Ultraprocessados são fonte de proteína na alimentação de vegetarianos estritos

Estudo mostra que vegetarianos estritos consomem níveis adequados de proteína – e mesmo com ultraprocessados, ingerem mais alimentos in natura que a população em geral

O veganismo é um estilo de vida em que a pessoa não consome nenhum produto de origem animal, inclusive roupas e produtos de beleza testados em animais, por exemplo. Quando se fala exclusivamente de alimentação, a dieta recebe o nome de vegetarianismo estrito. Nesses casos, existe uma grande preocupação em relação à quantidade de proteína ingerida. A pesquisa conduzida pelo Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), coordenada pelo professor Hamilton Roschel, mostrou que a quantidade de proteína consumida por vegetarianos estritos é adequada, mas se apoia no consumo de alimentos ultraprocessados.

Entre os mais de 500 participantes do estudo, a mediana do consumo de proteína foi de 1,12 gramas por quilo de peso corporal, valor que atinge e supera a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 0,8 a 1,0 grama de proteína por quilo de peso corporal. No entanto, para atingir a recomendação de ingestão proteica, os vegetarianos estritos recorrem a alimentos ultraprocessados, em particular, à proteína texturizada de soja – que passa por uma etapa chamada extrusão, por isso é considerada ultraprocessada – e aos suplementos proteicos à base de proteína vegetal.

A pesquisa também analisou se vegetarianos estritos ingerem quantidades adequadas de aminoácidos essenciais – moléculas que formam as proteínas, mas que não são produzidas pelo corpo e têm funções específicas no metabolismo. Assim como no caso das proteínas, a adequação foi superior a 90%.

As dietas dos participantes foram analisadas com base em diários alimentares. Enquanto o recordatório alimentar é preenchido por um nutricionista, como uma entrevista, o diário é preenchido individualmente com relatos das refeições em medidas caseiras, mas também passa pela conferência de um nutricionista. Os participantes tiveram acesso a instruções para registrarem os alimentos de forma padronizada. O trabalho contou com pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, e da FMUSP.

Nível de processamento na dieta vegetariana estrita

Mesmo dependendo do consumo de ultraprocessados para atingir a quantidade adequada de proteína ingerida, 66% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vêm de alimentos in natura, alimentos que não sofrem alteração para serem consumidos, e minimamente processados – que passaram apenas por processos que não envolvem adição de sal, gordura, açúcar ou outras substâncias.

A porcentagem de calorias vindas de ultraprocessados na dieta dos participantes do estudo é de 13%. “Esses indivíduos comem menos ultraprocessados e consequentemente mais alimentos in natura e minimamente processados que a população em geral. Então, esse é um achado interessante, porque mostra que as premissas de uma boa dieta à base de plantas estão sendo seguidas”, diz Roschel.

Em comparação com os dados encontrados para a população geral no Brasil, os vegetarianos estritos têm 22% a mais de calorias da dieta vindas de alimentos in natura, e 10% a menos vindos de ultraprocessados.

Além disso, apesar de alimentos como a proteína texturizada de soja serem classificados como ultraprocessados, devido aos processos a que são submetidos e suas composições, alguns pesquisadores afirmam que eles se diferem dos ultraprocessados conhecidos pelos malefícios à saúde, já que não têm adição de sal, açúcar e gordura. “Apesar de se enquadrarem na mesma categoria, em termos de qualidade nutricional, é razoável assumir que uma proteína texturizada de soja não pode ser comparada a um pacote de salgadinho, por exemplo. Mesmo dentro da classificação de ultraprocessados, há nuances que precisam ser consideradas”, pondera o docente. A ideia não é consenso entre os cientistas, e já foi objeto de debate.

Roschel lembra que os resultados encontrados no trabalho em momento nenhum vão contra a classificação Nova – que divide os alimentos em in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados. “A Nova é absolutamente fantástica em termos de saúde pública”, ressalta o pesquisador. Ele acredita porém, que existem nuances dentro da classificação que merecem consideração.

