Testamento vital: “a voz do paciente quando ele não tiver mais voz”

Na nossa cultura, morte e finitude da vida ainda são assuntos que suscitam desconforto. Mas fugir do tema está longe de ser uma boa alternativa: algumas das angústias de quem passa pelos momentos finais inclusive poderiam ser minimizadas se, enquanto em plena consciência e capacidade de tomar decisões, essas pessoas tivessem registrado suas vontades em um “testamento vital”. O documento indica a manifestação da vontade do paciente – seja de aceitação ou de recusa – quanto aos procedimentos, cuidados e tratamentos de saúde a que ele deseja ser submetido caso esteja com uma doença terminal.

Uma pesquisa da USP aborda a questão do ponto de vista dos profissionais de enfermagem que lidam no dia a dia com pacientes terminais. O estudo traz as percepções deles com relação ao testamento vital, às divergências familiares no leito de morte e de quando se deparam com o autoritarismo médico em encaminhamentos que levam ao prolongamento artificial da vida.

“O testamento vital representa a autonomia e o direito do paciente a um tratamento digno em seus últimos dias de vida. É a garantia de que ele não será mantido vivo [contra sua vontade] com a ajuda de aparelhos e nem será submetido a procedimentos médicos invasivos ou dolorosos”, descreve ao Jornal da USP a enfermeira do Instituto do Coração (Incor) da USP, Fabiana Remédio. Ela, que também é especialista em cardiologia e administração hospitalar e bacharel em Direito, é autora da pesquisa de mestrado defendida na Escola de Enfermagem (EE) da USP.

O documento pode ser registrado em cartório ou escrito de forma particular; seja de próprio punho ou redigido no computador e depois impresso e assinado. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) também prevê que, no hospital, quando o paciente verbalizar sua vontade quanto aos procedimentos a que ele deseja ser submetido, o médico deve registrar essa decisão em seu prontuário, explica, ao Jornal da USP, a advogada e bioeticista Luciana Dadalto.

Independentemente de como ele é elaborado, o testamento vital precisa ser levado ao conhecimento da família e dos profissionais de saúde, de forma a embasar tomadas de decisões com relação ao desejo do paciente sobre como quer ser tratado ao final de seus dias, observa Fabiana Remédio.

Mesmas angústias

A pesquisadora entrevistou 15 enfermeiros com especialização em cardiologia – a maioria com longa experiência profissional na área (entre seis e 15 anos) – que trabalhavam em um hospital público de São Paulo, em 2017. Trabalhando na mesma instituição há 20 anos, Fabiana Remédio queria saber se os colegas compartilhavam suas angústias ao presenciar debates calorosos de familiares quanto ao encaminhamento do tratamento de pacientes em terminalidade. Principalmente quando eles, em algum momento no decorrer da internação, já haviam manifestado verbalmente o desejo de serem poupados de sofrimentos advindos de tratamentos dolorosos e indignos.

As análises das respostas foram baseadas no “Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)”, uma técnica científica de tabulação de dados qualitativos pela qual se conhece o pensamento, as representações, as crenças e os valores de uma coletividade sobre um determinado tema. Separando aspectos mais significativos com expressões-chaves e ideias centrais, identificou-se três discursos manifestados pelos profissionais de saúde.

No primeiro, “O enfermeiro frente às diretivas antecipadas de vontade”, os enfermeiros demonstraram compreender o conteúdo e a importância do testamento vital; que o desejo do paciente manifestado no documento deveria ser respeitado pelos profissionais de saúde; e que, se existisse o testamento vital e eles não pudessem cumprir a vontade do paciente, eles se sentiriam muito frustrados.

Cada pessoa é um mundo diferente, tem convicções diferentes, crenças diferentes e cultura diferente; a gente tem que aprender a trabalhar com o outro e com essas diferenças – trecho do discurso coletivo.

No segundo discurso, “O enfermeiro frente à família do paciente em terminalidade”, os enfermeiros relataram a importância de explicar o prognóstico do paciente à família; de fazer a comunicação da existência de um testamento vital expressando a vontade do paciente; e de promover o diálogo entre familiares, paciente e profissionais de saúde quanto à condição do paciente e os caminhos que deveriam ser seguidos em relação aos cuidados paliativos.

Segundo a mais recente definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2017, cuidados paliativos são uma “abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes e suas famílias que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. Considerando valores e a biografia dos pacientes, o procedimento, que envolve equipe multidisciplinar, previne e alivia o sofrimento, através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais ou espirituais”.

Eu vejo que a grande maioria dos pacientes não conversa com a família sobre isso. Normalmente é a equipe médica ou a equipe de enfermagem que começa a conversar, entre si, para poder chegar na família, introduzir esse assunto e apresentar, enquanto o paciente está lúcido, o testamento vital, para ser tudo acordado – trecho do discurso coletivo

No terceiro discurso, “O enfermeiro frente ao médico do paciente em terminalidade”, os profissionais mencionaram os casos de autoritarismo médico como impedimento para conduzir os cuidados paliativos com os pacientes em terminalidade; e o sentimento de frustração por não atender à vontade do paciente, mesmo fazendo parte da equipe médica.

 (…) vou tentar conversar, explicar que esse não é o desejo do paciente, falar que o paciente tem o direito. Pediria para família também conversar com o médico. É sempre isso que a gente faz, tenta conversar, mas eles que mandam. Eu não poderia ir contra” – trecho do discurso coletivo.

Baseando-se nessas manifestações, o que estudo indica, em síntese, é que o testamento vital representa, na perspectiva dos enfermeiros, a autonomia e o direito do paciente sobre as decisões nas situações de terminalidade. E que este documento deve ser compartilhado com familiares e profissionais de saúde.

De casa ao ambiente hospitalar

Há programas governamentais multiprofissionais que dão assistência às famílias e aos pacientes terminais em domicílio – Foto: Freepik

Segundo o trabalho, ao longo da história o momento da morte foi sendo retirado do ambiente familiar e doméstico e transferido para ambientes hospitalares, onde existe aparato tecnológico e pessoas capazes de prolongar a vida humana. Porém, este mesmo ambiente, capaz de proporcionar cura e vida, pode ser desumano para pacientes em terminalidade, que podem perder a consciência e a capacidade de decisão sobre como desejam viver seus últimos dias.

