorremos aos métodos de imagem para poder saber e entender a quantidade de cérebro que está afetada que nos permite ou não trabalhar”, explica Caldas. Esse método é utilizado no Inrad, do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Ele lembra também que “a urgência é muito importante porque no cérebro, depois que morre uma parte considerável dele, não é possível fazer nenhum tratamento, porque é você colocar o sangue de novo em pressão dentro do cérebro. Tem como se fosse uma ruptura dos vasos, eles não aguentam, eles estão já mortos, com necrose”. A tecnologia evoluiu tanto que agora é possível saber se vale a pena tratar o paciente, já que, em alguns casos, a perda é grande e irreversível.
Estresse pode causar AVC?
O neurorradiologista diz que o estresse está diretamente ligado às consequências que podem levar ao AVC. Esse fator está dentro do âmbito da proteção, já que produz hormônios que podem levar a uma piora no quadro da hipertensão ou ao desenvolvimento dela. A questão é tentar evitar, controlar ou eliminar o estresse, já que é uma combinação de fatores que não fazem bem. Isso, porém, é de preocupação individual e está relacionado à atividade diária de cada um.
Para isso, ter exames em dia e estar atento aos casos de AVC na família são imprescindíveis para que o problema seja evitado. No âmbito público, o fator de conscientizar a população é um caminho para que os números revelados pelo Portal da Transparência sejam revertidos: campanhas em todos os meios de comunicação e, talvez, um dia, discutir com educadores que conscientizem as crianças de como ter hábitos alimentares saudáveis.
A maior expectativa de quem se submete a um transplante é conseguir viver bem com o novo órgão e por muito tempo. Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, a expectativa de vida média dos rins transplantados varia de 15 a 25 anos, entretanto, alguns casos ousam contrariar essas estimativas. “Seu” Antônio Ferreira de Campos é um exemplo e prova viva de que um transplante bem sucedido pode proporcionar uma vida longa e com qualidade. No último dia 25 de outubro, ele comemorou 50 anos do seu transplante renal feito no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFMUSP), com um detalhe: o rim recebido é nove anos mais velho que ele. Em outubro, ele também fez outro aniversário, o de 73 anos de idade.
Economista aposentado, natural de Iacanga, na região de Bauru, e residente em Ribeirão Preto, “Seu” Antônio passou por um transplante de rins aos 23 anos, após sofrer com um caso de nefrite crônica que se manifestou na adolescência. “Mais ou menos em julho de 1972, meus rins pararam de vez e eu precisei ser internado no Hospital das Clínicas em São Paulo para fazer um tratamento com hemodiálise”. Classificada como uma inflamação, a nefrite ataca os glomérulos renais – estruturas dos rins responsáveis por eliminar as toxinas e outros componentes em excesso do organismo. A doença causa inchaço nas extremidades, além da dificuldade em urinar.
Em determinado momento, ele teve que travar outra batalha: a de encontrar um doador compatível. Mas esse foi o menor dos problemas. “A minha irmã Olímpia, na época com 32 anos, logo se ofereceu para ser minha doadora. Fiquei internado três meses aguardando uma vaga para que a cirurgia pudesse ser efetuada”, afirma.
Nova vida no pós-operatório
Apesar do sucesso na cirurgia, a rotina de cuidados continua constante. Alguns anos após a cirurgia, ele se mudou para Ribeirão Preto em função do trabalho e passou a ser acompanhado pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP. “Durante os últimos 50 anos, minha dependência do ambulatório do HC foi muito intensa. Tenho exames de rotina de três em três meses, além dos remédios imunossupressores que são diários”, conta o aposentado.
“Seu” Antônio conta que precisou mudar a rotina no pós-operatório. “Nos primeiros dias após o transplante, com meus 1,70 metros de altura, eu cheguei a pesar cerca de 45 kg. Após três meses da cirurgia, eu já pesava 90 kg. A bronca do médico foi imediata e eu precisei chegar aos 70 kg. Peso que mantenho até hoje.” Além da dieta alimentar e dos cuidados médicos, ele pratica natação e musculação com regularidade.
O médico e professor da Divisão de Nefrologia do HC-FMRP, Miguel Moyses Neto, acompanha de perto a rotina de cuidados de “Seu” Antônio e afirma que mesmo com todas as dificuldades atreladas à idade do paciente e ao tempo do transplante, ele conseguiu se cuidar muito bem. “Nós verificamos que, mesmo após tanto tempo, ele conseguiu superar todas as adversidades, foi privilegiado” afirma o professor.
