Religião e espiritualidade influenciam índices de qualidade de vida

A influência da religiosidade e espiritualidade na saúde e qualidade de vida de indivíduos é foco de interesse da sociedade há décadas. Enquanto muitos acreditam em benefícios da crença como forma complementar de tratamentos, outros enxergam nela prejuízos para os métodos da medicina tradicional. Nos últimos anos aumentou o número de pesquisas que pretendem resultados mais específicos sobre o tema. Apesar de ainda ser uma área com escassez de publicações objetivas a respeito da aplicabilidade clínica de intervenções religiosas e espirituais, alguns resultados e conclusões já podem ser analisados e pretendidos como padrões.

Nesse contexto se insere o artigo, produzido na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Avaliação da Prática de Terapia Complementar Espiritual/Religiosa em Saúde Mental, de Juliane P. de Bernardin Gonçalves, Giancarlo Lucchetti, Frederico C. Leão, Paulo R. Menezes e Homero Vallada, que analisa estudos já publicados, a fim de encontrar semelhanças entre suas conclusões, juntar os resultados em uma técnica estatística e, então, contribuir para a evolução da pesquisa na área.

As publicações analisadas estudam as intervenções espirituais e religiosas – as IERs – e suas influências na saúde e qualidade de vida, principalmente de pacientes crônicos, mas também de profissionais da saúde e indivíduos saudáveis. Trata-se, porém, de estudos muito heterogêneos, o que, segundo a pesquisadora Juliane Gonçalves, dificulta a sumarização dos dados encontrados numa metanálise. Na maioria dos dados analisados – qualidade de vida, dor, sobrepeso – foi possível somente uma comparação descritiva dos resultados.

Por trabalhar com conceitos amplos, a pesquisa escolheu seguir uma linha de pensamento que define a espiritualidade como valores morais, crença em uma “força maior”, sem a necessidade de alguma filiação religiosa, podendo incluir grupos religiosos específicos e até indivíduos ateus e agnósticos; e a religião como “ligação com o sagrado ou transcendental através de um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos”, como o catolicismo, judaísmo ou islamismo.

 

 

As IERs analisadas se davam, entre outras formas, através de grupos de oração, troca interpessoal, discussões sobre valores morais e éticos, psicoterapia, intervenções com áudio ou vídeo e serviços pastorais. Os estudos comparavam, então, as IERs com técnicas complementares já reconhecidamente benéficas, como meditação tradicional, propostas educativas, yoga e tai chi chuan.

Os resultados obtidos revelaram que as intervenções têm, na maioria dos casos, efeitos ainda mais benéficos dos que os já conhecidos na qualidade de vida dos indivíduos. As IERs estão associadas a redução dos sintomas de ansiedade em pacientes e do nível de estresse e exaustão emocional em profissionais da saúde, diminuição na intensidade do consumo de drogas e nos sintomas de depressão.

Efeito placebo?

Questionada a respeito do “efeito placebo” dessas intervenções, ou seja, efeitos psicológicos que interferem nas respostas do organismo ao tratamento pela crença do paciente, Juliane disse que não é possível precisar a porcentagem desse efeito no resultado das intervenções. Isso porque se trata de ensaios clínicos nos quais há participação e consciência do paciente sobre a técnica aplicada em seu tratamento.

Em testes de efeito placebo em casos de hipertensão, por exemplo, o paciente não sabe qual intervenção recebeu (medicamento placebo ou com princípios ativos): é a prática chamada de “duplo cego”, impossível nos casos das IERs. Isso não diminui, porém, a validade da pesquisa, já que analisa artigos baseados em metodologias mundialmente reconhecidas. Ainda assim, a pesquisadora garante que esses efeitos existem e são importantes fatores de influência.

Juliane conta, ainda, que outras pesquisas publicadas validam os argumentos dos que veem a religiosidade e a espiritualidade como algo prejudicial.

Respostas negativas ao tratamento são observadas quando se encara a religião de forma punitiva, como se a doença fosse um castigo divino ou uma forma de pagar pelos pecados cometidos. Nesses casos, a crença pode contribuir para o aumento nos índices de ansiedade, depressão e até de mortalidade.

A literatura que trata da religião e da espiritualidade na saúde ainda dá seus primeiros passos. Muitas questões, inclusive metodológicas, seguem sem respostas. O que se sabe é que o campo avança nas pesquisas e que elas, via de regra, indicam para consequências positivas de intervenções desse tipo na qualidade de vida dos indivíduos.

Mais informações: e-mail juliane.pbg@usp.br

FONTE: Jornal da USP

Depressão e ansiedade: projeto de telepsicoterapia oferece ajuda

Diante do contexto da pandemia de covid-19, o número de quadros de ansiedade e depressão aumentou entre crianças e adolescentes. Com dificuldades na adaptação às aulas presenciais e o estresse diário com a falta de socialização, o desenvolvimento mental dos jovens foi prejudicado e a busca por atendimentos cresceu. Para suprir a necessidade de tratamento durante a emergência sanitária, o Projeto Jovens na Pandemia utiliza a internet como ferramenta na psicoterapia e na compreensão de estratégias para oferecer ajuda.

A telepsicoterapia, tratamento psicológico por meio digital, é o método utilizado pelo projeto para ofertar o serviço aos pacientes. “Desenvolvemos um protocolo de psicoterapia baseado em técnicas cognitivas e técnicas comportamentais que estão presentes nas terapias presenciais que nós sabemos que funcionam”, explica  Guilherme Polanczyk, professor do Departamento de Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP.

Situação preocupante

Além disso, a escassez de serviços de saúde mental no País e o crítico índice de crianças e adolescentes com transtornos psicológicos merece atenção do público, na opinião de Polanczyk: “A situação nas escolas, nos consultórios e ambulatórios de saúde mental de crianças e adolescentes é uma situação preocupante”.