Um estudo citado na pesquisa, feito com 458 indivíduos em um hospital geral nos Estados Unidos, buscou saber como eles desejariam passar os últimos dias quando estivessem perto de morrer. Foi constatado que a maior parte desejava morrer em casa (75%). Mesmo assim, a maioria veio a falecer em alguma instituição de saúde (66%). Essa realidade talvez fosse outra se as pessoas pudessem escolher como morrer e deixassem essa vontade explícita e registrada, relata Fabiana Remédio.

Por outro lado, a formação de profissionais de saúde não contempla o assunto na grade curricular da graduação, como sugere uma pesquisa realizada com alunos de enfermagem na cidade de São Paulo. Nesse estudo, apenas 25% dos graduandos responderam adequadamente quanto à definição do testamento vital; 44% responderam de forma parcialmente adequada; 25% responderam não ter conhecimento; e 56% afirmaram não ter discutido o tema até aquele momento, o que reforça a necessidade de inclui-lo na graduação.

Morte: um tabu social

A pesquisadora recomenda que as pessoas falem em seu dia a dia sobre finitude da vida e morte, um processo natural pelo qual todo ser vivo irá passar. “É preciso quebrar os tabus culturais porque somos mortais”, diz a enfermeira.

Segundo ela, existem programas governamentais multiprofissionais que dão assistência às famílias e aos pacientes terminais em domicílio. No SUS, há o Melhor em Casa, e o próprio Saúde da Família, entre outros. No sistema particular, estão disponíveis algumas alternativas de home care. Mesmo com esses serviços, porém, o medo e a insegurança ainda prevalecem em pacientes e familiares – o que reforça a necessidade de se falar mais em terminalidade. É fundamental saber que podemos cuidar de nossos entes queridos em casa, provendo conforto, qualidade de vida e alívio do sofrimento através da prevenção de situações dolorosas.

A advogada Luciana Dadalto considera o assunto abordado pela pesquisa importantíssimo e diz que, embora o testamento vital traga repercussões na rotina de toda a equipe de saúde e precise ser feito com o auxílio de um médico, o documento é do paciente. Ela lembra que, no Brasil, a introdução do tema se deu de forma diferente ao que ocorreu em outros países, onde o assunto começou a ser discutido via movimentos sociais. O tema foi introduzido no País com a resolução 1.995 do Conselho Federal de Medicina, em 2012, o que fez com que muitas pessoas – tanto da sociedade quanto da gestão das instituições da saúde – olhassem para o testamento vital como documento médico.

Embora não haja legislação específica sobre o assunto, a validade do testamento vital é fundamentada na Constituição Federal de 1988: artigo 1º, III, que trata do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, artigo 5º, que trata do Princípio da Autonomia Privada e no artigo 5º, III, que trata da proibição constitucional de tratamento desumano, informa a pesquisadora.

Aspectos éticos

A contribuição da pesquisa também está no fato de ter lançado luz em situações normalmente escamoteadas, como a dificuldade de cumprimento da vontade dos pacientes e os dilemas gerados em família, diz Luciana Dadalto.

Para a advogada, é preciso efetivamente reconhecer como valor ético o cumprimento das manifestações de vontades dos pacientes. Segundo ela, vivemos em uma sociedade que, por ter dificuldade em lidar com a finitude da vida, confunde o cuidado com o prolongamento artificial do processo de morrer. Assim, há uma falsa ideia de que a morte de um paciente é um fracasso dos profissionais de saúde e que o prolongamento da vida deva acontecer indefinidamente.

Em sua opinião, o principal aspecto ético do testamento vital é o deslocamento do interesse social de negar a morte para o interesse individual do paciente, dele decidir e delimitar o que vale a pena ser vivido – uma vida “biográfica” ou apenas “biológica”. “O testamento vital é a voz do paciente quando ele não tiver mais voz”, conclui.

A pesquisa de mestrado Representação Social das Diretivas Antecipadas de Vontade teve orientação do professor Marcelo José dos Santos, da EE. O assunto também foi tratado em artigo na Revista Eletrônica de Enfermagem em junho de 2023.

Mais informações: e-mail fabiana.remedio@incor.usp.br, com Fabiana Remédio, e e-mail luciana@lucianadadalto.com.br, com a advogada e bioeticista Luciana Dadalto

FONTE: Jornal da USP

Ondas de calor no Hemisfério Norte mostram impacto das mudanças climáticas na saúde

O impacto das mudanças climáticas já é uma realidade e seus efeitos têm se intensificado cada vez mais. O mês de julho evidenciou esse processo muito claramente a partir da onda de calor que atingiu uma série de países em três continentes: Europa, Ásia e América do Norte.

De acordo com o observatório europeu Copernicus, julho foi o mês mais quente já registrado na história do planeta, ao superar o último recorde mundial de 2019 em 0,33ºC. Com essa intensificação, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirma que o mundo ultrapassou o nível de aquecimento, atingindo o estado de “ebulição global”.

“A atmosfera terrestre está ficando com uma quantidade maior de energia e uma das maneiras do sistema climático dissipar essa energia é através do aumento de eventos climáticos extremos”, esclarece Paulo Artaxo, professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP.

Esse episódio impactou não somente a natureza, mas também afetou seriamente a saúde da população dessas regiões com temperaturas acima dos 30ºC. Paulo Saldiva, professor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, explica que pensar a mudança climática juntamente com a saúde pode favorecer a mudança de comportamentos.

Além disso, nota-se um impacto desigual na saúde e vivência da sociedade, uma vez que a população mais pobre e periférica está mais vulnerável às mudanças climáticas. Helena Ribeiro, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, intitula o fenômeno de injustiça climática.

Reação biológica

A zona de conforto e preparo térmico varia de acordo com cada país e cada região dentro do país. Saldiva situa cada uma dessas populações em uma escala de temperatura ideal e extremos de quente e frio – os quais ocasionam um aumento da mortalidade –, além da capacidade de adaptação de cada país. “Nova York, por exemplo, está mais preparada para o frio do que para o calor. Existe também um processo de aclimatização dentro do mesmo país; em São Paulo, o desconforto térmico começa quando a temperatura sobe de 26 graus, que é a zona de perfeito conforto para Teresina”, exemplifica o professor.