Avanços no transplante de órgãos
O professor afirma que uma das maiores mudanças que aconteceram durante esses 50 anos foi o desenvolvimento e a descoberta de novas drogas, menos nocivas para o organismo humano. Segundo ele, essas novas drogas permitiram uma queda considerável na taxa de rejeição dos órgãos transplantados, de 60% para menos de 10%, o que possibilita que o transplante dure mais. “As inovações que ocorreram nos exames feitos antes da cirurgia ser realizada, como de sangue e imagem, por exemplo, são determinantes para promover maior eficiência e segurança para quem recebe o órgão transplantado”, assegura.
Os primeiros transplantes foram realizados na década de 1960. De lá para cá, o número de pessoas beneficiadas só tem aumentado. Hoje, o Brasil tem cerca de 37 mil pessoas que esperam receber um transplante de órgãos, sendo 34 mil na fila de espera por um rim, segundo dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde.
Moléculas derivadas de proteínas aparecem apenas em pacientes com ruptura das artérias causada por aneurismas.
Uma pesquisa com participação da Faculdade de Medicina (FMUSP) e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP abre caminhos para o uso de uma nova forma de diagnosticar aneurismas cerebrais. Os cientistas descobriram, em um líquido existente no cérebro, peptídeos (moléculas derivadas de proteínas) que aparecem somente em pacientes que tiveram ruptura das artérias causada por aneurisma ou em casos de ruptura tardia. As características específicas desses peptídeos podem servir como marcadores da condição do paciente, aprimorando o diagnóstico e ajudando os médicos a definir estratégias para o tratamento da doença.
A pesquisa investigou a presença de peptídeos intracelulares ou não no líquido cefalorraquidiano (LCR) e sua associação com casos de aneurismas saculares intracranianos (ASI). “O LCR, também conhecido como líquor ou fluido cérebro-espinhal, é encontrado no cérebro e medula espinhal. Caracteriza-se por ser uma solução salina pura, com baixo teor de proteínas e células, atuando como um amortecedor para o córtex cerebral e a medula espinhal”, relata ao Jornal da USP o professor Emer Ferro, do ICB, um dos coordenadores da pesquisa. “Os ASI são dilatações arteriais no cérebro que ocorrem devido à fraqueza na camada média da parede arterial, levando à formação de bolsas anormais e rupturas das artérias.”
Segundo o professor Eberval Gadelha Figueiredo, da FMUSP, responsável pelos diagnósticos clínicos feitos na pesquisa, os ASI representam de 90% a 95% de todos os casos de aneurismas intracranianos. “As rupturas levam a hemorragias, comprometimento cognitivo e motor, bem como à morte do paciente”, destaca. Devido à falta de sintomas, atualmente os ASI são geralmente encontrados incidentalmente, quando ocorre a ruptura. “Isso porque o LCR pode ser acessado pelo médico por procedimento minimamente invasivo, à semelhança de um exame de sangue, sem comprometer a saúde do paciente. A meta da pesquisa era demonstrar que alterações na presença de peptídeos específicos no LCR podem indicar determinada condição de doença do paciente.”
Tipos de aneurismas
Ao todo, foram testados 11 pacientes com três tipos de aneurismas, identificados em exames clínicos: sem ruptura, com ruptura e com ruptura tardia. “No laboratório, o LCR de cada um dos pacientes passou por ensaios de separação de peptídeos individuais, seguida de identificação das sequências de aminoácidos de cada um desses peptídeos”, relata Ferro. “Uma vez identificados os peptídeos em cada grupo de pacientes, utilizamos recursos de bioinformática para comparar os peptídeos existentes nos diferentes grupos de pacientes.”
Por meio de dois softwares (Mascot e Peaks), foram identificados 2.199 peptídeos, dos quais 484 (22,0%) eram únicos de cada grupo de pacientes. “Descobrimos que os peptídeos únicos em pacientes com diagnóstico de aneurismas intracerebrais saculares com ruptura têm um peso molecular maior quando comparados aos peptídeos dos outros grupos de pacientes”, ressalta Ferro. “Todos os peptídeos únicos apresentaram uma ‘assinatura’, com cadeias conservadas de aminoácidos, domínios funcionais, regiões de modulação de proteínas ou sítios de modificação relacionados a doenças humanas.”
De acordo com o professor do ICB, seria possível usar a informação contida nessa “assinatura” para o diagnóstico molecular dos aneurismas, complementando o diagnóstico clínico do neurocirurgião. “Nós ainda não utilizamos pacientes saudáveis. Além desse limitante dos nossos estudos, o nosso maior limitante para afirmar que os peptídeos já podem ser utilizados no diagnóstico é que nossos ensaios foram realizados com um número ainda pequeno de pacientes”, observa. “Estamos caminhando para estudos com mais pessoas, possivelmente superando a casa de uma centena.”
