Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos exigem cautela antes de ser prescritos

Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos (MPI) têm se tornado uma preocupação crescente no mundo da medicina. Lincoln Marques, farmacêutico clínico e doutorando da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, explica que esses medicamentos, listados pela Sociedade Norte-Americana de Geriatria desde 1991, são atualizados a cada três anos e trazem riscos específicos para pacientes idosos. “Devemos ficar atentos à idade do paciente e saber se os medicamentos vão trazer mais risco do que benefício. A lista traz aqueles medicamentos que podem trazer mais risco para os pacientes que têm acima de 65 anos”, afirma.

Esses medicamentos incluem aqueles que podem provocar reações adversas significativas, dependendo do grupo do paciente, seja devido ao envelhecimento ou a alterações metabólicas. O especialista destaca que, embora muitos remédios sejam amplamente usados e considerados seguros, a idade avançada e o uso prolongado podem aumentar os riscos, exigindo uma avaliação cuidadosa antes da prescrição.

Consequências de cada medicamento

Além dos efeitos dos MPI, Marques fala sobre a importância da relação risco-benefício na medicina. A escolha de um medicamento não depende apenas de seu potencial para aliviar sintomas, mas também dos efeitos adversos e do perfil do paciente. “Quem prescreve é geralmente o médico, mas a avaliação, principalmente em hospitais, é feita também pelo farmacêutico. Ele também pode estar fazendo análise desse risco-benefício”, pontua.

Ele ainda informa que, na indústria, geralmente os testes desses medicamentos são feitos com pacientes saudáveis, e complementa: “Isso deixa de fora grupos vulneráveis, que seriam as crianças, as gestantes e também os idosos. E aí essa lista sempre traz, a cada três anos, os artigos e estudos que vão sendo publicados em outras populações, para saber que tipos de reações os pacientes estão tendo e, a partir disso, trazer quais são os potencialmente inapropriados”. Segundo o farmacêutico, os medicamentos da parte neurológica, como os para insônia, estão entre os que exigem mais atenção.

Situações específicas dos pacientes

A lista de MPI também é uma referência internacional e amplamente usada no Brasil. O doutorando observa que, com o avanço da idade, aumenta-se o número de medicamentos usados por um paciente, o que pode trazer riscos de interações medicamentosas. “Quando a pessoa vai envelhecendo, alguns desses medicamentos deixam de funcionar da forma mais adequada e quando nós vamos fazer a análise do uso desses medicamentos temos que fazer não só a partir das interações medicamentosas, mas também outras coisas, que seja a reação adversa ou saber se a pessoa tem uma função cognitiva, se ela vai estar sendo prejudicada através desses medicamentos ou não”, comenta.

Marques explica que alguns medicamentos, como os utilizados para colesterol, para terem uma maior efetividade, possuem um prognóstico de vida mais curto, de até no máximo dois anos. “Então, não teria necessidade de adicionar esse medicamento, de manter ele, já que não vai ter tanto benefício assim. Vai trazer mais risco, por exemplo, para os rins do paciente. Eles podem prejudicar. E aí, nós, a equipe de farmácia, em conjunto com a equipe médica, conversamos para conseguir tirar esse medicamento”, afirma.

Além da vigilância com medicamentos específicos, o farmacêutico destaca a importância da personalização do tratamento, considerando fatores como função cognitiva e capacidade de metabolização, que podem ser diferentes em pacientes idosos. Marques reforça que nem todos os medicamentos listados como MPI são proibidos, mas exigem monitoramento rigoroso.

O especialista também reforça a contraindicação da automedicação, sendo necessária a procura da orientação de um profissional adequado. “Mas nem todo médico, nem todo prescritor tem conhecimento dessa lista. Às vezes, ele acaba prescrevendo o medicamento. Por isso que é sempre bom o farmacêutico estar dando uma olhada, porque nós somos treinados para individualizar cada tratamento para cada paciente”, conclui.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Tratamento contra hipertensão pode diminuir o risco de demência

Pesquisadores brasileiros que participaram da análise de pacientes em 15 países destacam potencial do programa de acompanhamento de diabete e hipertensão do SUS na prevenção da demência

Idosos que fazem tratamento com medicação para hipertensão têm menor risco de desenvolver demência do que aqueles que não se tratam. A conclusão é de uma análise que reuniu os dados de 17 estudos populacionais, abrangendo 34.519 participantes em 15 países, feita pelos cientistas do Cohort Studies of Memory in an International Consortium (Cosmic), grupo que estuda fatores de risco, proteção e biomarcadores do envelhecimento cognitivo e demência. O artigo com os resultados do trabalho foi publicado pela revista científica Neurology em 14 de agosto.

O Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) participou da pesquisa com o estudo populacional São Paulo Ageing & Health Study (SPAH), realizado com pessoas acima de 65 anos, o qual apontou que em 26,3% dos pacientes a hipertensão não era tratada. Os pesquisadores do IPq destacam o potencial do programa de acompanhamento de diabete e hipertensão do Sistema Único de Saúde (SUS), o Hiperdia, para demonstrar à população brasileira a importância da prevenção dessas doenças, como também da demência.

“A multimorbidade, ou seja, ter várias doenças crônicas ao mesmo tempo, é um problema de saúde cada vez mais frequente no Brasil e no mundo.

 Ela dificulta o tratamento, piora a qualidade de vida e aumenta o número de mortes prematuras”, afirma ao Jornal da USP a pesquisadora Marcia Scazufca, do IPq, uma das integrantes do grupo que elaborou o artigo.

“A hipertensão arterial sistêmica [HAS] ou ‘pressão alta’, além de ser a doença crônica mais prevalente entre adultos e idosos, é o fator de risco modificável mais importante para outras comorbidades, como distúrbios cardiovasculares e demência”.

Diante da inconsistência dos resultados, os pesquisadores associados ao Cosmic realizaram uma análise que combinou dados de 17 estudos populacionais, abrangendo 34.519 participantes residentes nos 15 países do consórcio (Estados Unidos, Brasil, Austrália, China, Coreia, Singapura, República Centro Africana, República do Congo, Nigéria, Alemanha, Espanha, Itália, França, Suécia e Grécia).

Prevenção

“O critério para a análise foi não ter demência na inclusão do estudo e ter diagnóstico confiável de hipertensão”, descreve a pesquisadora. “A avaliação de demência foi realizada pelo menos duas vezes, no começo e no seguimento do estudo, em média 4,4 anos após a análise inicial.”

Considerando todos os estudos, a maioria (58,4%) dos participantes eram mulheres e a idade média foi de 72,5 anos. “Como esperado, a prevalência de hipertensão foi alta, considerando todos os 17 estudos, chegando a 60,1%, cerca de dois terços dos participantes. As pessoas analisadas foram divididas em três grupos: 35,5% eram saudáveis, 50,3% tinham hipertensão e recebiam tratamento, 9,8% não se tratavam e 4,4% tinham diagnóstico inconclusivo”, relata Marcia Scazufca. “Participantes com hipertensão que não faziam tratamento com medicações anti-hipertensivas tiveram aproximadamente 42% maior risco de ter demência quando comparados a idosos que tinham hipertensão e recebiam tratamento. Este resultado foi observado para participantes de qualquer idade a partir dos 60 anos.”