No momento em que as condições climáticas extrapolam a predisposição do ser humano de se adaptar, o organismo passa a reagir e adoecer. Diferentemente do senso comum, Saldiva ressalta que hipotermia e hipertermia não resumem nem predominam as causas de morte diante de temperaturas extremas, representam a absoluta minoria.

Na maior parte dos casos, os pacientes falecem por causas naturais desencadeadas por uma diversidade de complicações na saúde. Por exemplo, quadros de insuficiência renal ou infecção urinária provocados pela desidratação, assim como consequências cardíacas ocasionadas pela vasodilatação intensa e sobrecarga do coração. Assim, a professora Helena Ribeiro aponta idosos, crianças e mulheres grávidas como os mais vulneráveis, além de pessoas que já apresentam comorbidades crônicas na saúde. “Em termos sociais, frequentemente pessoas de menor renda são as mais afetadas, pois moram em áreas de maior risco de enchentes e deslizamentos, mais poluídas e com menor arborização urbana”, pontua Helena.

Previsões brasileiras

Por se tratar de um país tropical e já se situar nos limites de temperaturas, Artaxo comenta que o Brasil se torna ainda mais frágil às mudanças climáticas. Em regiões como Teresina, em que já se observam os termômetros atingirem 40ºC durante o verão, são previstas altas até 48ºC e consequências graves para a saúde da população, de acordo com Artaxo.

Helena revela que o Brasil possui uma maior sensibilidade a ondas de frio do que calor, tendo em vista que, diferentemente do clima mediterrâneo do sul da Europa e oeste do Estados Unidos, o clima tropical do País possui verões chuvosos que atenuam o fenômeno. Além disso, existem algumas adaptações culturais, como vestimentas leves e frequência de banhos.

Todavia, a professora ressalta a pouca infraestrutura ainda enfrentada pelo sistema de saúde para oferecer ambientes climatizados tanto para os profissionais da área quanto para os pacientes. “O sistema brasileiro já é bastante sobrecarregado e se houver um agravamento de ondas de calor, será necessário fazer uma formação de pessoal da saúde”, destaca Helena.

Ações

Saldiva afirma que a atividade de prevenção em nível de atenção primária é central para o preparo do sistema de saúde diante das condições ambientais, a fim de transmitir alertas para a população. “Veja a previsão do tempo, eles dizem se você vai ter que levar guarda-chuva para o dia, mas não tem uma previsão de saúde”, compara o professor para demonstrar a importância de uma política de prevenção.

A relação direta entre a mudança climática e a saúde humana pode trazer um novo ponto de vista para o enfrentamento e conscientização dessa crise mundial, na opinião de Saldiva. Com a saúde individual e de pessoas queridas em jogo, o professor reflete sobre o maior impacto nos hábitos e perfis de consumo da população.

*Estagiária sob supervisão de Paulo Capuzzo

Fonte: Jornal da USP

Enzimas antioxidantes combatem envelhecimento da pele

Envelhecer constitui uma etapa inevitável na jornada de cada indivíduo e, para muitos, as marcas que o tempo imprime na pele assumem um papel proeminente como indicadores desse processo. Hábitos alimentares inadequados, um estilo de vida frenético e o consumo de tabaco e bebidas alcoólicas podem acelerar essa evolução. Originado por tais comportamentos, o estresse oxidativo, designado cientificamente, caracteriza-se pelo desequilíbrio entre a geração de compostos oxidantes e a operação dos sistemas antioxidantes de defesa do organismo. Esse fenômeno, além de contribuir para o envelhecimento prematuro, também se relaciona a processos inflamatórios e tumorais.

Considerando essa realidade, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram uma patente intitulada Sistema de entrega de enzimas recombinantes com ação antioxidante na pele e em outros tecidos. Segundo Viviane Abreu Nunes Cerqueira Dantas, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, uma das mentes por trás dessa inovação, trata-se de um sistema antioxidante composto pelas enzimas glutationa peroxidase, superóxido dismutase e catalase, as quais combatem os radicais livres gerados na pele, mitigando, assim, o envelhecimento celular. Esse sistema exerce a capacidade de neutralizar uma expressiva quantidade de radicais livres e incorpora tecnologia de drug delivery, que assegura a absorção do composto pelas células da pele.

As enzimas antioxidantes contidas na patente foram inspiradas nas enzimas presentes no fungo filamentoso Trichoderma reseei. A pesquisadora explica: “As enzimas fúngicas foram escolhidas devido às suas propriedades bioquímicas mais atrativas em comparação com as enzimas humanas, incluindo estabilidade térmica e maior atividade catalítica. Para empregar essas enzimas, os pesquisadores clonaram-nas e as fusionaram com peptídeos de penetração celular, ampliando, assim, sua habilidade de ingressar nas células da pele”.

Indústria da beleza 

Outro impulso para o desenvolvimento dessa patente decorre do crescimento global do mercado de cosméticos. Em 2019, o segmento global de cosméticos totalizava aproximadamente USD 402 bilhões, com projeções apontando para um potencial de mercado global de USD 88 bilhões em soluções antienvelhecimento até 2026. Ademais, estima-se que até 2027 o mercado de ativos cosméticos biotecnológicos atinja cerca de USD 1,6 bilhões, acelerando, assim, oportunidades para inovações nesse setor. De acordo com Viviane Dantas, as enzimas antioxidantes estão destinadas a fomentar o desenvolvimento de produtos eficazes nessa indústria.

A pesquisadora relata que o trabalho de pesquisa teve início em 2020 e que as enzimas produzidas já demonstraram resultados promissores in vitro, tendo sido também avaliadas em termos de eficácia, segurança, irritação e corrosão. Uma vez concluídos os testes complementares, como o teste de permeação cutânea, o objetivo é transferir essa tecnologia para a indústria de skin care, permitindo a produção em larga escala deste ativo.

FONTE: Jornal da USP

Medicamento mostra desaceleração do declínio cognitivo de pacientes com Alzheimer

A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora reguladora ligada ao Departamento de Saúde do governo dos Estados Unidos, aprovou o uso do Leqembi, medicamento contra Alzheimer que desacelera o declínio cognitivo em pacientes que estão nos estágios iniciais da doença. O estudo no qual se baseou a aprovação do medicamento envolveu 1.795 pacientes com comprometimento cognitivo leve ou estágio de demência leve e presença confirmada de patologia beta-amiloide.

