Câncer em crianças e adolescentes apresenta-se como um problema de saúde pública

Estima-se que o câncer em crianças e adolescentes corresponda a até 3% de todos os tumores malignos, sendo uma das principais causas de óbito entre esses indivíduos. Um estudo realizado pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP acerca da epidemiologia do câncer nessa faixa etária, no município de São Paulo, entre os anos de 1997 e 2016, aponta que, apesar da crença de que a maioria das crianças não desenvolve doenças graves, a questão apresenta-se como um problema de saúde pública.

Beatriz Bertuzzo Möller, mestranda da FSP e autora do estudo, explica que, com a redução da mortalidade por doenças transmissíveis, o câncer se tornou uma das principais causas de óbito em crianças de 0 a 14 anos e adolescentes de 15 a 19 anos.

Saúde pública 

O desenvolvimento do câncer nessa faixa etária apresenta-se como um importante problema do sistema de saúde pública nacional, já que indica impacto direto no suprimento do serviço — por meio de alterações no fornecimento de assistência, a necessidade do acompanhamento contínuo da doença e pelas implicações significativas na qualidade de vida.

Um dos pontos mais importantes para o sucesso terapêutico em crianças e adolescentes é o diagnóstico precoce. Assim, é possível observar que, ainda hoje, o avanço nos tratamentos disponíveis não é uniforme para toda a população, sendo possível observar, em muitos casos, que o nível de desenvolvimento econômico está diretamente associado ao acesso aos serviços de saúde. “Apesar do câncer ser considerado uma doença rara nessa faixa etária, são esperados, apenas em 2023, cerca de 430 mil casos novos no mundo e 8 mil casos no Brasil”, aponta a pesquisadora.

Métodos 

Para a realização da pesquisa, Beatriz explica que a obtenção dos dados sobre os casos novos — que ocorreram entre os anos de 1997 e 2016 — se deu a partir do Banco de Dados do Registro de Câncer de Base Populacional de São Paulo, que se localiza no Departamento de Epidemiologia da FSP. As informações sobre os óbitos, que ocorreram entre os anos de 1997 e 2021, foram obtidas por meio do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde na página eletrônica do DataSUS.

A pesquisadora comenta, dessa forma, que durante a maior parte do período foi possível observar uma queda das taxas de incidência e de mortalidade. A queda da segunda já era esperada pela maioria dos pesquisadores, contudo, é importante avaliar que a queda da incidência pode estar associada à falta de diagnóstico. Beatriz explica que isso acontece, pois os sintomas de câncer nessa idade podem estar associados à ocorrência de outras doenças, o que acaba dificultando o diagnóstico.

Para uma melhora desse cenário, a capacitação dos profissionais que trabalham na área faz-se necessária. Atualmente, o câncer em crianças e adolescentes é dividido em 12 grupos principais, com destaque para a leucemia, os linfomas e os tumores que atingem o Sistema Nervoso Central. Esses tipos também são os mais comuns em outros países e regiões, sendo possível notar que esse não é um padrão exclusivamente nacional.

Por fim, a pesquisa concluiu que a taxa de incidência no Brasil, no período entre 1997 e 2016, foi de 195 por milhão — valor considerado alto quando comparado a outros países da América Latina, mas que é semelhante aos casos europeus. A taxa de mortalidade em 1997 e 2021 foi de 47,9 por milhão, valor que é considerado alto quando comparado aos países da Europa e da América do Norte, mas que é semelhante aos dados da Ásia e da África.

FONTE: Jornal da USP

Cosméticos com extrato de alga e girassol podem beneficiar pele diabética

De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), em 2021, 15,8 milhões de brasileiros tinham a doença que, entre outros problemas, afeta a pele e a autoestima. Pensando nisso, pesquisadoras da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP desenvolveram e testaram formulações cosméticas com extrato de semente de girassol e alga vermelha, que ajudaram a controlar as alterações da derme decorrentes da condição.

A diabete é caracterizada por altas taxas de açúcar no sangue devido à falta ou má manutenção do metabolismo da glicose. Segundo a professora Patrícia Maia Campos, coordenadora do Núcleo de Estudos Avançados em Tecnologia de Cosméticos, a doença causa o aumento de produtos de glicação (AGE) — reação entre glicose e moléculas como proteínas, ácidos nucleicos e lipídios, envolvida com o processo de envelhecimento —, que provoca danos nas fibras de colágeno da pele.

Para um melhor entendimento desse tipo de pele e como os cosméticos devem agir nela, a pesquisa foi dividida em duas fases: caracterização da pele e estudos clínicos com os extratos.

Características da pele diabética

Para compreender as características específicas dos AGE, parte da pesquisa foi voltada para análise da pele de pessoas com diabete em comparação com pessoas saudáveis; os resultados foram publicados na revista Life. “Neste trabalho, nosso objetivo era entender por que a pele do diabético é mais sensível, por que envelhece primeiro, por que as feridas demoram muito para cicatrizar. A ideia foi analisar as propriedades morfológicas da pele, por medidas instrumentais e clínicas, para melhorá-la usando alguns produtos específicos para diabete”, resume Patrícia Campos.

As pesquisadoras analisaram a pele da face de 28 mulheres, entre 39 e 55 anos, das quais metade tinha diabete tipo 2 e o restante era saudável. Os testes foram realizados por Microscopia Confocal de Reflectância (RCM), técnica avançada de imagem que permite a análise mais profunda da pele de modo não invasivo, sem necessidade de biópsia, observando alterações na morfologia do colágeno e do microrrelevo. Outros equipamentos avaliaram fatores como a elasticidade, rugas e a perda transepidérmica de água (evaporação passiva através da pele).