Para ele, as consequências do isolamento e do ambiente em que vivem são fatores que influenciam nas mudanças no comportamento dos jovens, pois são “alterações que podem ser muito inespecíficas e que, realmente, em uma avaliação especializada, é possível detectar que existe um quadro de depressão ou de ansiedade ou de outra situação”. Essas alterações podem incluir sintomas de insônia, dificuldade em respirar, vontade de chorar e desinteresse.

Por meio da elaboração de um protocolo e de testes, “a psicoterapia segue estratégias bem estruturadas, cognitivas e comportamentais, e tem um componente também de vídeos educativos” no tratamento de pacientes. O acesso ao serviço é gratuito para todos os jovens do País e também busca auxiliar as famílias no processo. “É feita essa primeira conversa para avaliar se é uma criança que tem esses critérios para estar incluído no estudo. Então, (ela) participa de uma forma voluntária e do estudo por seis semanas”, complementa.

Emergência da saúde mental

A primeira etapa do projeto foi um estudo de monitoração da saúde mental das crianças e adolescentes em todo o País entre 2020 e 2021. “Identificamos que uma em cada três crianças e adolescentes apresentava esses níveis clínicos”, o que requer pelo menos uma avaliação, de acordo com ele. O agravamento destes casos nos Estados Unidos levou a Associação Americana de Pediatria a declarar emergência de saúde mental das crianças em outubro de 2021.

FONTE: Jornal da USP

No futuro, tratamento contra o câncer deve combinar dois tipos de imunoterapia

A imunoterapia contra o câncer é, atualmente, uma das abordagens mais eficazes para o tratamento de pacientes. Nela, as células cancerígenas são combatidas pelo próprio sistema imunológico do organismo. Apesar do sucesso clínico, nem todas as pessoas respondem satisfatoriamente a esse tipo de intervenção ou, se respondem, apresentam apenas respostas de curto prazo, além de muitos efeitos colaterais.

Mas uma revisão sistemática da literatura, realizada por Rafaela Rossetti, doutoranda pelo Programa de Oncologia Clínica, Células-Tronco e Terapia Celular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, observou que a combinação de dois tratamentos (conhecidos como bloqueio do checkpoint imunológico e transferência adotiva de células T geneticamente modificadas) pode trazer resultados promissores.

O artigo Combination of genetically engineered T cells and immune checkpoint blockade for the treatment of cancer foi publicado em janeiro de 2022 no jornal Immunoterapy Advances.

“Esses estudos fornecem ensinamentos sobre possíveis abordagens para potencializar a atuação das células do sistema imunológico contra o câncer, tornando-as mais resistentes aos mecanismos imunossupressores [que reduzem a atividade desse sistema] impostos pelo microambiente tumoral”, explica Rafaela Rossetti ao Jornal da USP.

Já as T-CARs são células T geneticamente modificadas em laboratório para produzir um tipo de proteína conhecida como CAR (que significa Receptor de Antígeno Quimérico) antes de serem cultivadas e “devolvidas” à pessoa doente. Existem seis produtos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) –  agência de regulação americana para medicamentos – para uso clínico e disponíveis no mercado.

“O uso dessas células tem fornecido resultados impressionantes para o tratamento de câncer no sangue. Por outro lado, ainda existem limitações na sua eficácia contra tumores sólidos”, afirma Lucas Eduardo Botelho, coordenador do Laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto e pesquisador associado do Centro de Terapia Celular (CTC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

“A ineficiência se deve, em parte, aos mecanismos de imunossupressão empregados pelos tumores para escapar do ataque mediado por células do sistema imunológico”, diz Botelho.

Já o bloqueio do checkpoint imunológico baseia-se em um grupo de proteínas presentes na superfície dos linfócitos T que precisam de ser ativadas ou inativadas para desencadearem uma resposta imunológica. Estudos anteriores, liderados por americanos e japoneses, mostraram que as células do câncer estimulam a expressão dessas proteínas (chamadas de checkpoints) e seus ligantes (acionadores) no tecido tumoral. Com isso, os tumores “desligam” o sistema imunológico, o que favorece o crescimento do câncer. Os mesmos cientistas também demonstraram que o uso de anticorpos capazes de inibir a interação entre os checkpoints e seus ligantes restaura a resposta antitumoral de defesa, permitindo a reativação dos linfócitos T.

“Esta revisão teve como objetivo avaliar se o bloqueio dos checkpoints imunológicos seria um caminho promissor para aumentar a eficácia terapêutica das células T geneticamente modificadas contra neoplasias sólidas”, resume Botelho.

Terapia para câncer com Células T-CAR

Ensaios pré-clínicos e clínicos

A revisão sistemática é um método de pesquisa que busca reunir estudos semelhantes avaliando-os criticamente em sua metodologia e reunindo-os numa análise estatística. Ao sintetizar estudos semelhantes e de boa qualidade, é considerado o melhor nível de evidência para tomadas de decisões sobre tratamentos, de acordo com a Cochrane, rede global de pesquisadores especializada em trabalhos de revisão sistemática.

Para realizar esta revisão, Rafaela e Botelho delimitaram os principais pontos a serem abordados e cada um deles contribuiu para a busca bibliográfica, contextualização e redação sobre os tópicos escolhidos. “Nessa revisão, buscamos trazer um compilado de estudos que forneceram conhecimentos importantes, bem como estudos pré-clínicos e clínicos publicados recentemente”, explica Rafaela Rossetti.

“O objetivo foi fornecer uma visão mais completa do cenário atual do uso de inibidores de checkpoints imunológicos em combinação com a infusão de células T geneticamente modificadas para o tratamento contra o câncer.” Ao final, 112 artigos foram selecionados para o trabalho da pesquisadora.

Na avaliação dela, este trabalho contribuiu para enriquecer o conhecimento na área e permitiu refletir sobre possíveis implementações em pesquisas que atualmente abordam principalmente células T geneticamente modificadas para o tratamento do câncer, visando a uma melhoria na eficiência dessas células.

Trabalhos no CTC

O Centro de Terapia Celular foi o pioneiro no Brasil a estabelecer uma infraestrutura para estudo e aplicação clínica de células-tronco e, há alguns anos, houve a incorporação do uso de células T modificadas geneticamente para reconhecer e destruir células tumorais nas áreas de pesquisa e desenvolvimento.