Além do Leqembi, o Donanemab é outro medicamento que foi aprovado recentemente e que apresenta como objetivo retardar o avanço da doença. Tânia Ferraz Alves, psiquiatra, diretora das unidades de internação e vice-diretora do corpo clínico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), explica que o medicamento é utilizado em um tratamento denominado como anticorpo monoclonal, uma vez que, por mais 20 anos, todos os remédios eram anticolinesterásicos — utilizados em pessoas que já apresentavam a doença de Alzheimer com o objetivo de desacelerar um pouco a sua progressão, mas que tinham algumas limitações de uso.

Medicamento e resultados 

“Os anticorpos monoclonais são de um grupo de medicamentos diferentes. Eles agem já na patologia, fazendo uma retirada da placa amiloide”, explica Tânia. Assim, o medicamento atua na retirada do beta-amiloide e os estudos demonstram que os pacientes que tomaram essa medicação com relação a placebos tiveram quase 30% de redução da progressão da doença na parte cognitiva. Esse dado aponta a importância do tratamento, pois a retirada da placa não é suficiente sendo necessária a observação clínica da percepção da melhora.

A especialista reforça ainda que quanto mais cedo for identificada a doença, mais fácil torna-se o tratamento. Hoje, a identificação do Alzheimer ainda depende do declínio cognitivo do paciente, contudo, uma série de técnicas vêm sendo desenvolvidas para detecção da doença por meio dos biomarcadores. “Assim, as pessoas que apresentam um declínio leve, mas que apresentam esses biomarcadores antes de perder sua funcionalidade, já sabem que existe um quadro de comprometimento cognitivo devido ao Alzheimer”, explica.

Apesar de serem benéficos para esses casos, é importante entender que o uso desses medicamentos não está livre de problemas colaterais, uma vez que os estudos demonstraram que uma série de pessoas tiveram um risco maior de sangramento cerebral. Dessa forma, o uso dessa medicação segue um protocolo de realização de acompanhamentos para identificação de sangramentos ou de alterações de riscos.

“A doença vem silenciosa por muito tempo, por isso os biomarcadores são tão importantes. Quanto mais precoce eu identifico, mais os resultados se mostram benéficos e mais os medicamentos que estão sendo desenvolvidos vão mostrar uma resposta positiva”, considera Tânia.

Brasil 

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não aprovou o uso desse medicamento, mas é possível realizar o tratamento com os anticolinesterásicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que permite um tratamento de quadros instalados com segurança. A médica analisa também que uma questão entre risco e benefício sempre é colocada na avaliação de aplicação para alguns tratamentos.

Os biomarcadores observados para a identificação do Alzheimer ainda são iniciais, mas representam um avanço no desenvolvimento de medicamentos que podem apresentar menos efeitos colaterais, redução de custo e maior eficácia.

FONTE: Jornal da USP

Certas moléculas são essenciais para os efeitos da luz na pele

Não importa a parte do corpo humano exposta à luz – cabelos, pele ou olhos – nem se a fonte luminosa é natural ou artificial, as consequências biológicas das reações de oxidação induzidas pela luz dependem em grande parte das propriedades fotoquímicas intrínsecas e da localização de fotossensibilizadores presentes naturalmente em tecidos biológicos, chamados de fotossensibilizadores endógenos, que são moléculas que transformam a energia da luz em reatividade química.

Quando nos expomos ao Sol, são os fotossensibilizadores endógenos na nossa pele que provocam transformações tanto benéficas quanto prejudiciais. Em um artigo de revisão publicado no periódico Chemical Reviews, os cientistas Erick Bastos, Frank Quina e Maurício Baptista, do Instituto de Química (IQ) da USP, apresentam uma análise abrangente dos fotossensibilizadores endógenos na pele humana, investigando as conexões entre a excitação de seus elétrons pela luz e subsequente ativação ou danos a biomoléculas. O trabalho indica as possíveis causas do aumento contínuo dos casos globais de câncer de pele e aponta as limitações das abordagens atuais de proteção solar.

A pele é formada por três camadas: epiderme, derme e hipoderme. A luz atinge profundidades diferentes, dependendo do comprimento da radiação, das características das espécies absorventes presentes e das propriedades ópticas da pele. Raios ultravioleta B (UVB), que representam cerca de 5% da radiação UV que chega à Terra, penetram apenas nas camadas mais superficiais (epiderme), mal alcançando a derme. Já os raios ultravioleta A (UVA) e a luz visível atingem a camada celular basal e a derme e são absorvidos por fotossensibilizadores endógenos.

A luz visível representa cerca de 47% da radiação solar total que atinge a pele humana e é a faixa espectral que forma os maiores níveis de radicais livres gerados sob exposição ao Sol, respondendo por 50% do total.

Fotossensibilização

Embora a radiação UVB seja considerada mais deletéria por ser absorvida diretamente pelo DNA, os pesquisadores afirmam que uma mensagem importante deste trabalho de revisão é que a fotossensibilização permite que a luz visível e a radiação UVA produzam grandes efeitos na pele. As oxidações fotossensibilizadas são reações provocadas pela interação da luz com uma molécula fotossensibilizadora na presença de oxigênio.

Os fotossensibilizadores estão presentes em concentrações e locais específicos e incluem tanto pequenas moléculas, como vitaminas, aminoácidos e cofatores, quanto macromoléculas, como proteínas, ácidos nucleicos e glicanos. Na presença de oxigênio molecular, eles absorvem a radiação e geram oxidantes reativos – quais são essas moléculas e em que reações se envolvem após absorção de radiação solar são questões discutidas com profundidade inédita nesta revisão. Desta forma, segundo os pesquisadores, o artigo pode se tornar uma fonte de consulta para informações que hoje se encontram espalhadas por centenas de artigos da literatura científica.

“Conseguimos posicionar a fronteira da fotoquímica que acontece na pele sob exposição solar. Mostramos os fotossensibilizadores e as reações. Falamos de proteínas, lipídios, carboidratos e tudo mais que tenha relevância no tema. É um artigo importante tanto pela abrangência quanto pela profundidade, e o formalismo químico está perfeito. Minha expectativa é que esse trabalho fomente mais pesquisas nessa área”, afirmou Maurício Baptista, que também é membro do Redoxoma – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As respostas biológicas à exposição excessiva ao Sol, como apoptose (morte celular programada), queimadura solar, hiperproliferação e mutação, são iniciadas tanto por danos diretos nas nucleobases do DNA, quanto por danos indiretos causados pela oxidação dessas nucleobases ou de outras moléculas importantes para a sobrevivência celular.