As técnicas de análises usadas no estudo (RCM), não só para a pele diabética mas em geral, possibilitam que os profissionais vejam alterações na derme que ainda não se manifestaram visualmente, como, por exemplo, na estrutura do colágeno. “Esses métodos vão dar suporte na definição de uma estratégia para elaborar a formulação adequada de cosméticos para esse público específico”, destaca a professora.

Imagens tiradas pela técnica da Microscopia Confocal de Reflectância (RCM) na pele diabética. As setas apontam as papilas policíclicas, frequentemente encontradas em pessoas que apresentam envelhecimento cutâneo mais acentuado – Foto: Pesquisa

As pesquisadoras observaram que a derme diabética sofre maior perda transepidérmica de água, ou seja, a hidratação é prejudicada. “Há uma proteção natural chamada função barreira da pele, que está ligada com a sensibilidade. Se houver comprometimento dessa função pela alta perda transepidérmica de água, significa que há danos nessa barreira cutânea”, explica. Alguns sinais podem ser a pele avermelhada, maior sensibilidade e coceira.

Segundo o estudo, a pele de pessoas com diabete também possui menos firmeza, porque o colágeno é menos denso e apresenta uma estrutura desordenada na derme. Patrícia Campos aponta que, por causa desse fator e do ressecamento, essa pele tem uma textura diferente, mais flácida.

“Esse conhecimento é importante porque em termos de envelhecimento da pele isso pode incomodar e prejudicar a qualidade de vida e bem-estar do paciente. Também, para prevenir algumas doenças e cuidar de cicatrizes, porque a perda de água deixa a pele seca e mais suscetível a dermatite de contato [irritação]”, diz.

As formulações cosméticas

Levando em conta as diferenças da pele diabética estudadas e como essas características afetam a autoestima de mulheres, a pesquisadora Verônica Rego Moraes, em seu doutorado, estudou e desenvolveu formulações cosméticas com extratos naturais para atender às necessidades específicas para o rosto de pessoas com diabete. Os ativos aplicados, de alga vermelha e semente de girassol, foram escolhidos pelo seu efeito de antiglicação e não haviam sido analisados na pele diabética anteriormente a esse estudo.

A pesquisadora explica que essa parte do estudo, além de ser importante para o bem-estar físico, impacta a forma como as pacientes se veem. “É sobre autoestima também. O rosto geralmente é mais visado. Com uma pele mais sensível é complicado achar produtos, entre outros, que sejam focados para esse tipo de pele”, diz Verônica Moraes.

O estudo clínico recrutou 59 mulheres, entre 39 e 55 anos, e as separou em três grupos: aquelas que usaram apenas um produto cosmético já existente no mercado, aquelas que usaram o produto com o extrato de alga vermelha e aquelas que usaram o cosmético com a associação dos extratos de alga e de semente de girassol. A aplicação dessas fórmulas foi feita durante 90 dias.

Os resultados dos grupos que usaram os extratos mostraram diferenças significativas nas mudanças da pele decorrentes do processo de glicação das pacientes. Com as técnicas de imagem RCM foi possível identificar melhora nos padrões de colágeno e espessura da derme. A fórmula que continha apenas extrato de alga vermelha mostrou resultados mais promissores, como aumento da densidade dérmica.

“Percebi que elas se sentiam valorizadas com essa formulação, o que foi muito gratificante. Elas realmente gostaram e todas falaram que comprariam. Então, podemos observar a melhora na qualidade de vida e na autoestima dessas mulheres”, conta.

As formulações foram produzidas para a pesquisa conduzida no Núcleo de Estudos Avançados em Tecnologia de Cosméticos da FCFRP e, por hora, não há projeto para sua produção e comercialização, apesar de ser de interesse de Verônica Moraes.

Mais informações: e-mail pmcampos@usp.br, com Patrícia Maia Campos

*Estagiária sob orientação de Valéria Dias

*Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Os desafios do envelhecimento ativo nas minorias sociais

O Programa USP 60+, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU), realiza a quarta edição do Simpósio USP Rumo ao Envelhecimento Ativo. O evento terá lugar na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na próxima quinta-feira, 22 de setembro, das 9 às 17 horas, e reunirá especialistas para discutir os desafios do envelhecimento populacional. Para participar, basta se inscrever na programação do período da manhã e/ou da tarde, pelo link.

As atividades do Programa USP 60+ buscam valorizar pessoas com idade superior a 60 anos, além de incentivar sua qualidade de vida. O simpósio contará com quatro blocos temáticos: a importância das relações geracionais; a importância da inclusão digital; envelhecendo com deficiência; e idadismo e minorias – interseccionalidade. A programação completa e seus palestrantes podem ser vistos no link.

Acompanhe abaixo a entrevista concedida à Rádio USP pelo médico Egidio Lima Dórea, coordenador do Programa USP 60+, que comenta sobre a importância dos temas do simpósio ao debater o envelhecimento saudável e promover mudanças na sociedade. “São temas que conscientizam e desconstroem o preconceito etário, o idadismo, o que destaca a relevância e atualidade do simpósio”, afirma Dórea.

Serviço:

4º Simpósio USP Rumo ao Envelhecimento Ativo

Dia 22 de setembro, das 9 às 17 horas

No auditório István Jancsó, da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, situada na Rua da Biblioteca, 21

Com informações da assessoria de imprensa da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU)

Mais informações: usp60@usp.br /  (11) 3091-9183 / @usp60mais

FONTE: Jornal da USP

Técnica pode ajudar a monitorar progressão da esclerose lateral amiotrófica

Também conhecidos como gorduras, os lipídios são uma classe diversificada de moléculas com inúmeras funções nos seres vivos, desde a reserva de energia até a regulação de processos celulares fundamentais. Lipídios que passam pelo processo de oxidação, reagindo com o oxigênio, têm recebido muita atenção de pesquisadores atualmente por estarem relacionados com inflamação e sinalização celular, e também com o estresse oxidativo – desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio e a sua remoção, o que causa danos à célula.