Como resultado, foi estabelecida uma plataforma para produção e uso clínico de células T expressando receptores quiméricos de antígenos contra a proteína CD-19 (expressa em leucemias e linfomas de células B). “Esse estudo resultou na primeira aplicação bem-sucedida de células T-CAR anti CD-19 para o tratamento compassivo de pacientes com linfoma na América Latina”, diz Botelho.

Já o laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro de Ribeirão Preto está empenhando esforços para contribuir com a ampliação da plataforma de produção e uso clínico das células CAR-T por meio da criação de ferramentas moleculares de controle de qualidade e ensaios pré-clínicos, além de desenvolver novas construções genéticas e estratégias para melhorar a eficácia e o acesso dos pacientes a esse tipo de terapia.

Botelho conta que, atualmente, existem projetos em andamento para avaliar construções genéticas contra três novos alvos expressos por células tumorais, incluindo tumores sólidos. Além disso, uma plataforma de edição gênica para geração de células T de uso alogênico está em fase de implementação.

Essa estratégia pode reduzir drasticamente os custos dessa tecnologia, e permite modificações celulares capazes de elevar sua eficácia por meio de deleção de genes que limitam sua atividade antitumoral, por exemplo.

“O levantamento que fizemos reforça a ideia de que utilizar ferramentas de edição genética para deletar os circuitos moleculares envolvidos nessa interação pode resultar em um produto mais eficaz, por não mais sofrer a ação supressora do microambiente tumoral”, ressalta o último autor do estudo. “Certamente essas informações serão incorporadas ao nosso esforço de desenvolver a próxima geração de imunoterapias celulares anticâncer”, conclui.

Mais informações: e-mail rafaelarossetti@usp.br, com Rafaela Rossetti; e-mail lucasebsouza@usp.br, com Lucas Eduardo Botelho

Reportagem: Fabiana Mariz
Arte: Guilherme Castro

FONTE: Jornal da USP

Atividade intelectual pode melhorar o desempenho cerebral

A especialista diz que “a construção da reserva cognitiva é feita ao longo de toda a vida, desde a infância, com uma boa alimentação, atividade intelectual, uma boa estimulação e através da escolarização, nível educacional e atividades cognitivas”

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A reserva cognitiva é de extrema importância para o nosso dia a dia e nos ajuda a viver melhor, principalmente na terceira idade. Mas antes de explicar vamos entender primeiro o que é a reserva cerebral. É justamente o espaço físico que existe no cérebro, com todos os seus neurônios e estruturas. A médica Sônia Brucki, professora de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP (FM) e coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas, explica que “reserva cerebral é uma reserva estrutural do cérebro, número de neurônios, por exemplo, uma pessoa que tem um acidente vascular cerebral vai ter como sequela uma menor reserva cerebral do que outra que não teve porque vai ter uma região do cérebro que foi afetada e que não vai ter mais os neurônios e as outras estruturas que tem no cérebro normal”, diz.

Sendo assim, a reserva cognitiva é a funcional, construída ao longo da vida com boas condições de saúde, trata-se de um estilo de vida. “Podemos dizer que é um conceito mais funcional em que você vai construindo essa reserva cognitiva ao longo de toda sua vida, desde a infância, com uma boa alimentação, uma boa estimulação e também através da escolarização. O nível educacional que o indivíduo alcança é importante para todas as suas atividades cognitivas intelectuais durante a vida.

Quanto mais você ler, estudar e fazer coisas diversificadas melhor para a sua reserva cognitiva e consequentemente aumenta o número de sinapses neuronais entre as células. O termo reserva cognitiva descreve a resistência da mente às lesões do cérebro, AVC e Alzheimer” explica Sônia.

A professora comenta que é importante desenvolver essas reservas cognitivas, como se fosse um exercício mental. A atividade intelectual vai melhorar o desempenho cerebral. Existem algumas dicas que valem para a vida toda. A primeira delas é que sempre há tempo de melhorar a cognição, independentemente da idade. Jogos de tabuleiros, hábito de leitura, aprender outro idioma, tocar um instrumento musical, palavras cruzadas, algo que desperte a curiosidade.

Por Sandra Capomaccio

FONTE: Jornal da USP

Estudo aponta sistema de enzimas antioxidantes como alvo para o desenvolvimento de antibióticos

Pesquisadores do Instituto de Biociências indicam o sistema formado pelas proteínas Ohr (uma enzima antioxidante) e OhrR (seu fator de transcrição) como um potencial alvo a ser explorado na busca por novos antibióticos

Em artigo de revisão publicado na revista Free Radical Biology and Medicine, pesquisadores brasileiros apontam o sistema formado pelas proteínas Ohr (uma enzima antioxidante) e OhrR (seu fator de transcrição) como um potencial alvo a ser explorado na busca por novos antibióticos.

O trabalho foi coordenado por Luis Netto, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e integrante do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Há mais de 20 anos o grupo de Netto tem estudado esse sistema proteico, que desempenha papel central na defesa de patógenos contra danos oxidativos. No trabalho recentemente publicado, os pesquisadores descrevem aspectos da estrutura, catálise, filogenia, regulação e papéis fisiológicos das proteínas. O objetivo foi sistematizar informações que estavam dispersas na literatura.

Segundo os autores, o sistema Ohr-OhrR desempenha importantes funções na interface entre patógenos como Xylella fastidiosaPseudomonas aeruginosaChromobacterium violaceum e Bacillus cereus e seus hospedeiros – entre eles mamíferos e plantas vasculares. No entanto, os mecanismos envolvidos nessas interações são complexos e os papéis desempenhados por Ohr e OhrR nesses processos variam muito entre as diversas bactérias.

Como não são encontradas em animais vertebrados nem em plantas vasculares e têm características estruturais únicas, dizem os pesquisadores, as proteínas Ohr e OhrR podem ser alvos para o desenvolvimento de novos antibióticos – algo muito relevante, considerando o alarmante fenômeno das bactérias multirresistentes. Além disso, essas proteínas desempenham outras funções fisiológicas, como proteger bactérias simbióticas fixadoras de nitrogênio do estresse oxidativo associado a esse processo.