A pesquisa foi realizada por Carolina Angélica Parada, Rosangela A. Eichler e Emer S. Ferro, do Laboratório de Farmacologia dos Peptídeos Intracelulares do Departamento de Farmacologia do ICB, e Gabriel Reis Sakaya, Vitor Nagai Yamaki e Eberval Gadelha Figueiredo, do Grupo de Neurocirurgia Vascular do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP. Também colaboraram com o trabalho Ami Navon, professor do Weizmann Institute of Science (WIS) em Israel, e Andrea S. Heimann, sócia-proprietária da Proteimax Biotecnologia, sediada em São Paulo e da Proteimax Israel. Os estudos tiveram apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A nutricionista Isabela Cristina, de Mossoró (RN), 40 anos, começou a beber ainda na adolescência, de forma recreativa. O alcoolismo foi um processo que progrediu pouco a pouco ao longo da vida adulta.
“Era o que chamamos de uma alcoolista funcional, trabalhava, cumpria meus compromissos normalmente. Porém, no final do dia, tinha sempre que ter essa recompensa. Eu já era alcoolista, mas não sabia”, conta.
A situação foi evoluindo até que veio a pandemia. “Comecei a beber todos os dias, naquele confinamento, assistindo lives [transmissões ao vivo pela internet]. Beber era minha única diversão. A partir de um determinado momento, comecei a acordar às 5h e começava a ingerir álcool, até meu marido me alertar sobre o uso excessivo e eu decidir buscar ajuda”, lembra.
O período de isolamento social provocado pela pandemia, principalmente ao longo de 2020 e 2021, levou as pessoas a aumentarem o consumo de álcool. Um estudo realizado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) em 33 países da América Latina e do Caribe apontou que 42% dos entrevistados no Brasil relataram alto consumo de álcool durante esse período, particularmente entre as mulheres.
Embora não tenha sido causa, a pandemia acabou desvelando um problema que vem gerando preocupação em especialistas: o aumento do consumo de álcool pela população feminina. Não há muitas pesquisas disponíveis sobre esse cenário, mas alguns números são reveladores.
O levantamento do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (Vigitel), uma plataforma do Ministério da Saúde, mostra que, de 2010 a 2018, o índice de mulheres de 18 a 24 anos que bebem além do recomendado cresceu de 14,9% para 18%. Na faixa etária dos 35 aos 44 anos, esse índice passou de 10,9% para 14%.
Chama a atenção também o consumo de bebida alcoólica entre mulheres idosas: 11,3% daquelas com idades entre 55 e 65 anos bebe além do recomendado, de acordo com o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“Os homens ainda bebem mais que as mulheres, mas pesquisas recentes estão mostrando que as meninas adolescentes já estão bebendo igual ou mais do que os meninos adolescentes, então está havendo uma mudança nessa faixa etária”, destaca Claudia Leiria, psicóloga especializada em dependência química e fundadora da Associação Alcoolismo Feminino (AAF). A entidade desenvolve um acolhimento exclusivo para mulheres alcoolistas.
Segundo o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid), até 2030 o número de mulheres dependentes do álcool será igual ao dos homens. “Por que isso é preocupante? A mulher tem menos água no corpo do que os homens e, conforme avança a idade, essa proporção de água corporal vai diminuindo. Portanto, quando a mulher consome o álcool, ele tem pouca diluição da substância, que fica mais concentrada, e causa mais danos do que no homem”, explica Leiria.
Outro fator biológico é o tamanho padrão da mulher, que são mais baixas que os homens. Nesses casos, o álcool percorre o sistema circulatório mais rapidamente no organismo. “A mulher também tem mais gordura corporal e a gente sabe que o álcool fixa-se mais em tecido adiposo, ou seja, ele adere mais à gordura do que ao músculo, permanecendo um tempo maior no organismo da mulher do que o homem”, acrescenta.
De mulheres para mulheres
Apesar da crescente preocupação com o consumo excessivo de álcool pelas mulheres, fenômeno até pouco tempo negligenciado e até silenciado socialmente, há poucas políticas de acolhimento específicas para esse público. Foi o que percebeu a empreendedora Grazi Santoro, quando decidiu buscar ajuda para enfrentar a própria dependência. Sóbria há 14 anos, ela buscou ajuda nos Alcóolicos Anônimos (AA), onde diz ter sido bem acolhida, mas o ambiente ainda é hostil para as mulheres, que são estigmatizadas.