Um exemplo são as oxilipinas, moléculas derivadas da oxidação de ácidos graxos que têm sido associadas a doenças neurodegenerativas. No Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) Redoxoma, sediado na USP, cientistas desenvolveram um método para avaliar como as oxilipinas se apresentam na esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença em que há disfunção progressiva e morte dos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal.

Liderados por Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química (IQ) da USP, os pesquisadores estabeleceram e validaram um método de altíssima performance para análise simultânea de 126 oxilipinas no plasma sanguíneo. A inovação foram as ferramentas utilizadas: a cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas de alta resolução.

A cromatografia líquida é uma técnica para separar componentes de uma mistura. Já a espectrometria de massas é usada para identificar e quantificar moléculas pela medição da sua massa e caracterização de sua estrutura química.

Com isso, os pesquisadores analisaram o plasma de um modelo animal de ELA e descobriram oxilipinas alteradas nos animais sintomáticos. As diferenças nas moléculas refletem estresse oxidativo, inflamação e hipermetabolismo (degradação excessiva) de lipídios.

Alterações no metabolismo lipídico, inflamação crônica e estresse oxidativo estão fortemente ligados à progressão da ELA, que leva à atrofia muscular, paralisia e morte do paciente. Segundo os pesquisadores, as oxilipinas poderiam se tornar marcadores para o monitoramento da evolução da doença.

“O método foi a chave desse trabalho. A grande maioria dos métodos usa espectrometria de massas de baixa resolução para quantificar oxilipinas e outras moléculas, técnica com alta sensibilidade, mas não um poder muito grande de caracterização. Já com a espectrometria de massas de alta resolução, temos muito mais acurácia na caracterização das oxilipinas e ainda com alta sensibilidade. Unimos os dois aspectos mais relevantes e caracterizamos com o máximo possível de exatidão uma gama muito grande de oxilipinas”, afirma Adriano B. Chaves-Filho, que desenvolveu a pesquisa como projeto de pós-doutorado e é o primeiro autor do artigo publicado na revista Free Radical Biology and Medicine.

Os pesquisadores ressaltam que realizar uma análise global e abrangente de oxilipinas ainda é um desafio, já que elas são muito diversas e têm uma estrutura complexa. “Muitas delas compartilham a mesma fórmula molecular, a mesma quantidade de carbono, de oxigênio, de hidrogênio, só o arranjo desses átomos é diferente”, diz Chaves-Filho. Soma-se a isso a instabilidade química dessas moléculas e sua baixa concentração em amostras biológicas.

Daí a importância da ferramenta de análise, que possibilita investigar o perfil das oxilipinas não só em ELA, mas também em outras doenças. “Seria interessante se a gente pudesse fazer um estudo comparativo da ELA com outras doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, por exemplo, e ver se esse perfil é diferente – porque o interessante quando a gente faz uma análise é estabelecer um perfil, um painel de oxilipinas alteradas. A gente pode ter perfis diferentes que sejam bem característicos para cada doença”, explica Sayuri Miyamoto.

A pesquisa foi realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Neurodegenerative Disease Research, Inc. (NDR) e contou com a colaboração dos grupos dos pesquisadores Marisa H.G. Medeiros (IQ-USP), Isaías Glezer (Unifesp), ambos do Cepid Redoxoma, e William T. Festuccia (ICB-USP).

Mais informações: e-mails miyamoto@iq.usp.br e adrianobcfilho@usp.br

*Adaptado do site do Cepid Redoxoma, com edição de Luiza Caires. Para mais detalhes, leia o texto completo.

FONTE: Jornal da USP

Implante para quem teve perda profunda da audição melhora percepção da fala

A cóclea é um órgão do ouvido interno em forma de espiral que recebe sons do ambiente externo e os transmite para o cérebro. Em casos de perda de audição, o implante de um dispositivo ligado à cóclea é uma opção para o paciente recuperar a capacidade de ouvir. Quando a perda é severa ou profunda, em geral devido à malformação do órgão ou a doenças como a meningite, sugere-se o implante com eletrodo curto, que tem a metade do tamanho dos modelos convencionais, para fazer a ligação do dispositivo com a cóclea, que é mais difícil porque nesses casos ela costuma estar diminuída. Porém, os efeitos deste dispositivo na compreensão da voz e articulação da linguagem ainda são pouco conhecidos, o que motivou uma pesquisa do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da USP, em Bauru. Ao testar pacientes que receberam o implante com eletrodo curto, o estudo constatou que os pacientes melhoraram de forma significativa a percepção da fala.

O estudo é descrito em artigo publicado na revista científica Acta Oto-Laryngologica. “O implante coclear é um dispositivo colocado por meio de cirurgia, de alta complexidade tecnológica, usado na reabilitação de pacientes com perda auditiva severa ou profunda bilateral, que não se beneficiam do uso de aparelhos auditivos convencionais”, afirma ao Jornal da USP o médico Guilherme Adam Fraga, que pesquisou o tema para sua dissertação de mestrado no HRAC, ligado à Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP. “Diversas empresas no mundo desenvolveram seus próprios dispositivos, que variam em tamanho, espessura e comprimento dos eletrodos, pois a anatomia da cóclea humana também apresenta variações.”

De acordo com o médico, o implante coclear com eletrodo curto, de 15 milímetros (mm), é indicado como reabilitação em pacientes com malformações do órgão ou com ossificação coclear associada a alguma doença, notadamente a meningite. “Quando observamos nos exames de imagem pré-operatórios, de tomografia e ressonância magnética, que a cóclea tem seu tamanho reduzido, o que torna mais difícil a inserção total do eletrodo, usamos o modelo curto, cujo comprimento é menor em relação ao convencional, que tem 31 mm”, explica. “Esse tipo de eletrodo é amplamente adotado no mundo, mas poucos estudos foram publicados avaliando o desempenho auditivo e de linguagem em seus usuários, com resultados, até o momento, controversos.”