Calorias vindas de alimentos in natura

Vegetarianos estritos: 66,5%
População geral: 44,9%

Calorias vindas de alimentos ultraprocessados

Vegetarianos estritos: 13,2%
População geral: 23,7%

Aumento da variedade de ultraprocessados

O mercado de ultraprocessados cresce em variedade, e os alimentos voltados ao vegetarianismo estrito não são exceção, relata Roschel. Mas, ao contrário da proteína texturizada de soja e do suplemento proteico, boa parte desses alimentos que têm ganho espaço nos mercados são ricos em açúcar, gorduras saturadas e sal, ao mesmo tempo que são baixos em fibras. Ou seja, são alimentos que trazem prejuízo à saúde.

Na França, de acordo com uma pesquisa realizada em 2021, 39% das calorias ingeridas por vegetarianos estritos vinham de alimentos ultraprocessados com baixa qualidade nutricional. “Esse [aumento do consumo de ultraprocessados] é o medo. Para eles [indústria alimentícia] começarem a fazer opções veganas para atender esse público com a mesma baixíssima qualidade nutricional, basta que enxerguem isso como um mercado interessante”, relata Roschel sobre as perspectivas no Brasil.

Para o pesquisador, o resultado do trabalho mostra a importância de uma análise de contexto. “É um alerta de que a gente precisa de uma melhor educação nutricional do indivíduo que adere a uma dieta plant-based [baseada em plantas, vegetariana estrita]. É também um alerta para políticas públicas de regulação do mercado e para a indústria, que precisa entender a sua responsabilidade na elaboração de alimentos de melhor qualidade nutricional”, finaliza.

Participaram do estudo os pesquisadores do Grupo de Fisiologia Aplicada e Nutrição da EEFE/FMUSP e do Centro de Medicina do Estilo de Vida da FMUSP: Alice Erwig Leitão, Gabriel Esteves, Bruna Mazzolani, Fabiana Smaira, Martin Santini, Heloísa Santo André, Bruno Gualano e Hamilton Roschel.

Mais informações: e-mail hars@usp.br, com Hamilton Roschel

*Estagiária sob supervisão de Luiza Caires
**Estagiário sob supervisão de Simone Gomes

FONTE: Jornal da USP

Vírus Epstein-Barr dá pistas sobre queda imunológica

Em um estudo piloto desenvolvido na Faculdade de Odontologia (FO) da USP, foi observado em pacientes com cirrose hepática uma relação entre a diminuição de células do sistema imunológico e o aumento da presença do vírus Epstein-Barr (EBV) na saliva. Os linfócitos, células que apresentaram a queda, estão envolvidos diretamente na resposta imune a esse vírus, o que permite inferir que seu declínio levaria à menor vigilância contra o microrganismo.

O vírus Epstein-Barr pertence à família do herpesvírus humano (HHV), e além de causar mononucleose infecciosa – conhecida como “doença do beijo” – está relacionado a outros quadros. “Ele é um vírus importante porque, em estados de imunodepressão, pode ocasionar doenças que costumam ser severas”, destaca Karem Ortega, professora da FO e orientadora do trabalho.

O grupo de pacientes era formado por pessoas que aguardavam por um transplante de fígado, majoritariamente homens ex-alcoolistas. “Por causa da vigilância imunológica alterada nesse grupo, alguns desses vírus podem ser perigosos quando se trata de um prognóstico de transplante”, diz Gabriella Marinho, que realizou a pesquisa em seu doutorado na FO.

Mas, “o que a gente pode dizer nesse momento, com este estudo, é que os pacientes com cirrose e diminuição de linfócitos podem ter uma chance maior de transmitir o vírus para outras pessoas”, afirma Karem Ortega. A pesquisadora também destaca que a presença desse vírus em um nível alto, e que afeta a imunidade circulante, acende um alerta quanto ao contágio entre os próprios pacientes.

Vírus Epstein-Barr e imunidade comprometida

Os resultados do trabalho mostram que a deficiência imunológica dos pacientes com cirrose pode afetar a eliminação do vírus Epstein-Barr na saliva, uma vez que ele é relativamente comum nesse fluido por ter afinidade com algumas células das glândulas salivares.

Foi identificado o vírus Epstein-Barr em 30% entre os 72 indivíduos que fizeram parte do estudo. Além disso, dos sete subgrupos restantes da família do herpesvírus humano (HHV), o HHV-7, um vírus que causa doenças em momentos de baixa imunidade, apareceu em 43% dos voluntários, mas não foi encontrada relação entre o vírus e o declínio ou aumento de células do sistema imunológico, medidas através de exames de sangue.