Para Netto, a pouca atenção dada ao sistema Ohr-OhrR é de certa forma surpreendente e poderia ser explicada por razões históricas. Enquanto as enzimas antioxidantes mais conhecidas foram descobertas a partir de 1937, a primeira Ohr só foi descrita em 1998, como uma proteína envolvida na resposta de bactérias ao estresse induzido por hidroperóxidos orgânicos, sendo que, em 2000, cientistas brasileiros identificaram o gene que codifica essa proteína no genoma da Xylella fastidiosa, bactéria que causa uma doença chamada clorose variegada dos citros (CVC), provocando grandes prejuízos à agricultura no Estado de São Paulo.

“Quando apareceu a Ohr no genoma da Xylella, não se sabia a atividade bioquímica dessa proteína. Como eu já tinha trabalhado com peroxirredoxinas, vi que a Ohr tinha duas cisteínas que eram muito conservadas. Aí surgiu a ideia: talvez seja uma peroxidase”, conta Netto, que fez parte do grupo responsável pelo sequenciamento do genoma da bactéria. O primeiro trabalho do grupo sobre a Ohr foi publicado em 2003, no Journal of Biological Chemistry, e demonstrou que, de fato, Ohr é um tipo de peroxidase.

Resumo gráfico – Foto: Reprodução

O pesquisador enfatiza, no entanto, que a Ohr não é uma peroxirredoxina como descrito em alguns artigos. “A Ohr tem propriedades muito diferentes, como a sequência primária, a estrutura, a especificidade para redutor e oxidante e a dinâmica ao longo do ciclo catalítico.” As peroxirredoxinas (Prx), que também são foco de estudo do grupo de Netto, são proteínas antioxidantes consideradas sensores celulares de peróxido de hidrogênio.

Em 2020, o grupo elucidou seis estruturas cristalográficas da proteína Ohr do patógeno oportunista Chromobacterium violaceum, incluindo a estrutura do complexo entre a Ohr e seu substrato biológico, a di-hidrolipoamida (DHL). Os pesquisadores identificaram intermediários do ciclo catalítico da enzima e reforçaram as evidências de que Ohr e Prx pertencem a classes diferentes de proteínas. Além disso, mostraram que a Ohr tem um colar hidrofóbico ao redor de seu sítio ativo, uma característica estrutural única que explica a especificidade dessa enzima para peróxidos orgânicos.

Inflamação

A resposta inflamatória é uma estratégia dos hospedeiros para combater microrganismos patogênicos e envolve a produção de várias moléculas oxidantes. Portanto, se uma inflamação demora para terminar, pode causar danos ao próprio hospedeiro. Hidroperóxidos orgânicos de ácidos graxos são oxidantes que também podem atuar como sinalizadores de processos tanto inflamatórios quanto anti-inflamatórios.

“A sinalização envolvida nesses processos de inflamação e de resolução da inflamação é bastante complexa, envolvendo diferentes hidroperóxidos de ácidos graxos, como dos derivados de ácido araquidônico”, conta Netto.

A hipótese levantada pelos pesquisadores é de que a Ohr poderia estar envolvida de alguma forma na virulência de patógenos via controle dos níveis desses hidroperóxidos lipídicos. “Acredito que o envolvimento biológico da Ohr poderia estar relacionado com o processo de resolução [finalização] da inflamação. Contraintuitivamente, se a bactéria tem muito antioxidante [no caso, a enzima Ohr], acaba sendo ruim para ela e bom para o hospedeiro por, entre outros motivos, facilitar o recrutamento de células fagocitárias. Mas essa é uma hipótese ainda especulativa, que requer evidência experimental”, afirma o pesquisador.

A OhrR é a proteína que controla a transcrição do gene da Ohr. Para que a enzima antioxidante (Ohr) seja produzida, o gene que a codifica precisa ser transcrito para o RNA mensageiro correspondente. A OhrR quando está reduzida se liga ao DNA e impede a transcrição. Quando a célula está sob estresse oxidativo e é exposta ao peróxido orgânico, a OhrR é oxidada e sofre uma mudança estrutural que libera o DNA para ser transcrito e depois traduzido na proteína Ohr.

Como explica Netto, o próprio fator de transcrição é regulado por um processo redox (oxidação ou redução). “E ele vai induzir ou reprimir a expressão de uma proteína que tem propriedades que interferem no metabolismo dos hidroperóxidos orgânicos.”

Diversos grupos do Cepid Redoxoma estão envolvidos em estudos com hidroperóxidos orgânicos derivados de ácidos graxos, como os liderados pelos pesquisadores Sayuri Miyamoto e Paolo Di Mascio, bem como em estudos de cinética envolvendo a Ohr e a OhrR, como os grupos dos pesquisadores Ohara Augusto e Daniela Truzzi, ou ainda em estudos estruturais, como o grupo do pesquisador Marcos Antonio de Oliveira.

Em 2021, um grupo de pesquisadores chineses identificou o primeiro inibidor contra Ohr da bactéria Acinetobacter baumannii ATCC19606. O tratamento desse microrganismo com o inibidor de Ohr potencializou a atividade antibacteriana de antibióticos como canamicina e gentamicina. O grupo chinês entrou em contato com Netto, para colaboração no sentido de identificar moléculas com atividade microbicida mais potente.

O artigo Ohr – OhrR, a neglected and highly efficient antioxidant system: Structure, catalysis, phylogeny, regulation, and physiological roles pode ser acessado no link.

* Com informações da Assessoria de Imprensa do Redoxoma.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Texto: Agência Fapesp
Arte: Adrielly Kilryann

FONTE: Jornal da USP

Fake news sobre uso do flúor colocam em risco saúde bucal de brasileiros

“Justificativas para adição do flúor na água são válidas; é o método de menor custo per capita”. A avaliação é do professor Wilson Mestriner, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, contra o movimento antifluoretação das águas de abastecimento público que tem ganhado força no País. O movimento espalha fake news e preocupa autoridades sanitárias, principalmente, pela prevalência de doenças bucais relacionadas à desigualdade social.