A pesquisa avaliou como os testes de percepção de fala (audição) evoluíram em pacientes que foram submetidos a cirurgia de implante coclear com um tipo específico de eletrodo curto, o Compressed, da empresa austríaca Med-EL. “Realizamos a análise dos prontuários de todos os 1.713 pacientes implantados entre os anos de 2009 e 2020 no HRAC e encontramos um total de 70 pacientes usuários desse eletrodo”, descreve Fraga.

Exemplo de colocação do implante coclear; na imagem da direita está a cóclea, órgão do ouvido interno em forma de espiral que recebe sons do ambiente externo e os transmite para o cérebro, ligada ao dispositivo de reabilitação auditiva por um eletrodo, que é mais curto em casos de perda severa ou profunda da audição, quando o tamanho do órgão diminui por malformação ou doenças como a meningite, dificultando sua colocação – Foto: Cedida pelo pesquisador

Uso da fala

“Os testes de percepção de fala são avaliações audiológicas específicas realizadas em pacientes com perda auditiva, utilizados internacionalmente e validados para a língua portuguesa do Brasil”, explica o médico. “Neles, o fonoaudiólogo apresenta sílabas, palavras e frases ao paciente, que precisa comprovar que compreendeu, repetindo-as com o uso da fala, ou seja, da linguagem oral.”

O estudo usou os testes realizados na rotina diária da Seção de Implante Coclear do HRAC, tanto pré quanto pós-operatórios. “Constatamos que meningite e perda auditiva congênita foram os principais motivos para indicação de implante coclear com eletrodo curto em nosso serviço, isto é, pacientes com ossificação e malformação da cóclea”, aponta. “Com as análises, observamos que houve evolução positiva dos testes de percepção de fala com o passar do tempo.”

Assim, “o uso do implante coclear com eletrodo curto mostrou-se uma alternativa no manejo de pacientes com perda auditiva severa ou profunda”, ressalta Fraga. “Os resultados do estudo aumentam os recursos à disposição do médico com dados objetivos para orientação do paciente e dos familiares na avaliação pré-operatória do implante coclear e na escolha do dispositivo a ser implantado.”

Cirurgia para colocação de implante coclear; tipo de eletrodo a ser inserido na cóclea é definido por exames de imagem que avaliam possível redução no tamanho do órgão – Foto: Cedida pelo pesquisador

A pesquisa foi realizada na Seção de Implante Coclear do HRAC por Guilherme Adam Fraga e apresentada como dissertação de mestrado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação. O trabalho teve orientação do professor Luiz Fernando Lourençone e participação de Julia Speranza Zabeu e Rhaissa Heinen Peixoto. A pesquisa é descrita no artigo Evolution of speech perception in patients with ossified cochlea and short array cochlear implant, publicado na revista científica Acta Oto-Laryngologica em 21 de agosto.

Mais informações: e-mail gadamfraga@usp.br, com Guilherme Adam Fraga

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Implante para depressão se mostra eficaz para tratar o problema

Um implante para tratar depressão resistente será aplicado pela primeira vez no Brasil. O aparelho, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já foi usado para controlar crises epilépticas anteriormente. Dois pacientes receberão implantes do aparelho, que estimula o nervo vago. Leandro Valiengo, médico e coordenador do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica o uso do aparelho para o tratamento desses casos de depressão.

Desde 2019, de acordo com Valiengo, a depressão é a doença que mais incapacita no mundo. Ainda que existam inúmeros tratamentos para o distúrbio, até 1/3 dos pacientes não melhora, o que pode resultar em um caso de depressão resistente, termo usado para classificar aqueles pacientes que têm a doença e que não respondem a dois tratamentos com medicações antidepressivas em doses adequadas e por um período de tempo determinado.

O acompanhamento feito pelos profissionais pode durar a vida toda, dependendo da gravidade dos casos. “Se você tiver um episódio depressivo na vida e depois do tratamento ficar tudo bem, não será preciso tratamento a longo prazo, apenas pelos próximos meses ou até por um ano. Quando um paciente tem mais de três episódios depressivos na vida, a chance de voltar a ter é muito alta, acima de 80%, o que pode resultar em tratamento e acompanhamento pelo resto da vida, ou por um tempo muito extenso” discorre o médico.

Com o tratamento de longo-prazo e de difícil processo, o médico destaca o desafio do estigma social acerca dessa condição mental, na medida em que contribui para um receio em recorrer à ajuda psicológica e psiquiátrica, e enfatiza que os médicos buscam cada vez mais desenvolver pesquisas a fim de melhorar os tratamentos para a condição.

O tratamento 

O aparelho usado para tratar esses casos de depressão já é conhecido na comunidade médica. Desde a década de 1990, segundo o médico, esse dispositivo, que é implantado na região do pescoço para estimular o nervo vago, já era usado para tratar pacientes com quadros de epilepsia. “Pacientes com epilepsia têm um fator de risco maior para ter depressão. Depois do tratamento, os médicos perceberam que esses pacientes também melhoraram seus quadros depressivos, então criou-se uma hipótese: será que esse procedimento também serve para tratar depressão, independentemente da epilepsia?” pontua Valiengo.

No final dos anos 1990, principalmente nos Estados Unidos, iniciaram-se estudos para o tratamento específico de pacientes com depressão através da estimulação do nervo vago. Os momentos iniciais da análise mostraram que os pacientes tinham taxas de resposta entre 20% e 30%. Em cinco anos de seguimento, os estudos mostraram que as taxas de respostas aumentaram, chegando a 67% de melhora. Os indivíduos que não aderiram ao aparelho tiveram 40% de melhora. Já nos casos de remissão da doença – quando os sintomas somem totalmente –, as taxas atingiram 43%.

