Treino físico pode recuperar funções do fígado em idosos

Combinação de exercícios aeróbicos e de força restaurou a expressão do gene Bmal1 que estava diminuída no fígado de camundongos idosos

Uma pesquisa recente, publicada na revista científica Life Sciences, mostra que, em camundongos idosos, além de força, coordenação e equilíbrio, a rotina de exercício físico melhora a sensibilidade à glicose e restaura a expressão do gene Bmal1, uma das proteínas mais importantes do ciclo circadiano (o “relógio biológico”). No fígado, ela controla a glicose, o colesterol e o metabolismo dos ácidos graxos.

O estudo, conduzido em animais, reuniu pesquisadores das três universidades públicas paulistas, USP, Unesp e Unicamp, além da norte-americana Tufts University (Massachusetts), para analisar os efeitos do envelhecimento e do exercício físico nos genes e proteínas do fígado envolvidos no ciclo circadiano, que tende a ficar menos eficiente com a idade avançada.

Ao falar sobre o ritmo circadiano, Ana Paula Pinto, pesquisadora que atua junto ao professor Adelino Sanchez Ramos da Silva, da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, explica que se trata de uma espécie de relógio localizado no cérebro que regula diversas funções do corpo durante as 24 horas do dia. Esse relógio responde aos períodos de luz e de escuridão, ajustando temperatura corporal, sono e secreções hormonais, entre outras funções. Nos idosos, esse sistema pode se alterar oferecendo “risco aumentado de doenças como a hipertensão, que é a pressão alta, e diabete”.

Como resultado mais expressivo da pesquisa, a equipe verificou que o envelhecimento diminuiu os níveis do gene Bmal1, que, depois, foram restaurados pelo treinamento físico. O que significa dizer, argumenta Ana Paula, que a atividade física contribui para a regulação adequada do ritmo circadiano, ajustando as funções biológicas do fígado. Outro ponto de destaque do trabalho foi verificar que o exercício físico pode evitar a degeneração das células hepáticas, prevenindo doenças do envelhecimento, como diabete, por exemplo.

O fígado é um órgão central do metabolismo e a Bmal1 “uma das proteínas mais importantes do ciclo circadiano que, no fígado, regula genes responsáveis pelo controle da glicose, síntese de colesterol e metabolismo dos ácidos graxos”, continua a pesquisadora, destacando que a Bmal1 se junta com outra proteína, chamada Clock, para formar “um complexo que se liga ao DNA e ativa a transcrição de outros genes que regulam o ritmo circadiano, que é controlado por genes ‘relógio’ e suas proteínas associadas”. A ativação desses genes e proteínas regula atividades biológicas responsáveis por diversas funções metabólicas, como sono e fome.

Recuperação de proteínas e células degeneradas

Os pesquisadores escolheram o exercício físico combinado (atividade aeróbica e de força) para o treinamento dos animais de laboratório: idosos com 24 meses de vida. O motivo, explica Ana Paula, é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que os adultos com 65 anos ou mais realizem, semanalmente, 150 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada ou 75 minutos de intensidade vigorosa, bem como dois ou mais dias de atividade de fortalecimento muscular.

Experimentos mostraram que camundongos idosos treinados aumentaram força, coordenação e equilíbrio, melhoraram a sensibilidade à glicose e restauraram os níveis da Bmal1 e dos fatores de transcrição mitocondrial – Gráfico cedido por: Ana Paula Pinto

 

Foram utilizados camundongos idosos (24 meses) e camundongos jovens (6 meses), todos divididos em dois grupos, os sedentários e aqueles que passaram pelo protocolo de treinamento combinado: três dias de exercícios aeróbios (corrida na esteira) e dois dias de exercício de força (subir escada com peso). O treino foi semanal e aplicado por três semanas seguidas.

Ao final do experimento, o fígado dos animais foi removido e submetido a múltiplas análises que identificaram a expressão de genes e proteínas específicas. Além disso, para efeito de comparação, foram analisados também dados públicos de um conjunto de fígados humanos de diversas idades e condições clínicas. Os cientistas analisaram também um modelo experimental de camundongos knockout Bmal1 (animais sem a presença desse gene).

Entre os resultados, a equipe de pesquisadores verificou que os camundongos idosos sedentários apresentaram menor força, coordenação e equilíbrio, bem como diminuição da proteína Bmal1 e presença de células hepáticas degeneradas. Já os idosos treinados aumentaram força, coordenação e equilíbrio, melhoraram a sensibilidade à glicose e restauraram os níveis da Bmal1 e dos fatores de transcrição mitocondrial (genes e proteínas para avaliar a função e integridade das mitocôndrias, fonte de energia celular).

A análise dos mesmos indicadores nos dados humanos mostrou forte relação com doenças hepáticas específicas, não apenas com o envelhecimento. Segundo Ana Paula, provavelmente as alterações observadas nos órgãos dos animais, provocadas pelos exercícios físicos, podem depender de treinamento de longo prazo.

Prevenção de doenças hepáticas

O envelhecimento está associado a grandes alterações estruturais no funcionamento do fígado, como as da homeostase das células do órgão, isto é, às mudanças nos processos fisiológicos coordenados e ajustados pelo fígado ao longo do dia, processos estes responsáveis pelo funcionamento normal do organismo.

O estudo mostra efeitos benéficos da prática de atividade física para o fígado, reduzindo a gordura hepática, contribuindo para o controle glicêmico e para a redução dos danos celulares e das disfunções fisiológicas causadas pelo envelhecimento.

Desta forma, a pesquisadora diz que o treinamento físico combinado representa um fator de prevenção de doenças do fígado, como a esteatose hepática, também conhecida como doença hepática gordurosa ou gordura no fígado. A manutenção da boa saúde do fígado é fundamental para o funcionamento do organismo como um todo, afinal, esse órgão desempenha diversas funções no corpo (como citado acima).