De fato, as células sobreviverão ou morrerão dependendo da extensão do dano causado aos seus principais componentes intracelulares, como mitocôndria, retículo endoplasmático e lisossomo. Mesmo baixas concentrações de fotossensibilizadores eficientes desencadeiam diferentes formas de morte celular regulada ao afetar esses componentes celulares. Isto quer dizer que os efeitos da radiação dependem não somente das propriedades fotoquímicas intrínsecas dos fotossensibilizadores, mas também de sua localização.

A radiação UVA causa tanto dano direto quanto reações que podem comprometer a viabilidade de células localizadas muito mais profundamente na pele e nos olhos. Isso pode ocorrer por vários mecanismos, levando à disfunção celular, inflamação e risco potencialmente aumentado de distúrbios cutâneos e oculares, como ceratose actínica, fotoenvelhecimento, carcinoma basocelular, carcinoma de células escamosas, catarata e degeneração macular relacionada à idade.

A luz visível, principalmente no intervalo do violeta ao azul, também atinge os fotossensibilizadores endógenos na derme e até tecidos e órgãos mais profundos do corpo, podendo gerar danos ao DNA. Mesmo a melanina, que é o pigmento responsável pela coloração da pele e pela proteção contra os raios UVB, pode causar estresse oxidativo e lesões indiretas ao DNA em reações de fotossensibilização induzidas pela luz visível. “Interessantemente, a luz pode ser também usada para tratar doenças e, por penetrar mais profundamente na pele, a luz visível hoje é usada para tratar muitas doenças”, conta Baptista.

Dois erros

“Em termos de saúde pública, há dois problemas principais nas orientações quanto à exposição ao Sol: é um engano dizer que as pessoas podem usar protetor solar e se expor ao Sol por muito tempo; e, por outro lado, também é um engano dizer que o Sol é perigoso sempre, em qualquer condição”, afirma o pesquisador.

Uso de protetor não anula riscos da exposição excessiva ao sol – Foto: Pexels

Sobre os aspectos benéficos do Sol para a saúde, ele menciona um estudo controlado com aproximadamente 30 mil suecas sem histórico de câncer, que descobriu que a baixa exposição ao Sol é um fator de risco para mortalidade por todas as causas.

“Poucas coisas estudadas aumentam ou diminuem a expectativa de vida com significância estatística. O Sol é uma delas.”

A ativação da vitamina D, por exemplo, depende de reações intracelulares iniciadas pela absorção de fótons UVB pelo 7-desidrocolesterol, um precursor do colesterol. Este processo tem uma infinidade de consequências biológicas benéficas, incluindo a regulação do cálcio e do metabolismo ósseo, a inibição da proliferação de células tumorais e a prevenção de doenças autoimunes e cardiovasculares. Além disso, principalmente a radiação UVB e UVA, mas também a luz azul com menor eficiência, podem promover a liberação de óxido nítrico, contribuindo para a redução da pressão arterial sistêmica por meio da vasodilatação; o controle de danos a células de defesa; e a estimulação da cicatrização de feridas.

Segundo os pesquisadores, o hábito de ficar em ambientes fechados e de evitar a exposição ao Sol resultaram em uma epidemia de deficiência de vitamina D, cujo impacto financeiro só nos EUA foi estimado em quase seis vezes mais do que o gasto com doenças relacionadas à superexposição ao Sol.

Saia do sol!

Exposição prolongada ao sol provoca vermelhidão ou eritema – Foto: Freepik

As estimativas do tempo ideal de exposição ao Sol variam, pois dependem da latitude, da estação do ano e das características individuais da pele. No entanto, é fácil saber quando a dose é excessiva: a pele fica vermelha. É a reação de eritema ou queimadura solar, um mecanismo de proteção natural selecionado durante a evolução humana para evitar as consequências do excesso de exposição solar. A vermelhidão da pele significa: saia do sol!

Por quê? Porque essa reação surge principalmente como uma resposta fisiológica à absorção da radiação UVB por bases do DNA nas células da pele, produzindo moléculas que ativam uma resposta inflamatória aguda. Essas moléculas, os fotoprodutos, também geram mutações que, dependendo das proteínas afetadas, aumentam o risco do desenvolvimento de câncer de pele.

O uso de protetor solar evita a vermelhidão, mas não as consequências de ser superexposto à radiação UVA e à luz visível. Além disso, o protetor bloqueia os efeitos benéficos da exposição aos raios UVB.

Aliás, o famoso FPS – fator de proteção solar – não é um parâmetro preciso, pois a medição é realizada em voluntários de pele clara e utiliza apenas fontes de irradiação UVB. Consequentemente, o FPS considera apenas a proteção contra as respostas agudas da pele, ignorando todas as outras consequências positivas e negativas da exposição ao Sol.

“Infelizmente, a crença de que o FPS define e quantifica adequadamente a eficácia da proteção solar não passa de outro equívoco, que ainda ilude os profissionais de saúde e o público em geral”, escrevem os autores.

Além disso, pessoas com tons de pele mais escuros dependem de resultados de testes que podem não ser totalmente aplicáveis a eles. Mesmo a classificação de Fitzpatrick, que varia do tipo I ao VI, da pele mais clara à mais escura, foi criada na década de 1970 para estimar a tolerância à radiação UV de pessoas de pele clara e só posteriormente incluiu outras tonalidades. A classificação se baseia nas respostas a um questionário simples sobre a experiência anterior da pessoa com exposição solar (queimadura solar, bronzeado, eritema, edema e desconforto e dor).

A quantidade de melanina, pigmento selecionado pela evolução para proteger a pele humana da exposição solar, é o fator determinante para a absorção e dispersão da luz visível pela epiderme e, portanto, contribui para a cor da pele humana. Mas, ainda que menos suscetíveis à radiação UVB, pessoas com tons de pele mais escuros superexpostas ao Sol vão enfrentar problemas crônicos em longo prazo, porque a penetração da luz visível é apenas parcialmente reduzida.