“Durante todo o tempo em que eu fui acolhida no AA, e fiquei em recuperação, num grupo de 12 passos, me doía muito perceber que poucas mulheres chegavam nesse espaço. Era predomínio de 10 homens para cada mulher. Quando nós, mulheres, chegamos num grupo, a gente chega carente, muitas vezes separadas, solteiras, e o machismo estrutural está dentro de grupos, como está dentro de todos os espaços sociais. O programa de 12 passos funciona e salvou minha vida, mas o ambiente é machista, predominantemente composto por homens machistas. Então, nós somos assediadas e, às vezes, até violentadas”, relata.
Em fevereiro 2020, pouco antes da pandemia e já fora do anonimato como alcoolista, Grazi decidiu compartilhar sua história publicamente, para estimular outras mulheres que queriam tratar a dependência a saber como fazer.
“Foi quando lançamos o Coletivo Alcoolismo Feminino, nos apresentando como mulheres em recuperação e buscando outras mulheres que queriam ajuda, além de familiares dessas mulheres que querem ajuda”.
Após conceder uma entrevista em um programa de televisão, na mesma época, Grazi viu a procura por ajuda explodir nas suas redes. Com isso, Grazi Santoro e a psicóloga Claudia Leiria começaram a estruturar o coletivo a partir de grupos em aplicativos de mensagem do celular.
Num primeiro momento, elas tentavam orientar as mulheres que chegavam a procurar um AA, mas muitas delas até já tinham ido e não se identificavam.
“A gente começou então a criar formas de acolhimento com base no que elas traziam de demanda e passamos a realizar os encontros virtuais. O tratamento não é somente mudar os hábitos e evitar certos lugares, mas cuidar de outras comorbidades que essas mulheres normalmente têm. Muitas, por exemplo, têm depressão, então não adianta só parar de beber, tem que tratar da depressão. Outras viviam num ciclo de violência doméstica e o consumo de álcool potencializava isso, então tinha que olhar paras as várias dimensões do problema”, explica Grazi Santoro.
Desde que começou como um coletivo, passando para uma associação, a AAF já acolheu mais de 1,2 mil mulheres no país, além de brasileiras residentes na Europa e mulheres portuguesas e angolanas. Atualmente, contam com apoio da Opas/OMS e chegaram a participar de eventos internacionais promovidos pela organização para falar sobre as especificidades do alcoolismo entre mulheres.
Grupos terapêuticos
Uma das características do processo de acolhimento e tratamento da dependência do álcool feito na Associação Alcoolismo Feminino (AAF) é a organização por meio de grupos terapêuticos. São seis ativos no momento: codependência, transtornos alimentares, prevenção de recaídas, violência contra mulheres, LBTQIA+, maternagem e familiares. Esses grupos tratam algumas das principais especificidades do alcoolismo entre mulheres.
Além disso, há 14 profissionais voluntárias, que incluem psicólogas e nutricionistas, que apoiam a recuperação dessas pessoas. Pelo menos 7 reuniões e rodas de estudos ocorrer semanalmente de forma virtual. Integrantes da AAF também costumam promover palestras em empresas, clínicas de recuperação, escolas, universidades e instituições da sociedade civil.
Dona de um bar no interior do Rio de Janeiro, Eliete de Abreu Tavares, 40 anos, está há 2 anos e 2 meses sem beber. Antes de buscar tratamento para sua dependência, ela viveu inúmeras situações de constrangimento e até exposição à violência entre amigos e familiares.
“Me tornei uma pessoa agressiva, tinha apagões alcóolicos, não me lembrava da noite anterior. Todo final de semana eu começava a beber feliz, alegre com todo mundo, mas, no dia seguinte, as pessoas não falavam comigo, porque eu tinha ofendido alguém, tinha quebrado coisas em casa. Eu já não estava aguentando, é um ciclo muito triste”, revela.
Sem saber da existência da AAF, Eliete foi numa reunião do AA e não se sentiu bem. “Eu não me senti bem no AA, é uma instituição muito machista. Além disso, sou lésbica e não me sentia segura de falar da minha vida. Uma pessoa que conhecia foi quem me disse sobre um grupo de mulheres alcóolatras. Quando encontrei a AAF, foi um divisor de águas na minha vida”, conta.
“A diferença que eu vejo da AAF para os outros grupos de acolhimento é que tem mais amorosidade, menos julgamento e mais acolhimento. A mulher se sente mais à vontade para partilhar sua dor. Temos grupos terapêuticos para mulheres que sofreram abusos e violência, para mães ou filhos de alcoolistas, para mulheres que sofrem transtornos alimentares. Quando uma mulher recai, a gente dobra esse apoio, essa atenção, mas sem julgamento, até porque ela já chega carregada de muita culpa. É preciso levantar a autoestima, fazer essa mulher acreditar nela”, argumenta.