O médico acrescenta que, mesmo com a implantação do aparelho, os pacientes ainda podem continuar com outros procedimentos simultâneos, como terapias e usos de medicamentos controlados. Valiengo explica que, caso haja uma melhora nos sintomas, os pacientes provavelmente ficarão com o aparelho pelo resto da vida, realizando os ajustes necessários ao longo do tempo. Por se tratar de uma cirurgia, o procedimento pode causar uma infecção – o que não é comum, acrescenta o médico. Outros efeitos colaterais mais comuns são tosse e rouquidão, já que o nervo vago possui um controle das cordas vocais.

Valiengo salienta que a autorização do uso do aparelho pela Anvisa não significa que o tratamento estará disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) ou por meio do convênio, por exemplo. “São várias etapas no processo de aprovação. A Anvisa regula se é permitido ou não e existem outras burocracias para a disponibilização do tratamento.” Existem inúmeros custos por trás do procedimento, como os da cirurgia, do aparelho e das baterias, além de recursos humanos. Como acabou de ser aprovado, ainda não é possível estabelecer um preço para ele.

FONTE: Jornal da USP

Síndrome do coração partido é uma condição médica que pode levar à morte

“Mudaram as estações, nada mudou. (…) Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre acaba?”. Os versos iniciais da canção de Cássia Eller refletem uma experiência universal: a perda e o luto. As consequências da morte de alguém conhecido nunca são fáceis, quando é a morte de um parceiro a situação se agrava e pode se estender além do adeus. Essa situação pode desencadear um quadro de consequências prejudiciais à saúde, como distúrbios do sono, episódios depressivos, ansiedade, diminuição da função imunológica e até mesmo um declínio significativo na saúde física. Esse panorama é comum e recebe o nome de efeito viuvez.

Maria Julia Kovács, professora sênior do Instituto de Psicologia da USP e membro fundadora do Laboratório de Estudo sobre a Morte, explica que o efeito viuvez, que também pode ser chamado de síndrome do coração partido, é quando a perda de uma pessoa é vivida de uma forma tão intensa e tão dolorosa, ou com tanto sofrimento, que acaba levando à morte do enlutado. Trata-se de uma condição médica documentada, conhecida como cardiomiopatia induzida por estresse, e ocorre quando o coração fica atordoado por um estresse agudo repentino e seu ventrículo esquerdo enfraquece. Ela foi descrita pela primeira vez em 1990, no Japão, e nessa síndrome o coração fica tão parecido com uma armadilha de polvo japonesa chamada takotsubo, que alguns médicos começaram a denominar a doença de cardiomiopatia de takotsubo.

Mas, apesar do estado clínico crítico, que pode resultar na morte do enlutado, Maria Julia Kovács comenta que não é uma regra para aqueles que sofrem da síndrome do coração partido. “É importante a gente considerar que, mesmo que a pessoa não queira mais viver, não quer dizer que obrigatoriamente ela vai ter um processo de adoecimento direto ou vai cometer o suicídio.” Além disso, na maioria dos casos, quando o estresse emocional agudo se dissipa, o coração se recupera e volta à sua forma normal.

 

Da esquerda para a direita: armadilha de polvo japonesa, chamada takotsubo, e coração com a síndrome do coração partido – Montagem por Julia Valeri/Jornal da USP

 

O efeito da viuvez foi documentado em todas as idades e raças ao redor do mundo e uma pesquisa realizada por Nicholas Christakis, que dirige o Laboratório da Natureza Humana na Universidade de Yale, e Felix Elwert, professor de Sociologia da Universidade de Wisconsin, ambas nos Estados Unidos, afirma que o risco de um idoso morrer por qualquer causa aumenta entre 30% e 90% nos primeiros três meses após a morte do cônjuge e cai para cerca de 15% nos meses seguintes.

Terceira idade é a mais afetada

O estudo ainda revelou que, quando um parceiro morreu de forma súbita, o risco de morte do cônjuge sobrevivente aumentou. O mesmo acontecia com doenças crônicas como diabete, doença pulmonar obstrutiva crônica e câncer de pulmão ou cólon, que exigiam tratamento cuidadoso do paciente para tratar ou prevenir.

No entanto, se um cônjuge morreu de doença de Alzheimer ou Parkinson, não houve impacto na saúde do parceiro sobrevivente – possivelmente porque o cônjuge teve tempo adequado para se preparar para a perda do parceiro.

A professora ainda explica que casais da terceira idade e os viúvos homens são os mais propensos a sofrerem dessa síndrome, uma vez que as pessoas mais idosas vivem muito tempo juntas e muitas vezes não conseguem conceber uma vida sem a pessoa querida, e os homens dificilmente vão expressar seus sentimentos, no preceito de que se abrir e conversar sobre suas emoções é equivalente à fragilidade. “Às vezes eles podem entrar em grande sofrimento e acabar falecendo.”

A fala da psicóloga é embasada por um estudo publicado neste ano na revista de saúde norte-americana PlosOne, que evidencia que os homens correm um risco maior de morrer após perder a parceira: após estudar dados de quase 1 milhão de cidadãos dinamarqueses casados, os pesquisadores também descobriram que os homens tinham 70% mais chances de morrer do que os que não perderam a parceira. No caso das mulheres, 27% eram mais propensas à morte do que as que não se tornaram viúvas.

Mas a especialista ressalta que cada caso é distinto e que não se pode generalizar. “Quando, por exemplo, a pessoa é muito idosa ou já tem um processo de adoecimento, ou alguma condição que requer atenção psicológica ou psiquiátrica, que dificulta o processo de elaboração do luto, pode ser que ela seja mais propensa à síndrome do coração partido em um período curto de tempo; outras pessoas têm um processo de luto mais longo, que pode ser chamado de complicado, porque a intensidade, o sofrimento é muito grande e a capacidade e vontade de viver nesse mundo sem a pessoa querida é tão penosa que o luto se arrasta por anos.”