Segundo Mestriner, “graças à fluoretação da água de abastecimento público, nós temos a redução do índice de cáries”, fato que só é “observado através do censo nacional, dos levantamentos epidemiológicos para avaliar a condição de saúde bucal da população brasileira”. E a desigualdade social, persistente no País, justifica a conduta de adicionar flúor à água da população já que, apesar das conquistas das últimas décadas, a quantidade de desdentados no País ainda é grande, como mostra a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A condição brasileira faz com que, baseados na ciência, especialistas da USP defendam os benefícios da lei federal (lei 6.050 de 24 de maio de 1974), enquanto as fake news engrossam o movimento antifluoretação no Brasil. Em publicação recente, pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, analisaram conteúdos de 297 sites e redes sociais e identificaram mais de 300 publicações falsas na área de odontologia com impactos na saúde da população.

O movimento é contra a utilização do íon flúor na água de consumo diário e também nos produtos odontológicos para prevenção da doença dentária cárie. Iniciado nos Estados Unidos, o movimento ganha força no Brasil através do compartilhamento de informações falsas pela internet e mídias sociais.

Utilizam “argumentos verdadeiros, como a possibilidade de neurotoxicidade do flúor, entretanto de forma descontextualizada, então não leva em consideração a concentração do flúor e que é utilizada em águas de abastecimento ou em produtos odontológicos”, comenta o professor Thiago Cruvinel, líder da equipe da FOB.

De adeptos naturalistas a profissionais da odontologia

Os resultados do estudo da FOB indicam que a chegada desse movimento no Brasil ocorre através de pessoas com conhecimento da língua inglesa que consomem esses conteúdos provenientes dos Estados Unidos. Esses indivíduos, segundo Cruvinel, disseminam através de suas mídias sociais e na internet os conteúdos que incentivam outras pessoas a se tornarem antifluoretos.

“O que nós temos percebido nas nossas pesquisas é que essas pessoas normalmente têm um estilo de vida ligado a hábitos naturalistas, como, por exemplo, a não utilização de produtos industrializados ou cosméticos que contêm produtos artificiais na sua composição”, destaca o professor sobre o perfil dos publicadores de fake news na odontologia. Como se trata de um comportamento de risco que parte de pessoas com práticas adequadas de saúde, as falsas notícias se tornam “um problema, porque a partir disso surgem outras formas de pensar a odontologia e outras formas de combater doenças bucais que não são pautadas em evidências científicas”, analisa Cruvinel.

E as justificativas utilizadas pelas pessoas que participam desses movimentos são diversas. “Dentre elas, podemos observar justificativas relacionadas à toxicidade do flúor e também baseando-se em teorias da conspiração, como, por exemplo, uma política adotada por Hitler durante o nazismo ou ainda uma política que é utilizada por governos para controlar as mentes das pessoas. Existem também teorias ligadas à espiritualidade, como a calcificação da glândula pineal, que levaria à impossibilidade de conexão com Deus, com o criador”, diz o professor.

Nem os profissionais da área de odontologia ficam de fora. “É importante salientar que esse movimento não ocorre somente entre leigos, existem também profissionais hoje que acreditam nessa questão da necessidade de não utilização do flúor por sua toxicidade”, conta Cruvinel, afirmando que se trata de adeptos de uma pseudociência chamada “odontologia biológica”.

Fluoretação da água 

A adição mundial do flúor na água de abastecimento público começou na primeira metade do século 20, quando o dentista norte-americano Frederick McKay comprovou a atividade do íon flúor, na concentração ideal e segura, na prevenção da doença cárie. No Brasil, estudos similares apareceram na segunda metade do século 20. “O primeiro estudo desenvolvido, um estudo também de caráter epidemiológico, foi no Baixo Guandu, no Espírito Santo, em 1953, através da concentração regular do íon flúor na água de abastecimento público. Nós conseguimos a redução em torno de 60% da atividade da doença cárie”, conta Mestriner.

 

Uso de fluoretos nas águas auxilia na prevenção da cárie dentária – Foto: Edson Lopes Jr/A2 fotografias via Fotos Públicas

 

A fluoretação da água de abastecimento público em todo o País começou a partir de lei federal em 1974 que, adianta o professor Mestriner, indica a concentração ideal do íon flúor: deve estar no intervalo de 0,60 a 0,80 miligramas por litro ou partes por milhão (ppm) em função da temperatura. O controle desses níveis, continua o professor, é realizado simultaneamente pelos serviços de saneamento municipais, órgãos cadastrados e laboratórios credenciados no acompanhamento periódico.

Fake news na saúde

As fake news estão presentes nas mais diversas áreas, porém quando ligadas à saúde podem causar danos irreparáveis. Elas geralmente circulam nas mídias sociais e na internet com o intuito de atingir um grande número de pessoas.

Essas desinformações utilizam diversas técnicas para atrair e manipular o usuário como distorcer informações verdadeiras e apresentá-las junto com inverdades, explica o especialista no estudo das fake news João Henrique Júnior, do Instituto de Estudos Avançados da USP em Ribeirão Preto.

“Utilizam também teorias da conspiração ajustadas à narrativa em questão, produzindo mensagens com forte apelo emocional tentando provocar sentimentos como medo e ódio. Aproveitam-se, ainda, das brechas das empresas de tecnologia, que priorizam o lucro em vez da qualidade, para disseminar esse conteúdo de modo orquestrado, coordenado e em larga escala. Esse movimento contínuo, quando não é enfrentado e moderado efetivamente, consegue ao longo do tempo conquistar novos adeptos e radicalizar os mais antigos”, comenta Henrique Júnior.

Para o especialista, “essas campanhas de desinformação podem, no curto e no médio prazo, levar o indivíduo a utilizar produtos ou tratamentos nocivos à sua saúde, colocando até mesmo sua vida em risco. Já no longo prazo, as informações falsas podem abalar a confiança do usuário gerando descrédito em relação às fontes confiáveis como a imprensa profissional, centros de pesquisa e órgãos de governo, podendo prejudicar inclusive políticas públicas de saúde”.