A pesquisadora salienta que o estudo brasileiro de base populacional (SPAH) faz parte da análise feita pelo consórcio Cosmic, e contribuiu para as análises apresentadas no artigo. “O trabalho incluiu 2.072 pessoas com 65 anos ou mais, residentes em áreas de baixa renda da região oeste de São Paulo, algumas muito próximas do campus da USP na Cidade Universitária”, descreve. “Entre os participantes, 60,6% eram mulheres, aproximadamente 70% tinham entre 65 e 74 anos, 50% tinham renda de um e meio salário mínimo e 90% apresentavam até três anos de escolaridade.”

A prevalência de hipertensão no grupo de idosos analisado foi de 80,4% e, entre eles, aproximadamente três quartos faziam tratamento com medicação hipertensiva. “No entanto, um quarto dos idosos com hipertensão não fazia tratamento, que o artigo sugere como um dos muitos fatores ao longo da vida que aumentam o risco do desenvolvimento da demência”, destaca a pesquisadora. “Educar a população e os profissionais de saúde sobre as vantagens do tratamento da hipertensão, entre eles a prevenção da demência, é fundamental para melhorar a oferta e adesão aos tratamentos.”

A demência é uma doença crônica progressiva que ainda não tem tratamento. “A prevenção dos seus fatores de risco ainda é a melhor forma de prevenir ou retardar o seu início”, observa. “Apesar de uma minoria dos participantes do SPAH (26,3%) não estarem recebendo tratamento para hipertensão, eles estavam mais expostos a um fator de risco que poderia ser prevenido.”

“A educação em saúde, parte importante do Hiperdia, pode informar a população sobre a relevância do tratamento da hipertensão também para a prevenção da demência, além de outras doenças crônicas”, aponta. Para a pesquisadora, a educação em saúde é o primeiro passo para a população e os profissionais de saúde entenderem e aderirem a intervenções baseadas em evidências. “A principal mensagem deste artigo é que o tratamento da hipertensão é importante para a prevenção da demência em todas as fases da vida”, conclui a pesquisadora do IPq.

O estudo SPAH recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Wellcome Trust, instituição de apoio à pesquisa do Reino Unido. Os pesquisadores responsáveis pelo trabalho são Marcia Scazufca, Paulo Rossi Menezes, da FMUSP, e Homero Pinto Valada, da FMUSP e do IPq.

Mais informações: scazufca@usp.br, com Marcia Scazufca

FONTE: Jornal da USP

Treino físico pode recuperar funções do fígado em idosos

Combinação de exercícios aeróbicos e de força restaurou a expressão do gene Bmal1 que estava diminuída no fígado de camundongos idosos

Uma pesquisa recente, publicada na revista científica Life Sciences, mostra que, em camundongos idosos, além de força, coordenação e equilíbrio, a rotina de exercício físico melhora a sensibilidade à glicose e restaura a expressão do gene Bmal1, uma das proteínas mais importantes do ciclo circadiano (o “relógio biológico”). No fígado, ela controla a glicose, o colesterol e o metabolismo dos ácidos graxos.

O estudo, conduzido em animais, reuniu pesquisadores das três universidades públicas paulistas, USP, Unesp e Unicamp, além da norte-americana Tufts University (Massachusetts), para analisar os efeitos do envelhecimento e do exercício físico nos genes e proteínas do fígado envolvidos no ciclo circadiano, que tende a ficar menos eficiente com a idade avançada.

Ao falar sobre o ritmo circadiano, Ana Paula Pinto, pesquisadora que atua junto ao professor Adelino Sanchez Ramos da Silva, da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, explica que se trata de uma espécie de relógio localizado no cérebro que regula diversas funções do corpo durante as 24 horas do dia. Esse relógio responde aos períodos de luz e de escuridão, ajustando temperatura corporal, sono e secreções hormonais, entre outras funções. Nos idosos, esse sistema pode se alterar oferecendo “risco aumentado de doenças como a hipertensão, que é a pressão alta, e diabete”.

Como resultado mais expressivo da pesquisa, a equipe verificou que o envelhecimento diminuiu os níveis do gene Bmal1, que, depois, foram restaurados pelo treinamento físico. O que significa dizer, argumenta Ana Paula, que a atividade física contribui para a regulação adequada do ritmo circadiano, ajustando as funções biológicas do fígado. Outro ponto de destaque do trabalho foi verificar que o exercício físico pode evitar a degeneração das células hepáticas, prevenindo doenças do envelhecimento, como diabete, por exemplo.

O fígado é um órgão central do metabolismo e a Bmal1 “uma das proteínas mais importantes do ciclo circadiano que, no fígado, regula genes responsáveis pelo controle da glicose, síntese de colesterol e metabolismo dos ácidos graxos”, continua a pesquisadora, destacando que a Bmal1 se junta com outra proteína, chamada Clock, para formar “um complexo que se liga ao DNA e ativa a transcrição de outros genes que regulam o ritmo circadiano, que é controlado por genes ‘relógio’ e suas proteínas associadas”. A ativação desses genes e proteínas regula atividades biológicas responsáveis por diversas funções metabólicas, como sono e fome.

Recuperação de proteínas e células degeneradas

Os pesquisadores escolheram o exercício físico combinado (atividade aeróbica e de força) para o treinamento dos animais de laboratório: idosos com 24 meses de vida. O motivo, explica Ana Paula, é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que os adultos com 65 anos ou mais realizem, semanalmente, 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada ou 75 minutos de intensidade vigorosa, bem como dois ou mais dias de atividade de fortalecimento muscular.

Experimentos mostraram que camundongos idosos treinados aumentaram força, coordenação e equilíbrio, melhoraram a sensibilidade à glicose e restauraram os níveis da Bmal1 e dos fatores de transcrição mitocondrial – Gráfico cedido por: Ana Paula Pinto

 

Foram utilizados camundongos idosos (24 meses) e camundongos jovens (6 meses), todos divididos em dois grupos, os sedentários e aqueles que passaram pelo protocolo de treinamento combinado: três dias de exercícios aeróbios (corrida na esteira) e dois dias de exercício de força (subir escada com peso). O treino foi semanal e aplicado por três semanas seguidas.

Ao final do experimento, o fígado dos animais foi removido e submetido a múltiplas análises que identificaram a expressão de genes e proteínas específicas. Além disso, para efeito de comparação, foram analisados também dados públicos de um conjunto de fígados humanos de diversas idades e condições clínicas. Os cientistas analisaram também um modelo experimental de camundongos knockout Bmal1 (animais sem a presença desse gene).

Entre os resultados, a equipe de pesquisadores verificou que os camundongos idosos sedentários apresentaram menor força, coordenação e equilíbrio, bem como diminuição da proteína Bmal1 e presença de células hepáticas degeneradas. Já os idosos treinados aumentaram força, coordenação e equilíbrio, melhoraram a sensibilidade à glicose e restauraram os níveis da Bmal1 e dos fatores de transcrição mitocondrial (genes e proteínas para avaliar a função e integridade das mitocôndrias, fonte de energia celular).