O grande problema no caso do grupo estudado é que, em quadros de disfunções imunológicas, esse vírus já foi relacionado a infecções que podem levar à rejeição de órgãos transplantados. “Portanto, ainda que o vírus na saliva desse grupo de pacientes não traga nenhum sinal clínico nesse momento, pode causar um mau prognóstico depois do transplante”, esclarece Gabriella Marinho. Pacientes transplantados utilizam medicamentos imunossupressores, que diminuem a atividade do sistema imunológico, para evitar a rejeição ao órgão. Por isso, há uma preocupação sobre a reativação de vírus latentes nesses casos.

Além disso, o estudo apontou uma relação entre o aumento do EBV e a diminuição do número de linfócitos, que estão envolvidos diretamente na resposta imune a esse vírus, inferindo que essa queda pode levar a menor vigilância contra o microrganismo.

Saliva como ferramenta de diagnóstico

A grande protagonista do estudo é a saliva. Os resultados do trabalho, de acordo com as pesquisadoras, mostram a importância da saliva na identificação da presença dos herpesvírus. “[A saliva] pode ser uma ferramenta importante e é muito mais fácil de se colher que o sangue. Você não tem que ‘espetar’ a pessoa se a gente consegue estabelecer [a presença do vírus]. A saliva é um meio bom para fazer esse diagnóstico e o acompanhamento do paciente”, afirma Karem Ortega.

Gabriella ainda explica que, no caso de outros vírus, a presença na saliva pode atuar como um biomarcador da imunidade do paciente. Um exemplo é o torque teno vírus (TTV), um vírus que não causa doença, que tem seus níveis alterados em casos de infecção e que mostrou potencial para avaliar a intensidade da infecção por sars-cov-2.

Para pacientes com cirrose, ainda não há um biomarcador para a imunidade. Para Karem, o estudo abre novas possibilidades: “Neste momento, não é possível afirmar isso com este trabalho, mas ele abre um leque de hipóteses. Uma das hipóteses é essa que, talvez, o EBV possa ser um biomarcador de imunidade do paciente, assim como temos outros vírus que são candidatos a biomarcadores de imunidade”.

Mais informações: e-mail gabi_bm10@hotmail.com, com Gabriella Marinho; e e-mail klortega@usp.br, com Karem Ortega

*Estagiária com orientação de Fabiana Mariz
**Estagiária com orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Mudanças hormonais na menopausa podem provocar problemas cardíacos

As doenças cardiovasculares em mulheres já ultrapassam as estatísticas de câncer de mama e de útero. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, um terço das mortes no mundo são causados pelo problemas, representando 23 mil óbitos de mulheres por dia.

Incidência no Brasil

No Brasil, a cardiopatia em mulheres pode representar 30% das causas de mortes, sendo a maior taxa da América Latina. Os problemas cardíacos aumentam por várias razões, mas estão principalmente relacionados a mudanças hormonais e seus efeitos no organismo.

“O estrógeno tem um fator protetor do sistema cardiovascular. Ele ajuda a manter os vasos sanguíneos flexíveis e favorece os fatores protetores do sistema cardiovascular. Com a menopausa há um aumento de colesterol, dos triglicérides, levando a chamada dislipidemia, aumento da pressão arterial, aumento do peso e redistribuição das gorduras. A gordura se acumula na região abdominal, que sabidamente tem maior risco de doença cardiovascular. Além disso, na menopausa pode levar a uma diminuição na sensibilidade e insulina aumentando o risco de desenvolver diabete do tipo 2; inflamação e estresse oxidativos também então associados à menopausa, levando então à progressão da doença aterosclerótica”, destaca Walquíria Samuel Ávila, coordenadora do Programa de Cardiopatia, Gravidez e Aconselhamento Reprodutivo do Incor – Instituto do Coração do Estado de São Paulo.

Nessa fase da vida, destaca a médica, as mulheres na menopausa apresentam fatores de risco e mudanças de estilo de vida pior: como sedentarismo, dieta inadequada, aumento de stress, e todos os fatores combinados explicam por que a menopausa é um período crítico para a saúde cardiovascular das mulheres.