Segundo os pesquisadores, a melhor maneira de aprimorar as estratégias de proteção solar passa pelo conhecimento das propriedades dos fotossensibilizadores descritos neste trabalho e das transformações químicas e biológicas induzidas pela luz, que podem ocorrer durante e após a exposição da pele humana ao Sol, com e sem aplicação dos bloqueadores solares atualmente utilizados.

“Uma compreensão mais profunda das interações entre a luz solar e a pele de diferentes tipos abrirá caminho para estratégias inovadoras de cuidados com a pele, que não envolvam somente evitar os efeitos maléficos mas também considerem os efeitos benéficos da exposição solar, e para o desenvolvimento de produtos de proteção solar adaptados a tipos específicos de pele”.

O artigo Endogenous Photosensitizers in Human Skin, de Erick L. Bastos, Frank H. Quina e Maurício S. Baptista, pode ser lido aqui.

*Da Assessoria de Comunicação do Cepid Redoxoma, com edição de Luiza Caires

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

Mais informações: e-mail elbastos@iq.usp.br, com Erick Bastos

FONTE: Jornal da USP

Fibrodisplasia Ossificante Progressiva: você sabe quais são os sintomas?

O projeto de Lei 3448/2023, da deputada Amália Barros (PL-MT), busca estabelecer o dia 23 de abril como o Dia Nacional de Conscientização sobre a Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP). Nesse mesmo dia, no ano de 2006, foi anunciada a descoberta do  ACVR1, gene da doença. A fibrodisplasia ossificante progressiva é uma doença influenciada por padrão genético e que se desenvolve na formação embriológica.

Thadeu Rocha da Costa, pesquisador de Medicina Física e Reabilitação da Faculdade de Medicina da USP, explica que “possivelmente, por ser um problema relacionado a distúrbios autossômicos dominantes, esse tecido conjuntivo é prejudicado desde a fase da embriologia, onde algumas dessas enzimas principais estão desinibidas, favorecendo a formação óssea no futuro”. Uma das principais manifestações desses distúrbios autossômicos são as formações indevidas de ossos: “Tanto músculo quanto ligamentos e todo o tecido conjuntivo podem correr risco de se transformar em osso”.

Doença rara

Pouco conhecida popularmente e no meio médico, a FOP precisa ser visibilizada para aumentar a atenção multiprofissional sobre essa condição. “As iniciativas de todos os nossos governantes, deputados e profissionais da área envolvidos nesse cuidado são cruciais para limitar as dificuldades que esses pacientes vão enfrentar no restante da vida. Na maioria dos casos, eles infelizmente acabam nos deixando por múltiplas complicações, tanto ventilatórias quanto cardíacas, tendo uma vida muito restrita do ponto de vista funcional”, explica o pesquisador.

A FOP também não está associada a fatores ambientais. “Não necessariamente tem relação com os grupos étnicos, mesmo sabendo que a maioria dos estudos são em pacientes caucasianos. Também pode atingir de maneira igual em ambos os sexos”, complementa. A incidência da doença é de um a cada 2 milhões de nascidos vivos.

Principais consequências 

Com a formação óssea comprometida, as funções corporais do paciente são prejudicadas, afetando sua mobilidade e outros aspectos de sua saúde. “O paciente pode correr riscos de dificuldade respiratória, porque a caixa torácica pode ficar restrita, dificultando a ventilação.” Os ossos do paciente também podem inflamar e causar ardência, sendo necessária a aplicação de anti-inflamatórios.

 

Foto: Carol Garcia/Agecom via Fotos Públicas CC

Tratar um paciente com fibrodisplasia ossificante progressiva é estar a todo tempo atento a ele. Atividades físicas de alta intensidade, bem como quedas, aplicação de injeções quaisquer e procedimentos cirúrgicos podem formar novos ossos com esse tecido conjuntivo que foi afetado, comprometendo mais a sua condição. Rocha explica: “É um efeito cascata de formação de osso com repercussão deletéria para esses pacientes. Lembro ainda que tudo isso é ativado como se fosse um efeito gatilho, pois as células ativam essas enzimas de formação óssea do tecido conjuntivo e o corpo não consegue inibir o processo, formando o osso naquelas peculiaridades, naquelas situações onde houve atrito ou contato”.

O trabalho de uma equipe multiprofissional é fundamental para cuidar de todos esses aspectos e o tratamento é feito a partir dos sintomas. “Uma proposta curativa é um pouco mais difícil, então a gente ainda segue com pesquisas clínicas e principalmente objetivo medicamentoso, que consiga inibir a ativação dessa proteína que produz osso em tecido conjuntivo, tamanha a dificuldade de um tratamento curativo.” Também é comum o uso de remédios para ajudar na respiração.

Teste do pezinho

O projeto de lei 5090/2020, de Marcelo Aro (PP-MG), prevê a “realização obrigatória de exame clínico para identificar a FOP”, que consiste em inserir um procedimento de checagem na triagem neonatal: observar os dedos dos pés do recém-nascido. O procedimento tem como objetivo identificar alguma má-formação óssea nessa região, que pode ser um indício da doença.

Outra possibilidade são os testes genéticos realizados para encontrar as características de proteínas ósseas. “A maneira com que o teste do pezinho pode contribuir para diagnóstico e principalmente detecção mais breve desse cenário é fazendo teste genético com avaliação da proteína óssea morfogenética BMP tipo 1. Essa proteína tem padrões relacionados ao gene ACVR1, que pode inclusive codificar alguns tipos de receptores que otimizam o funcionamento dessa proteína, como Activina A e Activina-like”, aponta Rocha.

*Sob orientação de Marcia Avanza

FONTE: Jornal da USP

HC zerou mortalidade materna por tromboembolismo venoso

O tromboembolismo venoso (TEV), problema que atinge muitas mulheres gestantes e no pós-parto, acontece quando a trombose venosa (formação de coágulo nos vasos) é combinada à embolia pulmonar, com o coágulo atingindo a circulação dos pulmões. Como parte de um estudo, o setor de Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) adotou um protocolo baseado em grau de risco que foi capaz de zerar a mortalidade materna por TEV. O método foi descrito em artigo científico e premiado pela International Society for Thrombosis and Haemostasis no Canadá.