A análise dos mesmos indicadores nos dados humanos mostrou forte relação com doenças hepáticas específicas, não apenas com o envelhecimento. Segundo Ana Paula, provavelmente as alterações observadas nos órgãos dos animais, provocadas pelos exercícios físicos, podem depender de treinamento de longo prazo.

Prevenção de doenças hepáticas

O envelhecimento está associado a grandes alterações estruturais no funcionamento do fígado, como as da homeostase das células do órgão, isto é, às mudanças nos processos fisiológicos coordenados e ajustados pelo fígado ao longo do dia, processos estes responsáveis pelo funcionamento normal do organismo.

O estudo mostra efeitos benéficos da prática de atividade física para o fígado, reduzindo a gordura hepática, contribuindo para o controle glicêmico e para a redução dos danos celulares e das disfunções fisiológicas causadas pelo envelhecimento.

Desta forma, a pesquisadora diz que o treinamento físico combinado representa um fator de prevenção de doenças do fígado, como a esteatose hepática, também conhecida como doença hepática gordurosa ou gordura no fígado. A manutenção da boa saúde do fígado é fundamental para o funcionamento do organismo como um todo, afinal, esse órgão desempenha diversas funções no corpo (como citado acima).

Restauração de parte da força perdida com a idade

A prática de exercícios físicos é, sabidamente, importante para manter uma vida saudável em todas as idades. Para idosos, a OMS recomenda prática de, pelo menos, 150 a 300 minutos semanais de atividade aeróbica moderada ou 75 a 150 minutos semanais, de aeróbica intensa, como forma de ajudar a evitar diversos problemas de saúde, entre elas, doenças cardíacas, obesidade e diabete.

Ana Paula lembra ainda que, de acordo com inúmeros estudos, os exercícios beneficiam a performance física dos idosos: equilíbrio, coordenação motora e força, por exemplo, confirmando que a atividade física é capaz de restaurar parte da força perdida por conta do envelhecimento. Os exercícios de resistência podem recuperar parte da massa muscular esquelética que é perdida com a idade, promovendo qualidade de vida, maior longevidade e independência. Como exemplo desse impacto na melhora da condição física, Ana Paula lembra da redução do número de quedas, uma das principais razões das fraturas ósseas em idosos.

Nos laboratórios da EEFERP, o estudo foi desenvolvido pela equipe do professor Silva, com destaque para Ana Paula e seu colega de pós-doutorado, o pesquisador Vitor Rosetto Munõz, que investiga as alterações metabólicas no processo de envelhecimento e as relações com o exercício físico.

Mais informações: anapp_5@usp.br, com Ana Paula Pinto

*Estagiário sob orientação de Rita Stella

FONTE: Jornal da USP

Estudo revela que mais de 50% dos casos de demência na América Latina são evitáveis

Pesquisa recomenda que intervenções preventivas sejam feitas com urgência, com promoção de mudanças no estilo de vida e acesso a tratamentos médicos

Um estudo inovador conduzido pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e publicado em artigo na revista The Lancet Global Health revelou que 54% dos casos de demência na América Latina são atribuíveis a fatores de risco modificáveis, um índice acima da média mundial de 40%. A pesquisa, liderada por Claudia Kimie Suemoto, professora da disciplina de Geriatria da FMUSP, destaca a urgência de intervenções preventivas na região. Fatores de risco modificáveis são condições que podem ser alteradas no estilo de vida ou com acesso a tratamentos médicos. Ou seja, podem ser prevenidas.

A partir de dados da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Honduras, México e Peru, o estudo analisou medições de 12 fatores: baixa educação, perda auditiva, hipertensão, obesidade, tabagismo, depressão, isolamento social, inatividade física, diabete, consumo excessivo de álcool, poluição do ar e lesão cerebral traumática. Coletadas entre 2015 e 2021, as amostras variaram de 5.995 a 107.907 participantes, com idades a partir dos 18 anos.

“Essa é a primeira vez que uma região inteira tem um estudo tão robusto. Não existe nada parecido na Europa nem na Ásia, que também são conjunções de países, como é a América Latina”, explicou a professora da FMUSP.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente 55 milhões de pessoas têm demência ao redor do mundo e mais de 60% dos casos se concentram em países em desenvolvimento. A instituição calcula que em 2050 esse número aumentará para mais de 150 milhões.

Fatores de risco

Demência resulta de uma variedade de doenças e lesões que afetam o cérebro. A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência e pode contribuir entre 60% e 70% dos casos. A demência não afeta exclusivamente pessoas mais velhas. A OMS estima que até 9% dos casos tiveram início precoce (antes dos 65 anos).

Na América Latina, a pesquisa revelou que os principais fatores de risco são a obesidade, a inatividade física e a depressão. Esses achados têm implicações significativas para estratégias de saúde pública e prevenção de demência direcionadas individualmente. “Esses são fatores relacionados ao estilo de vida e a ideia da análise é isolar cada um para identificar o potencial de prevenção de demência”, detalha Claudia. “Por exemplo, quando a atividade física é realizada de forma regular, melhora a saúde vascular, que promoverá uma melhor nutrição e oxigenação cerebral. A obesidade pode estar relacionada às demências através da promoção de neuroinflamação”, detalhou.

Na Bolívia, a prevalência de baixa escolaridade atingiu 63,5%, enquanto no Brasil foi de 46,7% e em Honduras, 41,8%. A hipertensão foi menos comum na Bolívia (3%) e mais prevalente no Brasil (46,4%). O consumo excessivo de álcool foi menor no Brasil (4,3%) e maior na Argentina (32,8%). O Brasil também apresentou o índice mais baixo no fator isolamento social (1,6%) e a Bolívia o mais alto (64,2%). Honduras teve a maior taxa de tabagismo (86,9%) e Peru a menor (58,3%). Já a poluição do ar foi menos prevalente no Peru (47,6%) e mais comum no Chile (86,2%). Obesidade, depressão e inatividade física foram mais consistentes, exceto no Peru e México, onde a depressão (4,4%) e a inatividade física (17,7%) foram mais baixas.

“As demências possuem um potencial alto de prevenção. Se a gente pensar em termos de porcentagem e de saúde pública, temos exemplos positivos de políticas públicas relacionadas à diminuição da prevalência dos fatores de risco. Na Argentina, a ‘baixa educação’ não é prevalente, por políticas públicas que diminuíram esse índice no passado. Outro ponto importante está relacionado ao tabagismo”, diz a pesquisadora. “Praticamente nenhum país da América Latina apresenta relação atribuível muito alta porque existem políticas há muito tempo inibindo o uso de cigarro, proibindo consumo em ambientes fechados ou com a taxação sobre o produto”, disse a pesquisadora.

Líder de estudos anteriores focados nos fatores de risco modificáveis do Brasil e Argentina, a professora da FMUSP conta que os resultados brasileiros já foram abraçados pelo Ministério da Saúde. “A partir disso, o Ministério está desenvolvendo uma série de campanhas para informar sobre as demências no Brasil, incluindo uma campanha de prevenção”, destaca. “É muito importante que a população entenda que a prevenção de demência começa cedo e quais são os principais fatores de risco. E, também, o que pode ser feito hoje para prevenir a longo prazo”, celebrou a professora da FMUSP.