Palhaços que atuam em hospitais ajudam na recuperação

Artigo publicado no The British Medical Journal mostra que a interação com palhaços durante a internação ajuda a amenizar os sintomas de doenças crônicas e agudas em crianças e adolescentes

Durante o processo de hospitalização de um paciente pediátrico, muitos sintomas psicológicos podem afetar o processo de recuperação, entre eles a ansiedade. Um estudo pioneiro, realizado por pesquisadores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, avaliou a eficácia da presença dos palhaços na melhora de crianças hospitalizadas, tanto por doenças crônicas, quanto agudas. A medida não farmacológica se mostrou eficiente em reduzir o conjunto de sintomas apresentados durante a hospitalização e  positivo para a recuperação dos pacientes.

O artigo Efectiveness of hospital clowns for symptom management in paediatrics: systematic review of randomised and non-randomised controlled trials foi publicado no influente periódico inglês The British Medical Journal e seus resultados têm sido observados no mundo todo. A publicação faz parte da tese de doutorado do pesquisador Luís Carlos Lopes Júnior, defendida em 2017.

O trabalho teve orientação da professora Regina Aparecida Garcia de Lima e contou com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“A pesquisa buscou identificar medidas não farmacológicas para qualificar o cuidado em saúde”, diz ao Jornal da USP a professora Regina Aparecida Garcia. Durante a hospitalização de  pacientes pediátricos há um contexto de ruptura do convívio social e todas as questões fisiológicas e patológicas que estão ligadas ao processo, ressaltam os pesquisadores. Nesse contexto, os palhaços auxiliam no processo de recuperação das crianças, tornando-o mais ameno, tanto para os próprios pacientes quanto para os pais e a equipe médica.

“Essas questões humanas são importantes como forma de qualificar o cuidado”, explica  Luis Carlos. Até então, as revisões sobre a eficiência da intervenção dos palhaços eram focadas na análise de estudos sobre as condições agudas — doenças com o curso acelerado — que levavam o paciente a ser internado. A análise tanto das condições agudas, como crônicas — condições de saúde de curso mais ou menos longo ou permanente que exigem respostas e ações contínuas — é um dos diferenciais que o artigo traz.

O estudo traz uma revisão sistemática da literatura sobre os palhaços que se apresentam em hospitais como medida não farmacológica para auxiliar no tratamento de crianças e adolescentes. No total, foram analisados 24 estudos sobre o tema, sendo 13 ensaios clínicos randomizados e 11 estudos experimentais não randomizados.

Efeitos positivos nos pacientes

Os resultados indicaram que a interação com os palhaços — tanto em procedimentos médicos, cirurgias, como em internações em decorrência de condições crônicas — ajuda no manejo de sintomas, durante a hospitalização. A presença dos palhaços foi benéfica para controlar sintomas em relação ao grupo controle, que não estava recebendo nada além do tratamento convencional dos hospitais. O estudo ratifica que palhaços melhoram o bem-estar psicológico e as respostas emocionais das crianças e adolescentes tanto para condições agudas quanto para condições crônicas.

Crianças com doenças crônicas têm contato frequente com o hospital, por isso ele precisa ser um ambiente que ajude a desenvolver o paciente, ressaltam os pesquisadores. “Há uma série de medidas que podem ser aplicadas nos hospitais para que este não seja só um lugar de dor e sofrimento, mas um local que promove o desenvolvimento das pessoas”, destaca Regina.

Resultados com palhaços

Para a revisão, os pesquisadores decidiram analisar estudos que haviam sido realizados sobre palhaços que atuam em hospital. Para a escolha de material foram incluídas as principais bases de dados na área:  PsycInfo, Medline, Cochrane Library, Medline, ISI of Knowledge, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Science Direct, Scopus, American, Cumulative Index to Nursing e Allied Health Literature, and Latin American and Caribbean Health Sciences Literature.

“Nós excluímos todos os estudos que, em uma hierarquia de evidências, foram mal classificados e colocamos os de classificação mais alta”, informa Luís. Além disso, os pesquisadores fizeram uma seleção metódica de palavras-chave para encontrar os melhores resultados nos buscadores. Em cada base de dados foram considerados estudos controlados, sinônimos e combinações. Cada base tem uma especificidade grande porque a forma de domínio é distinta em cada uma.

Na busca, os cientistas encontraram 136 estudos sobre o tema e então os critérios de inclusão e exclusão foram aplicados. “Os artigos precisavam atender a alguns critérios de inclusão como abordar crianças e adolescentes que foram admitidos no hospital tanto por condição aguda ou crônica”, elucida Luís. Foram removidas 91 pesquisas, 85 delas não se relacionavam com o tema da análise e seis não estavam dentro dos delineamentos estabelecidos. Restaram 31 estudos que foram lidos, na íntegra, pelos pesquisadores e sete deles foram excluídos. Assim, 24 estudos entraram para a revisão sistemática, com uma população total de 1.612 crianças e adolescentes. Ansiedade foi o sintoma mais estudado, sendo o foco de 13 pesquisas, seguida de dor, descrita em nove.

O artigo se destaca por uma série de motivos, um deles é que analisa o conjunto de sintomas dos pacientes ao invés de focar em apenas um deles. Outro ponto de destaque é a metodologia de prevenção sobre risco de viés nos estudos analisados. Para cada um dos delineamentos escolhidos — estudos randomizados e não randomizados — uma ferramenta diferente de análise de viés foi utilizada.

Para os randomizados, os pesquisadores utilizaram a ferramenta Risk of Bias 2 (RoB 2) e para os não randomizados, a Risk of Bias Tool to Assess Non-randomized Studies (ROBINS-I). “Esse foi um ponto elogiado no nosso trabalho, pois as outras revisões utilizaram a mesma ferramenta para as duas categorias”, conta Luís. O estudo também foi revisado por dois revisores independentes.