Ela ainda comenta sobre outra possibilidade de luto: “Existem circunstâncias em que a vida pode ficar melhor, porque às vezes o relacionamento era tóxico, era difícil, havia muito conflito e muita briga e, portanto, a viuvez se transforma nessa possibilidade de retornar ao bem-estar e à simplicidade da vida”.

Entretanto, Maria Julia Kovács nota que é sempre importante ficar atento aos sinais da síndrome para que, se necessário, se faça a intervenção e a busca por ajuda. “Os cônjuges sobreviventes podem sofrer de distúrbios do sono, episódios depressivos, ansiedade, função imunológica prejudicada e saúde física geral precária.” Diante disso, a psicóloga enfatiza a necessidade de um acompanhamento próximo ao parceiro sobrevivente. Se manifestações de desvalorização da vida surgirem ou se houver queixas sobre a dificuldade de seguir adiante e de se adaptar à vida sem o parceiro, ela destaca a importância de uma conversa direta com o indivíduo e oferecer apoio e opções como grupos terapêuticos, terapia individual ou até mesmo medicação.

“Não finja que está tudo bem e cerque-se de pessoas para as quais você não precisa fingir que está bem. O luto é um ato de coragem e força. Quanto mais significativa a perda, mais profunda ela é e mais longo é o processo de recuperação. Procure ajuda se necessário”, conclui a especialista.

*Estagiário sob orientação de Ferraz Junior

FONTE: Jornal da USP

Cigarro e vírus HPV têm efeito conjunto nas células, potencializando o risco de câncer

Além de constituírem fatores de risco independentes para o câncer de cabeça e pescoço, o tabagismo e o papilomavírus humano (HPV) podem provocar efeitos nas células que interagem entre si, aumentando ainda mais o risco da doença. A conclusão é de um estudo feito por cientistas da USP e da Universidade do Chile, cujos resultados foram publicados em artigo no International Journal of Molecular Sciences. Ao aumentar a compreensão sobre os mecanismos moleculares envolvidos nesse tipo de tumor, a descoberta abre caminho para a adoção de novas estratégias de prevenção, tratamento ou outra intervenção capaz de beneficiar os pacientes.

O câncer de cabeça e pescoço engloba tumores nas cavidades nasal e oral, faringe e laringe. Em 2020, afetou cerca de 830 mil pessoas em todo o mundo, causando a morte de mais de 50% delas. Segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Câncer (Inca), foram quase 21 mil mortes no Brasil em 2019. Embora a doença esteja historicamente ligada a consumo de álcool, fumo e má higiene bucal, o HPV surgiu nas últimas décadas como fator de risco relevante, afetando uma população mais jovem e de nível socioeconômico mais alto. Hoje, trata-se de um dos tumores associados ao HPV que mais crescem no mundo.

“Em vez de continuar analisando tabagismo e HPV como fatores oncogênicos separados, passamos a focar na possível interação entre os dois”, explica Enrique Boccardo, professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e coautor do estudo. “Afinal, tanto o cigarro quanto o papilomavírus humano estão associados ao aumento do estresse oxidativo e a danos no DNA relacionados ao câncer e, de acordo com estudos prévios, podem regular a enzima superóxido dismutase 2 [SOD2], que é um biomarcador de doenças iniciais associadas ao HPV e do desenvolvimento e progressão de tumores.”

Em testes in vitro, os cientistas brasileiros e chilenos analisaram células orais que expressavam as oncoproteínas HPV16 E6/E7 (a expressão foi induzida em laboratório para imitar a condição de células infectadas pelo papilomavírus) e foram expostas a um condensado da fumaça do cigarro. Foi observado nessa condição um aumento considerável dos níveis da enzima e de danos ao DNA, reforçando o potencial nocivo da interação entre HPV e fumaça de cigarro em relação à condição-controle. Ou seja, as células-controle (não expostas a oncoproteínas ou fumo) expressam menos SOD2 que células que expressam E6/E7 ou que células tratadas com fumaça de cigarro, enquanto células que expressam E6/E7 e foram tratadas com fumaça de cigarro expressam níveis maiores da enzima do que qualquer outro grupo analisado. Isso indica a “interação” entre a presença de genes de HPV e a fumaça de cigarro.

Ponto de Partida

Uma segunda etapa do trabalho, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo por meio de dois projetos, envolveu a análise de dados genômicos de 613 amostras que integram o repositório público The Cancer Genome Atlas (TCGA). Na plataforma, são catalogadas as mutações genéticas responsáveis pelo câncer a partir de sequenciamento de genoma e bioinformática. O grupo focou na análise de transcrições da enzima para confirmar os achados.

“Apesar de serem realizados em um ambiente artificial, estudos in vitro são um ponto de partida para compreender o que acontece em modelos mais complexos e, no futuro, talvez nos permitam intervir de forma objetiva e trazer algum benefício”, afirma Boccardo. “Atualmente, por exemplo, a vacinação contra o HPV só está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para crianças entre 9 e 14 anos, porque estudos apontaram maior eficácia na prevenção de patologias genitais, mas acredito que seja possível considerar a extensão para um grupo maior de indivíduos a fim de evitar doenças em outras regiões anatômicas.”

O pesquisador destaca ainda que este trabalho conduz os resultados obtidos em laboratório para a análise clínica ao superar o calcanhar de Aquiles da pesquisa básica, que é o acesso a amostras humanas. Isso se dá graças à evolução da tecnologia, que levou à criação de bases de dados de amostras humanas, como a utilizada na pesquisa. Esses bancos incluem estudos de análise de expressão de RNA e proteínas e permitem o acesso a informações de longos períodos de tempo.