No Brasil, estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas têm demência, com grande parte dos casos ainda não diagnosticada. A maioria depende do cuidado oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Mais informações: cksuemoto@usp.br, com Claudia Kemi Suemoto

*Assessoria de Comunicação e Imprensa da FMUSP, adaptado por Júlio Bernardes
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Pesquisa ajuda a entender a dor associada a infecções virais

Em experimentos com camundongos, cientistas identificaram um sensor imunológico que ativa neurônios responsáveis pela dor; descoberta abre caminho para novos tratamentos analgésicos

Estudo publicado na revista Brain, Behavior, and Immunity pode ajudar a entender melhor a dor associada a infecções provocadas por vírus e, com isso, abrir caminhos para novos tratamentos analgésicos. O artigo mostra que o reconhecimento de certos ácidos nucleicos, como o DNA viral, por um sensor imunológico chamado Sting – presente nos neurônios responsáveis pela detecção da dor (os nociceptores) – pode ativar um canal conhecido por mediar a sensação de dor.

Analisando camundongos infectados com HSV-1, um vírus “parente” do Varicella-Zoster (causador da catapora e do herpes-zóster), os cientistas constataram que a ausência de Sting nos nociceptores resultou em uma redução significativa da dor, sem afetar a inflamação ou a carga viral.

Esse resultado sugere que a sinalização do sensor imunológico está diretamente ligada à dor, independentemente da inflamação. Os cientistas acreditam que a descoberta pode ser relevante também para outras infecções virais, incluindo o sars-cov-2 (causador da covid-19), cuja interação do vírus com Sting e sua associação com a dor foram recentemente relatadas.

Frequentemente, a dor é um dos indicadores iniciais de uma infecção viral, mas os processos pelos quais ela é induzida ainda têm lacunas para a ciência. As células imunológicas normalmente reconhecem os ácidos nucleicos virais, que ativam os receptores e a sinalização viral, levando à resposta imune. Esses receptores e sinais virais estão presentes nos nociceptores.

“Demonstramos neste artigo que o reconhecimento de partes do vírus, provavelmente o DNA, por Sting, participa do processo de indução de dor. Pelo menos parte dele seria diretamente ligada a uma ativação do neurônio, e não à inflamação. Isso abre várias perspectivas. A grande questão agora é o quanto isso pode tornar o indivíduo mais suscetível”, diz à Agência Fapesp o professor Thiago Mattar Cunha, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP-USP), autor correspondente do artigo juntamente com Temugin Berta, do Centro Médico da Universidade de Cincinnati (Estados Unidos).

Cunha explica que o grupo está pesquisando o papel desse mecanismo na proteção do indivíduo à infecção para buscar tratamentos que evitem a dor, mas não afetem a defesa imunológica.

“A dor sempre foi associada ao processo inflamatório, mas na última década começou a surgir na literatura científica um novo conceito: o de que microrganismos – bactérias e fungos – poderiam ativá-la por meio de seus ‘produtos’. Mais recentemente surgiram evidências de que vírus poderiam ativar neurônios nociceptivos ao expressar alguns receptores, como o Sting. Por isso, começamos a explorar essa via”, lembra o professor, que integra o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (Crid), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp sediado na USP.

Em 2017, Cunha foi coautor de um artigo publicado no Journal of Neuroscience mostrando que mecanismos imunológicos desencadeados pelo vírus Varicella-Zoster, quando ele é reativado, alteram o funcionamento dos neurônios sensitivos e resultam em neuralgia herpética.

À época, uma das contribuições desse trabalho desenvolvido no Crid foi a validação de um modelo animal para o estudo dos mecanismos moleculares envolvidos na dor herpética, o mesmo utilizado na pesquisa agora publicada. Como o Varicella-Zoster não infecta camundongos, o grupo utilizou um microrganismo “parente”, o HSV-1, vírus do herpes simples que, em humanos, pode causar feridas labiais e genitais.

Já o Varicella-Zoster provoca em crianças a catapora (também conhecida como varicela), uma doença infecciosa, altamente contagiosa, mas geralmente benigna, cuja principal característica clínica são lesões na pele que se apresentam como máculas, pápulas, vesículas e crostas, acompanhadas de coceira. Uma vez adquirido o vírus, a pessoa fica imune à catapora, mas ele permanece no organismo, podendo ser reativado na vida adulta e causar o herpes-zóster (cobreiro), que passou a ser reconhecido como infecção frequente em portadores de HIV.

No Brasil, não existem dados consistentes da incidência de varicela, já que somente os casos graves de internação e as mortes são de notificação compulsória. No entanto, o Ministério da Saúde estima que sejam cerca de 3 milhões de casos ao ano. Análise Epidemiológica realizada em maio de 2024 apontou que houve 25.605 internações pelo Varicella-Zoster entre 2013 e 2023 no País, sendo 26% na faixa etária dos 70 aos 79 anos.

Processo

A ativação de Sting tradicionalmente “recruta” uma proteína (a TBK1), que induz a produção de moléculas essenciais na resposta imune, os interferons. No entanto, o estudo mostrou que a inibição de TBK1 reduziu a dor, enquanto o bloqueio de interferons não teve efeito, sugerindo que Sting pode desencadear dor por caminhos independentes.

Por fim, foi demonstrado que a ativação de Sting ativa um canal iônico – TRPV1 – levando à despolarização dos nociceptores. Esse mecanismo pós-transcricional também é novo em relação ao que se conhece sobre a sinalização de Sting.

O artigo STING recognition of viral dsDNA by nociceptors mediates pain in mice pode ser lido aqui.

*Da Agência Fapesp, adaptado para o Jornal da USP
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Glicose alta estimula acúmulo de células nos vasos e aumenta risco de trombose

Uma pesquisa de cientistas do Cepid Redoxoma, sediado no Instituto de Química (IQ) da USP, revelou novos mecanismos pelos quais a hiperglicemia provoca a trombose. Os pesquisadores identificaram uma proteína que, em situações onde há excesso de glicose no sangue, favorece o acúmulo de plaquetas (células sanguíneas) na parede dos vasos, levando à formação de trombos, coágulos que obstruem o fluxo sanguíneo. O estudo pode levar a estratégias direcionadas para prevenir disfunção cardiovascular em pessoas com diabetes ou naquelas que apresentam hiperglicemia prolongada. Os resultados estão em artigo publicado no Journal of Thrombosis and Haemostasis.

“A principal causa de morte na população brasileira e em vários outros países latino-americanos são eventos isquêmicos, doenças cardiovasculares, como infarto e AVC isquêmico, nos quais a trombose arterial é o evento causal precipitante. Essas doenças podem ser desencadeadas por uma série de fatores de risco, como hiperglicemia, dislipidemia e hipertensão”, afirmou Renato Gaspar, que realizou a pesquisa durante o pós-doutorado, sob a supervisão de Francisco Rafael Martins Laurindo, do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do Cepid Redoxoma. Atualmente, Gaspar é professor do Departamento de Medicina Translacional da Universidade de Campinas (Unicamp). “Desses fatores, a hiperglicemia parece se associar de maneira muito importante com as doenças cardiovasculares. Então, a relevância do problema que a gente aborda parte desse ponto”.