Risco

Primeira autora do estudo, a médica Venina Isabel Leme de Barros é obstetra do HCFMUSP e pesquisadora do Laboratório de Fisiologia Obstétrica (LIM 57). Ela explica que o risco de ocorrência do TEV aumenta dez vezes em mulheres durante a gestação e 30 vezes em mulheres no pós-parto. Além do ganho de peso que ocorre durante a gestação favorecer o TEV, os níveis de coagulação aumentam para evitar hemorragias após o parto, elevando o risco de formação de coágulos e, consequentemente, de trombose venosa.

“Trombose é um entupimento das veias de ocorrência mais comum na perna esquerda e, além da sequela ao membro em si, esse trombo pode migrar para o pulmão e levar à embolia pulmonar, que é letal em até 30% da vezes”, explica Venina Barros. Ela também diz que os períodos de maior risco se estabelecem durante a hospitalização e em até três meses após o parto.

Segundo a obstetra, o aumento da obesidade no Brasil e uma tendência nacional e mundial das mulheres engravidarem mais velhas impactaram diretamente a alta de casos relacionados à trombose na gravidez. Assim, a comunidade médica notou a necessidade de implantar um protocolo de prevenção.

Outro fator mencionado por Venina é o crescimento do risco de câncer de mama na população jovem – entre 20 e 40 anos –, que influencia diretamente na incidência de trombose por conta da quimioterapia. Além disso, a médica alerta que em dez anos a doença se tornou a quinta maior causa de mortes de gestantes.

Protocolo

O método desenvolvido para a prevenção foi aplicado a mais de 10 mil pacientes, das quais 15% apresentavam alto risco de tromboembolismo venoso. O protocolo baseia-se na triagem das grávidas em níveis de risco para trombose, momento em que é feita uma avaliação. Venina ressalta que, apesar de o risco ser maior no pós-parto, a análise deve ser feita em qualquer ocorrência de hospitalização.

“Você teve o parto e esteve internada. A primeira conduta é deambulação, ou seja, levantar e fazer exercício, mexer as pernas. Essa orientação é universal para todas as gestantes e para qualquer paciente hospitalizado”, pontua a obstetra. Por outro lado, nos casos de alto risco, o recomendado é prevenção com uso de heparinas de baixo peso molecular entre 8 a 12 horas após o parto.

Nos casos em que a paciente também possa ter um sangramento aumentado, é feita opção pelos métodos mecânicos, como as meias elásticas e o compressor vascular, que ajuda o retorno sanguíneo, acrescenta a pesquisadora.

É necessário que seja mantido um acompanhamento por três meses após o parto, uma vez que o risco permanece. Nesse sentido, a médica chama a atenção para casos de alto risco em que a medicação persiste por 15 dias e, em casos de altíssimo risco, com histórico de trombose, em que a medicação continua por 30 dias.

FONTE: Jornal da USP

Cirurgia robótica traz avanços na medicina e já é utilizada no Brasil

A primeira cirurgia robótica realizada no Brasil aconteceu há 15 anos e desde então o ramo vem crescendo, especialmente, com a chegada de novos fabricantes no País. Mesmo que a longo prazo, a expectativa de especialistas é de que, com uma produção independente de tecnologias, as cirurgias robóticas tenham seus custos reduzidos.

Maria José Carmona, professora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), membro da Comissão de Inovação (InovaHC) e diretora da Divisão de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da FMUSP, esclarece que a atual dependência brasileira de tecnologias importadas torna essas cirurgias muito caras.

Avanço

A maior precisão dos movimentos proporcionada pela tecnologia é apontada pela professora como um significativo avanço, tendo em vista que existe a possibilidade de realizar procedimentos mais sensíveis e delicados. A partir de um filtro dos pequenos tremores da mão do cirurgião, há um refinamento dos movimentos, de acordo com Maria José.

“Há uma evolução, um incremento de uma tecnologia que começou com as cirurgias por escopias. Apenas colocar pinça dentro de uma cavidade manipulada pelo cirurgião e, agora, nessa outra fase que já começou há uns 20 anos da cirurgia robótica, com a capacidade de manipular a distância a partir de um robô”, esclarece.

No contexto atual, o crescimento no número de cirurgias auxiliadas por robôs foi significativo com a chegada de novos fabricantes. Porém, na visão da professora, esse processo, no caso específico do Brasil, deve ser considerado como uma incorporação tecnológica. “Acho que nós temos que entender isso, porque o Brasil é um país dependente nessa área, ou seja, dependente da importação desses robôs”, justifica.

Prática

Em paralelo à incorporação tecnológica das cirurgias robóticas há um programa de educação continuada e de simulação de diversos estágios para o treinamento das equipes participantes. Dessa forma, Maria José ressalta que há duas frentes de investimento: a de tecnologia e a da equipe responsável pelo cuidado do paciente.

No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) e no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), a professora menciona a utilização de robôs para a realização das operações urológicas e torácicas, por exemplo. “Essa incorporação tecnológica é importante, uma vez que é, atualmente, considerado um procedimento padrão para alguns tipos de cirurgias. No entanto, é limitado pelo custo”, pondera.

Desafios

Maria José enfatiza a necessidade de um plano de independência tecnológica no Brasil, uma vez que, a cada cirurgia robótica realizada, o País está pagando royalties para aquele que produziu a tecnologia. Por exemplo, a professora cita as políticas governamentais da Coreia do Sul com incentivos a esse desenvolvimento, enquanto o Brasil ainda apresenta investimentos muito tímidos, em sua opinião.

A professora esclarece que, apesar do procedimento já ser considerado padrão em alguns casos, em decorrência da importação, ele tende a continuar com preços muito altos e com um acesso limitado, especialmente no Sistema Único de Saúde. “Acredito que devemos utilizar as tecnologias, mas também devemos estar alertas para termos, em algum momento, independência, uma produção interna e pesquisa voltada para essas tecnologias de ponta na área de saúde”, declara Maria José, acreditando no potencial de investimento de empresas brasileiras no ramo.