Mais informações:
e-mail: lopesjr.lc@gmail.com,
Luís Carlos Lopes Júnior

Por Beatriz Azevedo

FONTE: Jornal da USP

Hipertensão: casados têm mais chances de controlar pressão do que solteiros

O estado civil pode interferir no índice de controle da pressão arterial das pessoas, sugere pesquisa da Escola de Enfermagem (EE) da USP. Segundo o estudo, realizado com dados de 253 pacientes atendidos em um ambulatório de alta complexidade do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), mulheres e homens casados ou aqueles que vivem em união estável têm 2,3 vezes mais chances de controlar a hipertensão do que os solteiros, viúvos e divorciados. A pesquisa recebeu prêmio no 27º Congresso da Sociedade Brasileira de Hipertensão como melhor trabalho da área multidisciplinar.

O grupo estudado era composto de homens (39,3%) e mulheres (61,7%) acima de 18 anos (média de 60 anos). A maioria era casada (52,8%) e com ensino médio completo (44,3%). Foram coletadas informações biossociais (características sociais, como renda, raça, idade, etc.), etilismo (consumo de álcool), tabagismo, atividade física, morbidades, medicamentos em uso e avaliação de adesão ao tratamento pela escala terapêutica de Morisky (perguntas feitas aos pacientes, cujas respostas permitem saber se são aderentes ou não a um tratamento).

Além de mostrar que homens e mulheres casados ou que viviam em união estável tinham mais chances de controlar a pressão arterial, o estudo também observou que 69,2% dos hipertensos estavam com a pressão arterial controlada e 90% informaram fazer tratamento medicamentoso. Esses achados chamaram a atenção dos pesquisadores, principalmente a taxa de controle dos hipertensos, semelhante à de países desenvolvidos. Mas Mayra ressalta que essa não é a realidade do restante do País, pois o controle da pressão tem sido um grande desafio.

Polifarmácia

O estudo mostrou também que o uso de muitos medicamentos interferia no índice de controle da pressão arterial. Quanto maior o número de medicamentos em uso (polifarmácia), menor era a chance de controle. A cada fármaco prescrito ao tratamento, a chance de controle diminuía em 21,3%.

Segundo a pesquisadora, na literatura médica, o uso de cinco ou mais medicamentos já é considerado polifarmácia. O fenômeno está associado ao aumento do risco e da gravidade das reações adversas ligadas a interações medicamentosas e à redução de adesão ao tratamento. Os hipertensos da pesquisa apresentavam outras doenças como diabete e dislipidemia (níveis aumentados de gordura no sangue), que também requerem tratamento medicamentoso, o que justificaria o elevado número de fármacos.

O uso de um grupo de medicamentos utilizado para tratamento de hipertensão (bloqueadores de canal de cálcio) influenciou no controle. Os hipertensos que faziam uso desses fármacos apresentaram 55,9% menos chances de controlar a pressão arterial.

Segundo a pesquisadora, “essa associação negativa do bloqueador do canal de cálcio com o controle da pressão é difícil de ser analisada pois são anti-hipertensivos eficazes: reduzem a morbimortalidade cardiovascular, possuem boa tolerabilidade e proporcionam segurança no tratamento da hipertensão arterial. Diversos fatores podem ter influenciado nesse resultado, tais como a complexidade da condição dos hipertensos e, consequentemente, dificuldade de controle da pressão”, diz a pesquisadora ao Jornal da USP. Morbimortalidade cardiovascular é um conceito que se refere ao índice de pessoas mortas em decorrência de uma doença específica dentro de determinado grupo populacional.

Hipertensão

No Brasil, a hipertensão arterial atinge cerca de 31% dos adultos e 60% dos idosos. É a principal causa de morbimortalidade cardiovascular e o controle da pressão arterial é a forma mais eficaz de evitar complicações.

Segundo a pesquisadora, a meta de controle não é uma tarefa fácil de ser atingida por falta de implementação de estratégias populacionais. Ter uma fonte usual de cuidados, otimizar a adesão ao tratamento e minimizar a inércia terapêutica (garantir que a dose e os números de medicamentos estejam corretos para cada indivíduo) estão associados a maiores taxas de controle.

Uma parceria entre paciente, profissionais de saúde e sistema de saúde incorpora uma abordagem multinível para o controle da hipertensão e pode trazer resultados mais satisfatórios, diz Mayra.

A dissertação de mestrado Controle da hipertensão arterial em um ambulatório especializado de alta complexidade foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto da Escola de Enfermagem (EE) da USP. Um artigo será enviado para publicação na revista International Journal of Clinical Practice.

Mais informações: e-mail mayraguimaraes@usp.br, com Mayra Cristina da Luz Pádua Guimarães, ou e-mail pierin@usp.br, com Ângela Maria Geraldo Pierint

Por Ivanir Ferreira

FONTE: Jornal da USP

Síndrome metabólica: restrição de proteínas ajuda a controlar diabete e reduzir obesidade

Durante 27 dias, pesquisadores da USP, da Unicamp, do Instituto Nacional do Câncer e da Universidade de Copenhague acompanharam 21 pessoas com síndrome metabólica que receberam dietas com restrição proteica e com restrição calórica.

Estabelecer uma dieta adequada faz parte do tratamento de pessoas com síndrome metabólica: um conjunto de fatores de risco, como hipertensão, nível elevado de açúcar no sangue, excesso de gordura corporal em torno da cintura e colesterol alto, que podem levar ao desenvolvimento de diabete e de doenças cardíacas. Em busca de novas estratégias alimentares para esse grupo, pesquisadores brasileiros e dinamarqueses compararam os efeitos entre a dieta de restrição proteica e a dieta de restrição calórica. “Os resultados do estudo mostram que a dieta de restrição de proteína é eficaz para controlar a diabete e reduzir a obesidade. Além disso, diminuiu os níveis de colesterol, controlou a pressão arterial e auxiliou na redução do peso corporal com perda de gordura e manutenção de músculos”, explica o biomédico Rafael Ferraz Bannitz, doutor pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

Bannitz é o primeiro autor do artigo Dietary Protein Restriction Improves Metabolic Dysfunction in Patients with Metabolic Syndrome in a Randomized, Controlled Trial publicado na revista Nutrients.