A hiperglicemia ocorre quando há um excesso de glicose (açúcar) no sangue e é uma das manifestações do diabetes. Em um artigo publicado em 2022 na revista Plos One, os pesquisadores mostraram que, no Brasil, entre 2005 e 2017, a hiperglicemia foi o fator de risco que mais se associou a mortes por doenças cardiovasculares em comparação a outros fatores modificáveis. Condições de hiperglicemia prolongada estão associadas ao aumento do risco de trombose, ao provocar disfunção endotelial, que promove adesão plaquetária e a formação de trombos, ou coágulos sanguíneos. O endotélio é o revestimento interno dos vasos sanguíneos e plaquetas são células produzidas pela medula óssea que circulam na corrente sanguínea e ajudam o sangue a coagular.

Agora, os pesquisadores mostraram que, na hiperglicemia, a proteína dissulfeto isomerase A1 peri/epicelular (pecPDI) endotelial regula a interação entre as plaquetas e o endotélio, por meio de proteínas relacionadas à adesão e de alterações na biofísica da membrana endotelial. “Mostramos uma via da PDI na célula endotelial que é mediadora da trombose no diabetes em condições de hiperglicemia, envolvendo um mecanismo molecular específico, que foi identificado,” afirma Laurindo. A PDI é uma enzima do retículo endoplasmático, estrutura da célula que sintetiza proteínas e lipídios, também encontrada no meio extracelular, na forma de pecPDI, em vários tipos de células, incluindo plaquetas e células endoteliais. Estudos vêm demonstrando que a pecPDI regula a trombose em vários modelos.

Modificações

Para investigar a relação das plaquetas com o endotélio na hiperglicemia, os pesquisadores criaram um modelo com células endoteliais da veia umbilical humana (HUVECs) cultivadas em diferentes concentrações de glicose. Produziram assim células normoglicêmicas, com níveis normais de glicose, e hiperglicêmicas, com excesso de glicose. A contribuição da proteína dissulfeto isomerase A1 (PDI) foi avaliada usando inibidores de PDI de célula inteira ou de pecPDI. Inicialmente, as células foram incubadas com plaquetas coletadas de pessoas saudáveis. Nas células hiperglicêmicas, as plaquetas aderiram quase três vezes mais do que nas normoglicêmicas. Como a inibição da PDI anulou esse efeito, os pesquisadores concluíram que o processo é regulado pela pecPDI do endotélio.

Para entender melhor o resultado, os cientistas investigaram processos biofísicos, como o remodelamento do citoesqueleto das células endoteliais, e viram que as células hiperglicêmicas tinham fibras mais bem estruturadas do que as células não hiperglicêmicas. Também mediram a produção de peróxido de hidrogênio (H202), substância mediadora da reorganização da adesão celular. Neste caso, as células hiperglicêmicas geraram duas vezes H202.

A etapa seguinte foi investigar se a reorganização do citoesqueleto afetava a rigidez das membranas celulares, pois plaquetas tendem a aderir às superfícies mais rígidas. Com o uso de microscopia de força atômica, comprovaram que as células hiperglicêmicas eram mais rígidas que as normoglicêmicas. Os estudos de microscopia de força atômica foram realizados em colaboração com o grupo da pesquisadora Luciana Magalhães Rebelo Alencar, do Departamento de Física da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). “Foi importante no trabalho abordar aspectos bioquímicos e biofísicos. Eu acho que a gente quase nunca pensa na biofísica, por exemplo, na rigidez de proteínas. Mostrar que a PDI de alguma forma regula essa rigidez na célula endotelial talvez abra uma forma de pensar um pouco além da bioquímica”, afirma Gaspar.

Células normais e hiperglicêmicas com e sem inibidores da proteína pecPDI, que anula o aumento da adesão plaquetária no revestimento dos vasos sanguíneos; células foram incubadas com plasma rico em plaquetas isoladas de doadores saudáveis e as setas indicam agregados plaquetários densos  – Imagem: Reprodução/CEPID Redoxoma

As imagens obtidas por microscopia também mostraram a formação de prolongamentos das células, com vesículas extracelulares que pareciam se separar dos prolongamentos. Essa observação levou os pesquisadores a investigar o conjunto de proteínas secretadas pelas células, o secretoma, para saber se estavam liberando proteínas que pudessem aumentar a adesão plaquetária. “A ideia desse experimento era detectar proteínas que estariam exclusivamente expressas ou presentes em células hiperglicêmicas, e não nos controles ou naquelas tratadas com os inibidores da PDI”, explica o pesquisador do InCor.

Para isso, realizaram estudos de proteômica, identificando as proteínas presentes nas células, em colaboração com o grupo da pesquisadora Graziella Eliza Ronsein, do Instituto de Química (IQ) da USP e do Cepid Redoxoma. No secretoma, encontraram 947 proteínas, das quais selecionaram oito com papel na adesão celular. Eles então diminuíram a expressão gênica de três dessas proteínas usando a ferramenta de RNA de interferência e chegaram a duas proteínas, a SLC3A2 e a LAMC1, como moduladoras da adesão plaquetária. A SLC3A2 é uma proteína ligada à membrana e LAMC1 é a subunidade gama da laminina, um componente-chave da matriz extracelular.

A conclusão foi que a exposição à hiperglicemia induziu a secreção de proteínas específicas relacionadas à adesão e que a inibição da PDI e da pecPDI impediu que as células endoteliais secretassem essas proteínas. A PDI é uma proteína envolvida na formação de trombos. Em estudos anteriores independentes, tanto Gaspar quanto Laurindo mostraram a relação da PDI com a NADPH oxidase 1 (Nox 1) em diferentes situações, inclusive na adesão plaquetária. As Noxs são enzimas que catalisam a redução do oxigênio molecular e participam da geração de outros oxidantes.

Segundo os pesquisadores, já existem ensaios clínicos com inibidores da pecPDI, com foco em doenças como anemia falciforme e trombose associada ao câncer. “Nosso trabalho adiciona a perspectiva de tratamento de uma nova doença, o diabetes. Talvez a gente possa olhar para a prevenção secundária de isquemia no diabetes,” afirmou Gaspar.

Para Laurindo, a perspectiva de que possam existir inibidores específicos da trombose no diabetes inclui não apenas a PDI, mas também as proteínas SLC3A2 e LAMC1 (laminina). “Inibir a LAMC1 é um pouco mais complicado, porque ela é uma proteína que tem várias funções, mas a SLC3A2 seria um alvo potencial e não tem nada na literatura sobre a inibição dessa proteína como um antitrombótico.”

O artigo Endothelial protein disulfide isomerase A1 enhances membrane stiffness and platelet-endothelium interaction in hyperglycemia via SLC3A2 and LAMC1, de Renato S. Gaspar, Álefe Roger Silva França, Percillia Victoria Santos Oliveira, Joel Félix Silva Diniz-Filho, Livia Teixeira, Iuri Cordeiro Valadão, Victor Debbas, Clenilton Costa dos Santos, Mariana Pereira Massafera, Silvina Odete Bustos, Luciana Magalhães Rebelo Alencar, Graziella Eliza Ronsein e Francisco R. M. Laurindo, pode ser lido aqui.