FONTE: Jornal da USP

Doença de Behçet: quais os sintomas e quando procurar ajuda

A síndrome de Behçet é uma doença rara, inflamatória crônica e autoimune que surge inicialmente com aftas e úlceras recorrentes na boca e partes genitais causando muito incômodo.  Por ser desconhecida, muitas vezes a pessoa não dá atenção aos sintomas que podem se agravar e atingir artérias, articulações, sistema neurológico e os olhos, conforme conta o reumatologista Rafael Alves Cordeiro, médico assistente do ambulatório de Doença de Behçet do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).

“Dor e inflamação nas articulações, lesões de pele que podem ser semelhantes a acne e também envolvimento dos olhos, inflamação dos vasos sanguíneos da retina. Alguns pacientes podem apresentar trombose, podem apresentar aneurismas, podem ter inflamação no intestino e até mesmo inflamação no sistema nervoso. Boa parte desses envolvimentos acontece por conta de inflamação dos vasos sanguíneos, que é o que nós chamamos de vasculite. A doença de Behçet tem a peculiaridade de poder inflamar desde vasos sanguíneos muito pequenos até vasos sanguíneos médios e grandes”,  explica o reumatologista.

Sintomas e diagnóstico

As queixas de doença de Behçet geralmente começam muitos anos antes do diagnóstico com aftas bastante dolorosas. O aparecimento de úlceras acomete cerca de 80% dos pacientes. Já as  manifestações oculares atingem cerca de 50% dos quadros.  Como  as aftas podem aparecer em outras doenças como AIDS,  lúpus e doença de Crohn,  é importante a investigação.  A doença vai ficando cada vez mais fraca com o passar das décadas. Não há cura,  mas existe tratamento.

O diagnóstico de doença de Behçet é clínico, baseado nas manifestações apresentadas pelo paciente e analisadas pelo médico. Não há exame de laboratório que determine o diagnóstico.  A causa da doença é desconhecida e afeta diretamente o sistema imunológico.  Na maioria das vezes, o reumatologista necessita do auxílio do oftalmologista para saber se há inflamação no olho e qual estrutura está comprometida.

Evolução da doença

Homens jovens, entre 20 e 40 anos, apresentam uma evolução pior da doença do que as mulheres que têm um quadro mais leve. Já em crianças os casos são raros. A doença de Behçet é bastante comum em países que fazem parte da antiga rota da seda, que se estende da Ásia ao Mediterrâneo, afetando principalmente gregos, turcos, árabes e israelenses, além de coreanos, chineses e japoneses. Atualmente, todos os continentes têm casos da doença, inclusive o Brasil.

Como  as aftas podem aparecer em outras doenças como AIDS,  lúpus e doença de Crohn,  é importante a investigação. A doença vai ficando cada vez mais fraca. Não há cura,  mas tratamento.  “Nós não falamos exatamente em cura para a doença de Behçet. O que nós sabemos é que a doença tende a ficar mais leve  com o passar das décadas  e muitos pacientes podem ficar assintomáticos conforme envelhecem. O tratamento tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida e também de impedir o acúmulo de danos que a doença pode provocar. Em casos mais graves, nós temos como usar medicações imunossupressoras, que são medicações que bloqueiam inflamações provocadas pelo sistema imunológico, com o objetivo não só de controlar a doença, mas também de diminuir as recaídas que a doença pode provocar”, explica Cordeiro.

FONTE: Jornal da USP

Casos de remissão do HIV podem auxiliar com novas pesquisas

Um paciente suíço teve a remissão do vírus do HIV após a realização de um transplante de medula óssea para o tratamento de uma grave leucemia. O paciente de Genebra, apelido atribuído ao indivíduo, pode ser a sexta pessoa a ser efetivamente curada do vírus da imunodeficiência humana. A comunicação foi feita durante a Conferência IAS sobre Ciência do HIV, ocorrida neste mês, na Alemanha.

Jorge Simão Casseb, professor e coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo, explica que a continuidade do tratamento segue sendo um dos caminhos essenciais para a remissão da doença.

Caso 

Entre os diferentes casos de pacientes curados, é possível observar uma importante semelhança: todos apresentavam leucemia — câncer que ocorre na formação das células sanguíneas —, e se beneficiaram do transplante de células-tronco. O especialista explica que, normalmente, o HIV infecta células que apresentam receptores do tipo CD4, e que uma diferença do caso mais recente para os anteriores é o fato de que, durante o transplante dos outros cinco pacientes, foi inserida uma célula que não apresentava um coreceptor, o CCR5. Assim, o ciclo viral não conseguia ser completado.

No caso atual, houve somente o tratamento em si e não a modificação do vírus. Mas Casseb chama a atenção para o fato de que não se pode afirmar que se trata da cura: “Como nós temos previamente mostrado, nos casos em que você para de tomar o medicamento, o vírus volta a se multiplicar e, neste caso, até o momento não voltou”.

O professor destaca ainda que a ciência e a saúde pública vêm trilhando bons caminhos na busca de uma solução para a questão, mas o Brasil segue com 1 milhão de pessoas que são portadoras da doença e, mesmo com um bom aparato que é referência no mundo, temos 40 mil casos e 11 mil mortos todos os anos. Grande parte desses casos estão associados à falta de adesão ao tratamento, diagnóstico tardio e falta de procura de ajuda.

“O grande problema é que o vírus fica escondido no nosso sistema imunológico, no sistema nervoso central, no nosso intestino. Então, uma vez que o indivíduo para de tomar o medicamento, o vírus volta a aparecer”, explica o especialista. As novas estratégias de tratamento mais avançadas procuram utilizar medicamentos injetáveis a cada dois meses, facilitando a continuidade do tratamento.

Potencial 

Outro aspecto a ser analisado sobre o caso é o seu potencial para influenciar novas pesquisas sobre o tema. Assim, o especialista reforça mais uma vez que os pacientes que tomam a medicação corretamente apresentam a carga viral controlada. “Do ponto de vista prático, você tem um tratamento eficiente que custa muito caro, mas que do ponto de vista de saúde pública e individualmente funciona.”

As pesquisas que tentam produzir vacinas seguem acontecendo, mas nenhuma funcionou até o momento em decorrência da dificuldade de combater o vírus. Atualmente, o foco é utilizar o tratamento para evitar o avanço do vírus. Além disso, o grande desafio na busca por uma cura é encontrar o vírus nos reservatórios — local em que o vírus não se multiplica — , assim ele fica integrado ao genoma humano e os anos passam com a carga viral zerada.

FONTE: Jornal da USP