O estudo contou com 21 participantes que foram divididos em dois grupos. O primeiro foi submetido a uma dieta com restrição de 25% das calorias ideais para cada pessoa. No outro grupo também foi mantida a quantidade calórica ideal, porém, a quantidade de proteínas foi reduzida para o mínimo recomendado. “No grupo com restrição calórica, tivemos uma concentração de 20% de proteínas, 50% de carboidrato e 30% de gordura. Já o grupo com restrição de proteínas teve 10% de proteínas, 60% de carboidrato e 30% de gordura”, explica Ferraz Bannitz.

Os voluntários eram homens e mulheres, com idade entre 25 e 60 anos, com Índice de Massa Corporal (IMC) que indicava obesidade moderada a grave. O IMC é determinado pela divisão do peso da pessoa pela sua altura ao quadrado. Todos tinham Diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial e níveis elevados de gordura no sangue. Eles foram acompanhados por 27 dias por uma equipe do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP) da USP com avaliação da pressão arterial, peso, composição corporal, distribuição de gordura, gasto energético basal e outras análises bioquímicas e moleculares, como microbioma intestinal (conjunto de microrganismos que habitam o intestino) e modificação da expressão de genes do tecido adiposo.

“A característica isocalórica da dieta de restrição proteica torna essa abordagem nutricional mais atraente e menos drástica para ser aplicada em ambientes ambulatoriais e na casa dos pacientes. Além disso, tem potencial para ser usada como terapia auxiliar em pessoas com síndrome metabólica com diabete e obesidade”, aponta o cientista biomédico.

O estudo foi coordenado pela professora Maria Cristina Foss de Freitas, orientadora do Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da FMRP, e teve apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Entre os autores estão pesquisadores da FMRP, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e da Universidade de Copenhague, da Dinamarca.

Mais informações: e-mail Rafael.FerrazBannitz@joslin.harvard.edu

Texto: Giovanna Grepi
Arte: Simone Gomes

FONTE: Jornal da USP

Idosos devem adotar cuidados extras com a pele no inverno

A pele dos idosos é naturalmente mais seca e no frio fica ainda mais sensível

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O inverno provoca maior sensibilização da pele por ser um período de baixa umidade do ar, afetando em especial quem tem o subtipo mais seco. É o caso dos idosos, que possuem uma pele menos hidratada por conta da idade. Cuidados com o banho, as roupas e a hidratação são necessários para manter a saúde desse órgão, evitando coceiras e machucados.

A pele é uma barreira importante do corpo contra a entrada de microorganismos que possam causar infecções, além de controlar a perda de água para o meio ambiente e a temperatura. Com o passar dos anos, “nós temos uma diminuição na produção do suor e na lubrificação produzida por nossas glândulas sebáceas, nossas glândulas de gordura”, explica a dermatologista Andrezza Telles Westin, médica assistente do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.

“Com isso, nós não temos uma formação de uma barreira adequada na pele, favorecendo com que ela tenha perda de água para o ambiente.” Os danos acumulados ao longo da vida da radiação solar e de hábitos como o tabagismo também aumentam a fragilidade da pele. “Toda vez que perdemos a barreira cutânea e a sua lubrificação”, alerta Andrezza, “ela se torna mais propensa ao desenvolvimento de alergias, de irritações, de dermatite no geral.”

O geriatra Paulo Fernandes Formighieri, também médico do HC-FMRP-USP,  complementa que a elasticidade da pele diminui com o envelhecimento. “A pele tende a ter uma redução da espessura da sua camada, do conteúdo de sustentação.” Nesse aspecto, as mulheres sentem um impacto maior pela queda dos níveis dos hormônios depois da menopausa.

No banho

A hidratação da pele deve ocorrer em todas as épocas do ano, “não só você ingerir adequadamente líquidos durante o dia e se manter com corpo bem hidratado, mas fazer uma hidratação tópica”, lembra Formighieri. No inverno, é preciso lidar com um fator extra: a irritação que a água mais quente do banho causa na pele.

Procurar tomar banhos rápidos, com água morna e sem uso de produtos abrasivos, como esfoliantes e buchas, é a recomendação de Andrezza. Os sabonetes devem ser neutros ou glicerinados, que se aproximam do pH da pele, evitando os antibacterianos, “porque eles mudam a nossa flora de microorganismos que estão protegendo nossa pele”.

Logo após o banho, faça a secagem da pele com uma toalha macia, “sem grandes atritos, para que não tenha ressecamento, até mesmo mais esfoliação pelo atrito com a toalha”, adiciona. Por último, hidrate a pele, principalmente pernas, joelhos, cotovelos e calcanhares.

Os produtos hidratantes disponíveis no mercado são de quatro tipos: os hidratantes propriamente ditos (trazem água até as camadas profundas da pele), os emolientes (deixam a pele com uma consistência mais macia, facilitando a entrada de água; geralmente são os óleos), os umectantes (promovem uma película de umidade na pele) e os oclusivos (diminuem a perda de água para o ambiente). Em geral, os cremes são uma mistura de todos, mas Andrezza ressalta que quem tem pele sensível deve buscar um dermatologista para receber a melhor indicação.

Nas roupas

Considerando o fato de usarmos várias camadas de roupa contra o frio, o que aumenta o atrito contra a pele, outra recomendação para atenuar a sensibilização de uma pele mais frágil é escolher tecidos mais respiráveis. Os naturais são a melhor opção, de acordo com Andrezza. “Os tecidos de algodão, por exemplo, permitem uma maior absorção do creme na superfície da pele, e também a correta transpiração, impedindo que o suor seja um fator irritante na pele do paciente.”

Para evitar a pinicação, busque tecidos macios, “não necessariamente amaciados por amaciantes, mas tecidos que tenham uma leveza, um toque mais agradável”.

Por Luísa Hirata

FONTE: Jornal da USP