*Texto: Maria Célia Wilder, Cepid Redoxoma. Adaptado por Júlio Bernardes e Luiza Caires

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

“Relógios cerebrais” indicam que envelhecimento neurológico é maior na América Latina

Método usa dados de ressonância magnética funcional e eletroencefalografia para calcular diferença entre idade cerebral e cronológica, associada a risco de doenças neurodegenerativas

Um grupo de 75 pesquisadores de instituições de 15 países identificaram que desigualdades socioeconômicas, poluição e disparidades de saúde estão associados a uma maior idade cerebral, especialmente nas populações da América Latina e Caribe. A pesquisa, que teve a colaboração da USP, usou o método dos “relógios cerebrais” (do inglês, “brain clocks”) para calcular, com base em dados de eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética funcional (RMf) de mais de 5 mil pacientes, a discrepância com a idade cronológica. Os fatores apontados pelo estudo podem levar a um envelhecimento cerebral acelerado e risco aumentado de doenças neurodegenerativas.

Os resultados da pesquisa são apresentados em artigo publicado no site Nature Medicine, do último dia 26 de agosto. “Especificamente, o estudo buscou quantificar a lacuna de idade cerebral, medindo as discrepâncias com a idade cronológica dos participantes, a fim de entender melhor a saúde do cérebro”, explica ao Jornal da USP a neuropsicóloga Maira Okada de Oliveira, uma das pesquisadoras que assinam o artigo, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Foram analisados pacientes na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, Cuba, China, Estados Unidos, Escócia, França, Grécia Inglaterra, Irlanda, Itália e Turquia.

O estudo analisou a diversidade e as disparidades no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas, usando o conceito de “relógios cerebrais”. “Os ‘relógios cerebrais’ servem como indicadores da saúde cerebral e podem refletir os efeitos de vários fatores, incluindo genética, estilo de vida e influências ambientais no envelhecimento”, relata a pesquisadora.

“O trabalho explorou a influência da diversidade, investigando como fatores geográficos, socioeconômicos, sociodemográficos, sexos e neurodegeneração afetam a lacuna de idade cerebral, especialmente em países da América Latina e do Caribe (LAC) em comparação com países de fora da região”, aponta Maira. “Também criou uma arquitetura de ‘deep learning’ que usa interações de alta ordem entre dados de ressonância magnética funcional (RMf) e eletroencefalograma (EEG) para prever lacunas e ser sensível aos impactos da diversidade”.

“Deep learning” é um tipo de aprendizado de máquina que usa algoritmos para processar e interpretar dados em profundidade. “Esse modelo foi desenvolvido para capturar a diversidade e as disparidades no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas”, diz a pesquisadora da USP. “O estudo sugere que, ao integrar dados de diferentes regiões e contextos socioeconômicos, é possível criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral”.

Gráfico mostra como os pesquisadores elaboraram os “relógios cerebrais” baseados em exames de Eletroencefalograma (EEG) e Ressonância Magnética Funcional (RMf) na América Latina e Caribe (LAC) e em outros países fora da região.

 

Fatores de risco

De acordo com a neuropsicóloga, os pesquisadores identificaram fatores de risco associados ao comprometimento cognitivo leve (CCL), à doença de Alzheimer (DA) e à variante comportamental da demência frontotemporal (vcDFT), contribuindo para a caracterização e identificação da disseminação dos processos das doenças. “Esses objetivos visam não apenas aumentar a compreensão do envelhecimento cerebral, mas também fornecer ferramentas que possam ser utilizadas em contextos clínicos para melhorar a detecção e o manejo de doenças neurocognitivas”.

O estudo analisou 5.306 participantes, dos quais 2.953 passaram por ressonância magnética funcional (RMf) e 2.353 por eletroencefalografia (EEG), incluindo 3.509 pessoas saudáveis, 517 com CCL, 828 com DA e 463 com vcDFT. “A pesquisa verificou várias questões, entre elas a lacuna de idade cerebral, calculando a partir dos dados de RMf e EEG, a discrepância com a idade cronológica dos participantes”, descreve Maira. “A aplicação do modelo indica que os participantes da América Latina e Caribe apresentaram idades cerebrais mais velhas em comparação com os de outras regiões”.

“O estudo sugere que desigualdades socioeconômicas, poluição e disparidades de saúde estavam associados a lacunas de idade cerebral aumentadas, especialmente nas populações LAC”, salienta a neuropsicóloga. “Esses fatores podem contribuir para um envelhecimento cerebral acelerado e maior risco de doenças neurodegenerativas”.

Segundo Maira Okada de Oliveira, os pesquisadores recomendam que futuros trabalhos deveriam incluir mais variáveis, como identidade de gênero, status socioeconômico e estratificação étnica, para enriquecer a compreensão do envelhecimento cerebral em populações diversas. “A pesquisa sugere que, ao integrar dados de diferentes regiões e contextos socioeconômicos, é possível criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral”, afirma. “O uso de EEG, que é portátil e mais acessível em comparação com técnicas de imagem como RMf, facilitaria a implementação do modelo em ambientes clínicos, especialmente em regiões com recursos limitados”.

“No futuro, os modelos de lacunas de idade cerebral poderão ser utilizados para estabelecer protocolos globais para o envelhecimento e os transtornos neurocognitivos, permitindo uma abordagem mais personalizada no tratamento e na prevenção dessas condições”, ressalta a pesquisadora. “Essas estratégias contribuirão para a implementação prática dos ‘relógios cerebrais’ na clínica, melhorando a detecção precoce e o manejo de doenças neurodegenerativas”.

O artigo tem como primeiro autor Sebastian Moguilner, da Universidad Adolfo Ibañez (Chile), além de pesquisadores da Universidad de San Andrés (Argentina) e do Massachusetts General Hospital and Harvard Medical School (Estados Unidos). Na USP, o pesquisador principal foi o neurologista Leonel Takada, médico assistente do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FMUSP). Também participaram Renato Anghinah e Luís Almeida Manfrinati, do Centro de Referência em Distúrbios Cognitivos (Ceredic) do HC.

Mais informações: email maira.okada@gmail.com, com Maira Okada de Oliveira

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Pesquisadores buscam melhor atendimento para doença respiratória de alta mortalidade

Programa internacional produzirá indicadores da qualidade do atendimento a pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) nos serviços de saúde da Argentina, Brasil e Peru; doença é quarta causa de morte no continente

Em conjunto com pesquisadores da Universidade de Birmingham (Reino Unido), da Universidad Científica del Sur do Peru e da Universidad de Buenos Aires (Argentina), pesquisadores da USP estão lançando projeto que ajudará a identificar e tratar pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) nesses três países. Trata-se do projeto Breathe Well South America, financiado pelo National Institute for Health and Care Research (NIHR) com o objetivo abordar o acesso deficiente e desigual a cuidados de saúde primários de qualidade para pacientes com DPOC.