“O próximo passo seria aumentar a complexidade do modelo utilizado, analisando a questão funcional em um contexto de expressão normal das proteínas virais, ou seja, em que o promotor do HPV regule de fato a expressão das oncoproteínas E6/E7″, acredita Boccardo. No caso do estudo, essa expressão foi induzida em laboratório e não pela infecção. “Não podemos esquecer, por exemplo, que existem eventos como o processo inflamatório, que não conseguimos visualizar in vitro, mas que sabemos que, na prática, pode ter um papel muito importante no desfecho da doença.” O artigo Interaction between Cigarette Smoke and Human Papillomavirus 16 E6/E7 Oncoproteins to Induce SOD2 Expression and DNA Damage in Head and Neck Cancer pode ser lido aqui.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Texto: Julia Moióli da Agência Fapesp, com edição de Júlio Bernardes

FONTE: Jornal da USP

Técnica usa anticorpos do sangue para detectar bactéria causadora da hanseníase

Uma nova estratégia para diagnosticar a hanseníase, doença que o Brasil é o país com maior número de novos casos por habitante, é proposta em pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Testada em ensaios de laboratório, a técnica usa anticorpos presentes no sangue para identificar uma proteína da bactéria causadora da doença. O método fornece um diagnóstico mais preciso do que o baseado nas técnicas laboratoriais existentes, como, por exemplo, a realização de biópsias. O próximo passo da pesquisa é desenvolver tecnologias que permitam a realização do teste no local de atendimento dos pacientes.

Os resultados são apresentados em artigo da revista científica Frontiers In Medicine. A hanseníase é uma doença infecciosa, de evolução crônica e tratável que tem como agentes as bactérias Mycobacterium leprae e Mycobacterium lepromatosis. “A sua transmissão ocorre por meio do contato com o paciente infectado através das mucosas do nariz e da boca”, relata ao Jornal da USP o autor do estudo, o biomédico Filipe Rocha. “A bactéria compromete principalmente a pele e os nervos periféricos, podendo deixar graves sequelas quando não há tratamento precoce. Essa ausência leva ao surgimento de incapacidades físicas que podem evoluir para deformidades devido aos graves danos nos nervos causados pela bactéria. Assim, as principais sequelas serão perda parcial, ou total e irreversível da sensibilidade em mãos e pés ao calor, frio, dor e toque, atrofia muscular, dedos em garra, alterações nos movimentos e mutilações das extremidades do corpo.”

“O Brasil é classificado como país de alta endemicidade, sendo o primeiro do mundo em registros de novos casos por habitante e o segundo em novos infectados por ano, representando 93% do total de contágios dos países das Américas”, destaca Rocha. De acordo com o biomédico, em 2019, foram reportados à Organização Mundial da Saúde (OMS) 202.185 casos novos da doença no mundo. Desses, 29.936 (93%) ocorreram na região das Américas e 27.864 foram notificados no Brasil. Em 2022, mais de 17 mil casos de hanseníase foram notificados, sendo que com a pandemia da covid-19 houve uma redução de mais de 30% na notificação de casos novos, devido ao impacto na busca ativa de casos e nos programas de controle da doença. “A doença é um importante problema de saúde pública no País, que faz parte dos países prioritários na estratégia global de hanseníase.”

O pesquisador observa que, tendo em vista a performance variável dos testes laboratoriais existentes, o diagnóstico da doença é, ainda hoje, baseado principalmente na clínica, através da identificação de sinais dermatológicos e neurológicos, tais como como manchas na pele, áreas de perda de sensibilidade, regiões com perda de pelos e diminuição do suor, formigamentos, câimbras, sensação de picadas e agulhadas, dor nos nervos, caroços no corpo, dormência, fraqueza e inchaço nas mãos e pés, rosto inchado, perda de cílios e sobrancelhas, diminuição da acuidade visual, ressecamento e inflamação nasal. “Atualmente, as ferramentas de diagnóstico disponíveis carecem de sensibilidade e precisão suficientes para atingir o objetivo de detecção precoce, como o caso da baciloscopia e biópsia de pele”, relata. “Ferramentas como testes sorológicos, diagnóstico molecular, ultrassonografia de nervos periféricos, eletroneuromiografia e outras técnicas são restritas a centros de referência e unidades de atendimento especializado.”

A pesquisa avaliou o significado clínico e a capacidade dos anticorpos contra uma proteína da bactéria Mycobacterium leprae para o diagnóstico da hanseníase e rastreio de casos sem manifestações clínicas clássicas e de difícil diagnóstico, principalmente aqueles com sinais essencialmente neurológicos. O estudo contou com a realização de dosagens de anticorpos em 405 pessoas na região de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), sendo 200 casos novos da doença, 105 contatos intradomiciliares, dentro das residências, e 100 pessoas saudáveis.

Anticorpos

Por meio de um teste sorológico denominado Elisa, os anticorpos IgA, IgM e IgG, presentes no soro, que é a parte líquida do sangue, são capazes de reconhecer a proteína Mce1A, presente na bactéria. “Através dos níveis desses anticorpos os pacientes serão diagnosticados e monitorados ao longo e após o tratamento da doença”, descreve o biomédico. “Dessa forma, a análise combinada dos três anticorpos será capaz de avaliar e classificar as pessoas apenas em contato com a bactéria, casos de doença ativa e os que já foram tratados.”

Identificação da bactéria é feita por meio do teste sorológico Elisa, onde os anticorpos presentes na parte líquida do sangue (soro) são capazes de reconhecer proteína presente no micro-organismo – Imagem: Extraída do artigo – Tradução: Jornal da USP

Segundo Rocha, as próximas etapas da pesquisa envolvem a aplicação dos resultados encontrados para a testagem em plataformas tecnológicas capazes de ser comercialmente disponibilizadas e desenvolvimento de ensaios de testes no ponto de atendimento (point of care). “Certamente, esses são os objetivos futuros após a consolidação de todas as etapas necessárias para confecção de um kit diagnóstico”, avalia. “O diagnóstico da hanseníase é um desafio técnico e prático, principalmente nos casos maculares iniciais e os predominantemente neurais.”