Atualmente, Eliete é das voluntárias na AAF, onde atua como guardiã de um dos grupos de mensagens de mulheres. Esses grupos servem para troca de informações e depoimentos, mas também funcionam como uma espécie de plantão de emergência.
“Às vezes, uma das meninas entra num momento de crise, ela avisa no grupo e imediatamente entramos em contato para conversar, acolher, até ela se sentir melhor. Nossa doença é emocional, quando você está feliz, eufórica, é perigoso. E quando você está triste demais, também é um risco de recair”.
Para mulheres que estejam sofrendo e desejam tratar a dependência do álcool, Eliete faz questão de deixar uma mensagem: “eu diria que elas não precisam ter vergonha, que elas não estão sozinhas, só precisam se dar uma oportunidade, deixar a gente amar ela enquanto ela não consegue”.
Ricardo Vasconcelos fala sobre a Profilaxia Pré-Exposição injetável, em desenvolvimento pelo Estudo Mosaico da FMUSP, que apresentou bons resultados em animais e agora é testada em humanos. A ideia é que a administração subcutânea apenas uma vez a cada seis meses facilite a adesão dos usuários.
Uma das maneiras de se proteger contra o vírus da imunodeficiência humana (HIV) é por meio da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Desde 2017, todos aqueles que se considerem vulneráveis ao HIV, mesmo usando outros tipos de prevenção, podem adquirir o PrEP oral via SUS. O uso contínuo, porém, pode ser um obstáculo para alguns pacientes.
Pensando em facilitar a vida do usuário, pesquisadores do Estudo Mosaico, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), estão desenvolvendo uma profilaxia injetável contra o HIV, a Lenacapavir, que seria administrada a cada seis meses e de forma subcutânea, assim como a insulina. “Quando pensamos em prevenção do HIV, o melhor método de prevenção para cada pessoa é aquele método que a pessoa escolhe usar e consegue usar de forma correta e de forma constante”, explica o pesquisador e coordenador do estudo, Ricardo Vasconcelos.
O comprimido é uma excelente maneira de prevenção, porém depende de um compromisso da pessoa para continuar o tratamento. Existe, também, outra forma de profilaxia injetável que está em análise na Anvisa: a intramuscular, aplicada no glúteo a cada dois meses. Hábitos e diferentes tipos de vida podem prejudicar esse tratamento contínuo, de forma que se torna não prático e mais fácil de ser abandonado. “A gente foi percebendo aos poucos que, quanto mais os diferentes métodos de prevenção estiverem disponíveis para a população, mais fácil vai ser contemplar todos os estilos de vida”, diz Vasconcelos.
Existem pessoas que não conseguem usar preservativo e tomar remédio diariamente, lembra o infectologista. Esse método, então, está sendo desenvolvido com o propósito de tornar a vida das pessoas mais fácil, garantir o tratamento contínuo e diversificar os métodos de prevenção para que todos sejam incluídos.
Como a profilaxia funciona?
O princípio da PrEP é sempre o mesmo: impedir que o vírus, após entrar no corpo, não se multiplique. Para as pessoas que não vivem com HIV, o que o estudo pretende com a injeção é que, caso o vírus entre no corpo da pessoa, o sistema imune consiga bloquear e destruir o vírus.
O medicamento é injetado duas vezes ao ano e segue a tecnologia das vacinas Janssen e AstraZeneca contra a covid-19, de retrovírus. “A gente administra medicamentos anti-retrovirais com o objetivo de proteger essa pessoa dessa infecção. O que ele faz é impedir que o HIV se multiplique numa pessoa que está com HIV”, explica. O medicamento pode também ser aplicado naqueles que não possuem a doença, especialmente por se tratar de uma prevenção.
O pesquisador também fala de prevenção combinada: uso de preservativos com medicamentos. “A ideia de que você tem, como profissional da saúde, oferecer todo o cardápio para a pessoa e a pessoa que vai ver o que que ela consegue aplicar na vida dela”, complementa o infectologista.
A injeção ainda está em fase de teste e não se sabe a eficácia. Para isso, são necessários voluntários específicos para o estudo: pessoas trans, não binários, maiores de 18 e homens homossexuais. Para entrar em contato, o telefone é (11) 93278-6719, ou acesse o site da pesquisa: https://www.purposestudies.com/. Também, a demonstração de interesse e mais informações sobre o processo podem ser encontrados pelo Instagram do PEC – Programa de Educação Comunitária (@pecnasredes).