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica é a quarta causa de morte no continente e afeta desproporcionalmente as pessoas que vivem na pobreza e, mais importante ainda, pelo menos três quartos dos casos permanecem sem diagnóstico, portanto, sem tratamento. Desde o último mês de julho, o programa vem avaliando a qualidade atual dos cuidados primários para DPOC nesses países (Argentina, Peru e Brasil). No território brasileiro, a pesquisa ocorrerá na região do Butantã, no munícipio de São Paulo (SP), e nas cidades de São Bernardo do Campo (SP), Manaus (AM) e Alcântara (MA).

O líder do projeto no Brasil é o professor Paulo Andrade Lotufo, da Faculdade de Medicina (FMUSP) e Superintendente de Saúde da USP. “Os resultados do Breathe Well permitirão melhorar muito o atendimento à população com doenças respiratórias na atenção primária à saúde, com resultados que serão inéditos em populações indígenas e quilombolas”, destaca.

Indicadores

Os investigadores irão então desenvolver um conjunto de indicadores de qualidade da DPOC e uma identificação e via de tratamento para pacientes com DPOC na atenção primária. Eles testarão a viabilidade destes em diferentes ambientes e modelarão a relação custo-eficácia, além do impacto potencial das desigualdades na saúde.

Através destas atividades de capacitação, o programa visa desenvolver uma infraestrutura de investigação sustentável e de líderes, a fim de fornecer investigação sobre DPOC de alta qualidade no futuro. Isto incluirá a formação de indivíduos numa série de competências e métodos genéricos, clínicos e de investigação.

Os investigadores desenvolverão um envolvimento sustentável com membros da comunidade, líderes clínicos e partes interessadas políticas, para garantir que o estudo esteja enraizado nas necessidades locais, nacionais e regionais, com caminhos claros para impactar a saúde e os cuidados de saúde. Irão também colaborar com as partes interessadas em todos os níveis para garantir que os resultados da investigação sejam postos em prática e para explorar oportunidades para estudos futuros.

Mais informações: e-mail cpce@hu.usp.br

*Do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP, adaptado para o Jornal da USP

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Microplástico é detectado no cérebro humano pela primeira vez

Com efeitos ainda desconhecidos, o polipropileno usado em roupas, embalagens e garrafas foi o tipo mais comum encontrado, com a inalação como provável forma de acesso via bulbo olfatório

Pela primeira vez, pesquisadores encontraram microplástico no cérebro humano. O estudo, feito na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) em parceria com a Universidade Livre de Berlim e com o apoio do Laboratório Nacional de Luz Nacional de Luz Synchronton (LNLS), em Campinas, analisou o cérebro de 15 pessoas falecidas que moravam em São Paulo. Em oito deles foram encontrados resíduos como fibras e partículas de plástico. Estas pessoas não tinham contato com a indústria de produção do material, afirmam os pesquisadores, e o polipropileno foi o tipo mais comum encontrado. Ele é usado em roupas, embalagens de alimentos e garrafas e pneus, que liberam partículas que são inaladas ao respirarmos.

Os resíduos consistem em minúsculos fragmentos de plástico menores que 5 milímetros provenientes da decomposição e outros processos que os transformam nesses micropedaços, e os encontrados no estudo são particulas entre 5.5 a 26.4 nanômetros.  Eles também já foram encontrados em órgãos como pulmões, no sistema reprodutivo e até na corrente sanguínea dos seres humanos. A presença no órgão do sistema nervoso chama atenção por ele ser “um dos mais protegidos do corpo humano devido à barreira hematoencefálica [estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue]”, explica a líder do trabalho e professora da FMUSP, Thais Mauad. O objetivo do estudo era justamente verificar se esse material conseguia chegar até o cérebro.

O artigo publicado no Journal of the American Medical Association (Jama), uma das mais importantes revistas acadêmicas de saúde, indica a via olfativa como uma das prováveis rotas de entrada dos microplásticos no cérebro, uma vez que foram identificados fragmentos dessas partículas no bulbo olfatório, a área responsável por processar odores. Enquanto isso, a via sanguínea ainda deve ser estudada para analisar a capacidade desses materiais passarem a barreira hematoencefálica.

O bulbo olfativo, conjunto de células nervosas na região nasal, é indicado como provável via de entrada dos microplásticos – Imagem: IB-UNESP adaptada do National Institute of Environmental Health Sciences

Possíveis riscos à saúde

Apesar de pesquisas já apontarem efeitos prejudiciais à saúde da presença desses resíduos em outros sistemas, a exemplo de um importante estudo que identificou um risco quatro vezes maior de problemas cardíacos graves e morte em pessoas com o coração contaminado, ainda faltam mais evidências para determinar os efeitos do microplástico no sistema nervoso.

Além dos danos cardíacos, a exposição contínua aos microplásticos e seus aditivos químicos está associada a uma série de outras consequências graves para a saúde humana, como distúrbios endócrinos e redução da fertilidade.

Ainda assim, pesquisas iniciais em animais como camundongos sugerem que o microplástico é neurotóxico, levando a alterações no comportamento, lesão celular e até modificações de enzimas que são importantes para os neurotransmissores (moléculas responsáveis pela comunicação entre neurônios). Essas consequências são preocupantes porque  “provavelmente, as partículas se acumulam no nosso corpo, já que são materiais não degradáveis pelas nossas enzimas, o que pode levar ao acúmulo ao longo do tempo”, como explica Thais Mauad, o que agrava os possíveis riscos.

As partículas podem assim ser internalizadas pelas células e interferir em seu metabolismo, o que eleva os riscos à saúde, principalmente em crianças com o cérebro em desenvolvimento – o que pode causar alterações irreversíveis na fase adulta. Com isso, a pesquisadora faz um alerta para proteger o desenvolvimento infantil:

É importante evitar o contato de crianças com brinquedos de plástico, especialmente aquelas que colocam os objetos na boca. Não sabemos exatamente o que, além do plástico, pode estar presente, como os aditivos que dão características secundárias ao material.

Os brinquedos de plástico são vistos pela pesquisadora como um risco para o desenvolvimento na primeira infância – Foto: Freepik

Proteger a saúde e o meio ambiente

Esses resultados chamam atenção às consequências do uso do plástico na nossa sociedade. Mais de 500 milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente, e mais de 4 mil produtos químicos utilizados na fabricação de plásticos são considerados perigosos para a saúde e o meio ambiente, de acordo com o GreenPeace, indicando a necessidade de diminuição do consumo deste produto.

O estudo, apoiado pela Plastic Soup Foundation, uma organização ambiental dedicada ao combate à poluição plástica, reforça a necessidade de medidas globais urgentes. Com as negociações finais do Tratado Global de Plásticos da ONU marcadas para novembro, na Coreia do Sul, a comunidade científica pede que os formuladores de políticas ouçam a ciência e ajam para proteger a saúde humana e o meio ambiente.

O papel das instituições de pesquisa deve se dar também pelo exemplo, diz a médica, ao mencionar eventos na Universidade em que as bebidas são servidas em copos de plástico. “Acho que, primeiro, é necessário conscientizar a sociedade, incluindo a própria Universidade, que ainda tem práticas frágeis nesse sentido”, alerta ela.