“O desenvolvimento tecnológico e o investimento científico na área das doenças negligenciadas, como a hanseníase, é fundamental para o controle da doença como problema de saúde pública nacional e sendo a prospecção de novos exames laboratoriais de maior sensibilidade uma proposta para eliminação das principais limitações no diagnóstico da doença”, salienta o pesquisador. “Assim, novos biomarcadores para alcance das metas da OMS na identificação dos casos iniciais e infectados e para a interrupção da transmissão bacilar satisfazem os pilares de execução das pesquisas com impacto social e retorno ao Sistema Único de Saúde (SUS).”

De acordo com o biomédico, o tratamento farmacológico da hanseníase é feito com poliquimioterapia única (PQT-U), que associa três antibióticos – rifampicina, dapsona e clofazimina. “O esquema terapêutico é usado por seis meses para casos iniciais e 12 meses para os pacientes com formas clínicas avançadas. O tratamento é disponibilizado de forma gratuita e a hanseníase tem cura”, observa. “Conforme definido pelo Ministério da Saúde, é necessário concluir adequadamente o tratamento para que ocorra a cura e para evitar o retorno da doença, novas contaminações e resistência aos medicamentos”.

O estudo foi desenvolvido durante o doutorado de Filipe Rocha no programa de pós-graduação em Clínica Médica da FMRP, orientado pelo professor Marco Andrey Cipriani Frade. O trabalho contou com a participação de pesquisadores do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária e Hanseníase da FMRP, coordenado pelo professor Frade; Divisão de Dermatologia do Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da FMRP (HCRP); Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP; Instituto Gonçalo Moniz da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na Bahia; e Universidade de Califórnia, em Berkeley (Estados Unidos).

Mais informações: e-mail rfilipelima@gmail.com, com Filipe Rocha

 *Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Diagnóstico precoce é fundamental no tratamento da Esclerose Múltipla

A Esclerose Múltipla é uma condição autoimune potencialmente incapacitante do cérebro e do sistema nervoso central que dificulta a comunicação entre cérebro, medula e corpo. Em 30 de agosto, Dia Nacional da Consciência sobre a Esclerose Múltipla, o doutor Dagoberto Callegaro, chefe do Ambulatório de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica os principais sintomas, causas e efeitos da doença.

O que é 

De acordo com Callegaro, as causas básicas da Esclerose Múltipla  ainda estão em elaboração, mas é uma inflamação que proporciona a doença: “Praticamente, 85% a 95% dos casos iniciam-se por uma inflamação, que é danosa ao sistema nervoso central, seja o cérebro, a cabeça ou a medula espinhal. Nós dizemos que o neuroeixo do sistema nervoso central é comprometido e esse comprometimento pode ser difuso ou pontual”.

Geralmente, a doença inicia-se com a perda de uma função, que pode ser transitória ou definitiva. Segundo o médico, a maioria dos casos apresenta perdas de função transitória, que podem ser o adormecimento de um membro, uma fraqueza na mão, a alteração da sensibilidade em um membro inferior, um andar arrastado, um desequilíbrio e a turvação da visão, por exemplo. Esses sinais podem ser um indício do aparecimento da Esclerose Múltipla, que é mais comum entre jovens adultos e afeta mais mulheres do que homens.

Diagnóstico e tratamento 

A Esclerose Múltipla pode ser diagnosticada de forma rápida através do exame de Ressonância Magnética do Neuroeixo. Através dele, é possível identificar a localização da inflamação e o que ela causa de sintomas. “A característica de distribuição dessas lesões permite que a gente já comece a pensar na Esclerose Múltipla”, explica o especialista a respeito do padrão de lesões.

Se um indivíduo jovem do sexo feminino tem sintomas de visão dupla, faz o exame da Ressonância e identifica essa e outras lesões, é possível que haja a confirmação da suspeita de Esclerose Múltipla. O diagnóstico, além de identificar a condição e proporcionar um tratamento adequado, também é importante para afastar outras doenças semelhantes. Essa diferenciação pode ser feita através de outros exames, como a análise do líquido da espinha.

Depois de identificada, é necessário escolher a terapêutica específica para o paciente que apresenta a Esclerose Múltipla. Callegaro explica que existem dois tipos de tratamento da doença, que dependem da quantidade de lesões. “Para uma expressão da doença de baixa em quantidade de lesões, é utilizada uma terapêutica denominada de escalonada. Pacientes com muitas lesões nos primeiros movimentos da doença possuem um quadro chamado de alta atividade”, discorre.

A diferenciação dos grupos é importante, porque cada grupo recebe um tipo diferente de medicação. Os indivíduos que possuem poucas lesões utilizam remédios mais fracos; já os indivíduos com maior número de lesões recebem medicamentos mais potentes.  O tratamento da Esclerose Múltipla não é tratada apenas por médicos neurologistas. O médico explica que, juntamente com os medicamentos que combatem a inflamação, é preciso complementar com o tratamento de outros profissionais, como fisioterapeutas e psicólogos.

Mensagem 

Segundo o médico, qualquer sintoma neurológico em jovens precisa ser observado e tratado com seriedade. Os exames neurológicos e complementares são importantes para que haja um diagnóstico fechado o mais rápido possível. “Quanto mais rápido for o descobrimento da doença, é possível iniciar a terapêutica mais precocemente”, pontua o médico.

A Esclerose Múltipla não tem cura, mas, quando os tratamentos necessários são iniciados rapidamente, é possível que os pacientes tenham uma vida totalmente normal.

FONTE: Jornal da USP