Restauração de parte da força perdida com a idade

A prática de exercícios físicos é, sabidamente, importante para manter uma vida saudável em todas as idades. Para idosos, a OMS recomenda prática de, pelo menos, 150 a 300 minutos semanais de atividade aeróbica moderada ou 75 a 150 minutos semanais, de aeróbica intensa, como forma de ajudar a evitar diversos problemas de saúde, entre elas, doenças cardíacas, obesidade e diabete.

Ana Paula lembra ainda que, de acordo com inúmeros estudos, os exercícios beneficiam a performance física dos idosos: equilíbrio, coordenação motora e força, por exemplo, confirmando que a atividade física é capaz de restaurar parte da força perdida por conta do envelhecimento. Os exercícios de resistência podem recuperar parte da massa muscular esquelética que é perdida com a idade, promovendo qualidade de vida, maior longevidade e independência. Como exemplo desse impacto na melhora da condição física, Ana Paula lembra da redução do número de quedas, uma das principais razões das fraturas ósseas em idosos.

Nos laboratórios da EEFERP, o estudo foi desenvolvido pela equipe do professor Silva, com destaque para Ana Paula e seu colega de pós-doutorado, o pesquisador Vitor Rosetto Munõz, que investiga as alterações metabólicas no processo de envelhecimento e as relações com o exercício físico.

Mais informações: anapp_5@usp.br, com Ana Paula Pinto

*Estagiário sob orientação de Rita Stella

FONTE: Jornal da USP

Contagem de células prevê sobrevida no câncer de fígado

Os índices inflamatórios baseados em contagem de células sanguíneas podem ser uma opção para prever a evolução de pacientes com câncer de fígado avançado, revela pesquisa do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). A análise dos dados de pacientes tratados com terapia medicamentosa mostrou que o índice que relaciona a contagem de dois subtipos de células de defesa do sangue, os neutrófilos e os linfócitos, está associado à sobrevida do portador da doença. As conclusões da pesquisa estão em artigo na revista Molecular and Clinical Oncology.

“O tipo de câncer analisado foi o carcinoma hepatocelular, ou câncer de fígado”, explica ao Jornal da USP o pesquisador Leonardo Gomes da Fonseca, do HC e do Icesp, autor do trabalho. “É a sexta neoplasia mais incidente no mundo, com aproximadamente 900 mil casos novos por ano, e a terceira mais letal, com cerca de 830 mil mortes. No Brasil, a incidência é de 4,5 casos por 100 mil habitantes.”

Segundo o pesquisador, existem outros métodos para prever a sobrevida dos pacientes. “O mais comum na rotina médica é fazer um exame de imagem do tipo tomografia”, relata. “Se há crescimento do tumor, é um sinal de pior sobrevida, se há redução, é um indício de melhor sobrevida.”

A pesquisa analisou 373 pacientes com câncer de fígado avançado. “Todos eles tinham diagnóstico de carcinoma hepatocelular fora das possibilidades de tratamento curativo e indicação de tratamento medicamentoso, com objetivo de aumentar a sobrevida. O medicamento que os pacientes utilizaram foi o sorafenibe”, relata Fonseca. “Nós verificamos quais características são preditoras de melhor ou pior sobrevida, incluindo o impacto de índices inflamatórios medidos facilmente na prática clínica através de exames de rotina, como a razão entre a contagem de neutrófilos e linfócitos. Este índice é um marcador de estado inflamatório sistêmico.”

Sobrevida

“Os neutrófilos e linfócitos são dois subtipos de leucócitos, ou glóbulos brancos, células que circulam no sangue e têm diferentes funções ligadas ao nosso sistema imunológico, como a defesa contra infecções”, observa o pesquisador. “Eles também parecem participar da reação imunológica relacionada ao câncer. Por exemplo, os linfócitos podem ser ativados e destruir células tumorais; os neutrófilos ativariam uma inflamação que facilita a progressão do câncer. Por essa razão, ambos têm relação com a sobrevida do paciente.”

Neutrófilos e linfócitos são células ligadas ao sistema imunológico que circulam no sangue e também parecem participar da resposta ao câncer; linfócitos podem destruir células tumorais e inflamação de neutrófilos ativaria progressão da doença – Imagem: Freepik

O estudo verificou que a principal causa de câncer de fígado entre a população estudada é a infecção pelo vírus da hepatite C, seguida por hepatite B, álcool e doença hepática gordurosa. “Nós concluímos também que a razão entre a contagem de neutrófilos e linfócitos é capaz de predizer a sobrevida dos pacientes, quando medida no início do tratamento”, destaca Fonseca. “Quando o índice se encontra elevado, a sobrevida é menor. Além disso, as mudanças dinâmicas desta razão no primeiro mês de tratamento melhoram a capacidade preditiva do índice.”

“Concluímos que os índices inflamatórios podem auxiliar o médico na definição prognóstica, além de servir como base para desenho de estudos futuros direcionados a subgrupos de pacientes com carcinoma hepatocelular com diferentes riscos de mortalidade”, aponta o pesquisador. “Estes achados sugerem que há uma provável interação entre tratamento, sistema imunológico e o câncer, que impacta nos desfechos dos pacientes.”

A pesquisa foi orientada pelo professor Flair José Carrilho, da FMUSP. As conclusões do estudo são relatadas no artigo Early variation of inflammatory indexes refines prognostic prediction in patients with hepatocellular carcinoma under systemic treatment, publicado em 21 de fevereiro.

Mais informações: e-mail l.fonseca@fm.usp.br, com Leonardo Gomes da Fonseca

Fonte: Jornal da USP