Conscientizar a sociedade a começar a se preocupar mais com o assunto é relevante principalmente para pressionar a indústria, especialmente a do plástico. “A indústria plástica costuma jogar a culpa no consumidor, dizendo que ele é responsável por reciclar. Mas sabemos que grande parte dos plásticos não é reciclável. Toda a cadeia do plástico não é sustentável nem circular”, conclui.

O artigo científico publicado em 16 setembro na revista Jama tem Luis Fernando Amato-Lourenço, da Universidade Livre de Berlim, como primeiro autor, e pode ser acessado neste link.

Mais informações: e-mail imprensa@fm.usp.br

*Estagiário com orientação de Luiza Caires
**Estagiários sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Chumbo é encontrado no leite humano e associado a problemas no desenvolvimento de bebês

Estudo avaliou a contaminação por metais no leite humano e sua associação com o desenvolvimento neuropsicológico em crianças de três a 16 meses

Estudo desenvolvido pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em parceria com outras instituições mostrou que há contaminação por chumbo no leite humano e ela pode estar associada ao atraso no desenvolvimento da linguagem de bebês.

O leite humano continua a ser o mais recomendado para alimentação no início da primeira infância, mas a contaminação ambiental de quem amamenta – a que provém do ambiente, seja ar, água ou alimento – é um alerta aos governantes sobre os riscos da poluição por diversas atividades humanas.

A pesquisa, feita com 185 bebês da cidade de São Paulo, investigou a presença de metais no alimento e  possível relação com problemas no neurodesenvolvimento. Os pesquisadores puderam identificar arsênio, mercúrio e chumbo no leite, mas focaram as avaliações na presença de chumbo e seus impactos para o desenvolvimento. Muito utilizado na indústria siderúrgica, no agronegócio em fertilizantes e emitido por carros e queimadas, o chumbo contamina e polui os solos, as reservas de água e o ar. O metal pesado não desempenha processo fisiológico algum no organismo humano. Ao invés disso, ele é conhecido amplamente como neurotóxico, devido à sua capacidade de passar pela barreira hematoencefálica, estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue.

“[A contaminação] pode comprometer principalmente os astrócitos, que são células de suporte aos neurônios que fornecem tanto estrutura quanto energia. Quando não estão funcionando bem, como no caso de mitocôndrias comprometidas e metabolismo de gorduras alterado pela substituição de cálcio por chumbo, o neurônio funciona de forma diferente. Ele também altera a liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica, como acetilcolina, GABA [ácido gama-aminobutírico] e glutamato”, explica Nathalia Ferrazzo Naspolini, nutricionista que realiza pós-doutorado no ICB e é a primeira autora do artigo.

A fenda sináptica é o espaço entre o terminal de um neurônio pré-sináptico (terminação do axônio) e a membrana de outro neurônio pós-sináptico (dendritos) ou uma célula-alvo. Esse espaço contém fluído extracelular, moléculas e íons importantes para o processo de comunicação entre neurônios (processo conhecido como sinapse), como os citados por Nathália.

Essa alteração nos níveis desses neurotransmissores na fenda sináptica pode levar a um declínio na habilidade linguística e de cognição”, detalha.

O método Bayley-III utilizado pelo estudo avalia marcos de desenvolvimento, como engatinhar ou balbuciar – Foto: Reprodução/Freepik

Avaliação do atraso na linguagem

A pesquisa realizou o teste Bayley-III para avaliação dos marcos de desenvolvimento, aplicado por psicólogos do Projeto Germina, uma iniciativa colaborativa sem fins lucrativos composta de 15 grupos de pesquisa de diferentes áreas do conhecimento da USP que estuda o desenvolvimento e a primeira infância. Eles avaliaram o desenvolvimento dos bebês em três períodos diferentes: o primeiro com 3 meses, o segundo entre 5 e 9 meses e o terceiro entre 10 e 16 meses, e constatou-se um atraso no desenvolvimento da linguagem relacionado ao leite contaminado.

“A criança com certo número de meses já deve sentar, já deve engatinhar. Existem esses marcos, e eles vão verificando isso a cada seis meses. O que testamos foi o Bayley-III, que avaliou domínios de cognição, linguagem, memória e capacidade motora. O único afetado foi o de linguagem. Por exemplo, em uma criança muito pequena, isso pode se manifestar como o início tardio do balbucio, que é um primeiro passo no processo de linguagem. Conforme a criança cresce, ela começa a fazer mais coisas, e isso vai mudando com o tempo”, detalha a pesquisadora.

Nathalia Naspolini ainda chama a atenção para o fato de que a maioria dos voluntários que participou do estudo é de média para alta renda. “Se nessas pessoas encontramos contaminação, em pessoas de baixa renda, que são mais expostas à contaminação ambiental, poderíamos encontrar níveis mais altos”, preocupa-se.

“Aqui [no Hospital das Clínicas da USP] encontramos que 30% das amostras tinham níveis [de chumbo] detectados, enquanto em estudo da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado com amostras de pessoas de baixa renda, mais de 90% do material estava contaminado”, conta a pesquisadora que fez seu doutorado na Fiocruz, no Rio de Janeiro, também com a avaliação da exposição a poluentes ambientais, mas durante o período perinatal e na microbiota dos nascidos.

 

Alimentação com leite humano é o mais recomendado por profissionais da saúde para desenvolvimento na primeira infância – Foto: Reprodução/Freepik

Proteger o desenvolvimento infantil

Apesar dos resultados, a orientadora da pesquisa e professora do ICB, Carla Taddei, destaca que “não podemos afirmar que o leite humano é ruim”. Sua linha de pesquisa é toda baseada em microbiota humana e ela busca, junto com Nathália, mecanismos de defesa desses bebês em exposição a partir dessas bactérias.

“Já sabemos pela literatura que existe um processo chamado biorremediação, em que, por exemplo, bactérias são usadas para recuperar um ambiente contaminado, como uma lagoa com problemas ambientais. O metabolismo bacteriano ajuda a limpar a lagoa, restaurando o ecossistema. Isso é algo muito conhecido na ciência, na pecuária e na agricultura”, explica a professora.

Se esse processo ocorre na natureza, é provável que também aconteça no ser humano. Alguns estudos em animais mostram que, ao tratar o animal com probióticos, como o lactobacilo, é possível remover metais do organismo. Embora isso ainda seja pouco discutido na prática humana, pois seria complicado testar a contaminação em humanos, é uma observação que Carla pôde fazer nos seus vários anos pesquisando microbiota.

“Embora encontremos leite humano contaminado, será que a microbiota do bebê não está agindo para oferecer uma proteção biológica, evitando níveis maiores de contaminação? Ainda precisamos de muitos estudos para responder a isso, mas também devemos explorar a possibilidade de distribuir probióticos para essas populações mais afetadas, se comprovado esse processo”, conclui.

O artigo Lead contamination in human milk affects infants’ language trajectory: results from a prospective cohort study foi publicado na revista Frontiers in Public Health.

Mais informações: e-mail nfnaspolini@gmail.com, com Nathalia Ferrazzo Naspolini.

*Estagiário com orientação de Luiza Caires

FONTE: Jornal da USP