Check-up e sintomas

Os cuidados quando uma mulher apresenta fatores de risco como história familiar, é hipertensa, diabética, obesa, essas avaliações devem ser a partir de 30 anos de idade e deve ser obrigatória na pré-menopausa 40, 50 anos e na menopausa, após 50 anos de idade. Walquíria destaca que “independentemente da idade, é importante que todas as mulheres façam o check-up médico regular, incluindo exames de colesterol, glicose, pressão arterial e outros indicadores da saúde cardiovascular bem conhecidos”.

As mulheres podem apresentar sintomas diferentes dos homens durante um evento cardiovascular, por este motivo é importante reconhecer os sintomas. Muitas vezes as mulheres subestimam a gravidade de seus sintomas, podendo atribuir a condições menos graves como estresse ou problemas digestivos. Além disso, às vezes o sintoma de um ataque cardíaco pode ser uma dor forte nas costas, uma dor na mandíbula ou até mesmo no abdômen superior.

Os principais problemas cardíacos que podem acometer as mulheres são: primeiro a hipertensão, pressão alta, diabete, a dislipidemia que alterações de colesterol, a obesidade, doenças renais crônicas, apneia obstrutiva do sono, doenças inflamatórias e autoimunes como artrite reumatoide e lúpus, sedentarismo, história familiar estresse crônico, uso excessivo de álcool e tabagismo. Esses são fatores que podem, além da menopausa, levar a doença cardiovascular e a outros problemas que podem desencadear eventos cardíacos além do climatério.

Exames

Diversos exames podem ajudar a detectar problemas cardíacos. “Entre os mais comuns o inicial é conhecer os seus números medindo sua pressão arterial, o perfil lipídico, saber os números seus valores LDL, HDL e colesterol, a glicemia, hemoglobina glicada, um eletrocardiograma, um ecocardiograma, um teste de esforço para quem faz atividade física e daí para frente. Existem vários exames que vão surgir de acordo com a indicação médica para cada paciente.”

O problema é tão sério que, buscando evitar problemas cardiovasculares, o Incor conta com um programa que começou em 2019 chamado Mulher, Cuide do Coração. Nesse trabalho de prevenção é realizada uma abordagem multidisciplinar, multifacetada que pode incluir a mudança de estilo de vida, medicamentos e intervenções. A dieta do Mediterrâneo, redução de sal, limitação de gordura saturadas e trans, aumento de fibras, atividade física, não só exercício aeróbico, mas o treinamento de força de resistência, controle de peso, evitar fumo, moderar o álcool e o tratamento medicamentoso que vai servir para cada tipo de paciente, para cada tipo de situação clínica, que deve ser considerada nos seus check-ups periódicos, aconselha a coordenadora do Programa de Cardiopatia, Gravidez e Aconselhamento Reprodutivo do Incor.

FONTE: Jornal da USP

Sarcopenia e fragilidade exigem atenção nos idosos

Condições que afetam principalmente idosos já foram confundidas no passado, e precisam de tratamento multidisciplinar

Um estudo feito na Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP buscou reunir os principais trabalhos da área da saúde que envolvem a sarcopenia – declínio da massa e função dos músculos ligados aos ossos – e a fragilidade muscular para discutir estratégias de tratamento para os dois quadros, especialmente em pacientes com doenças cardiovasculares. O artigo liderado por Guilherme Fonseca traz os insights mais recentes sobre os mecanismos biológicos que são a base do problema e conclui que ainda é preciso investir na formulação de um plano de enfrentamento mais eficaz dessas condições – que podem estar relacionadas com diversas doenças crônicas, mas são reversíveis com a intervenção precoce.

A chamada sarcopenia primária é a que se desenvolve durante o envelhecimento sem nenhuma outra causa específica identificada. Mas o problema também pode estar associado a alguma enfermidade, como câncer, diabetes e doenças cardiovasculares. A fragilidade, por sua vez, muitas vezes era confundida com ela quando feita uma análise superficial, que não compreende todos os aspectos que devem ser avaliados. Atualmente, entende-se que a sarcopenia é a parte diretamente física da fragilidade, que é definida como um conceito maior. “Nós discutimos a fragilidade de uma forma mais ampla, porque engloba as partes física, cognitiva, psicológica e emocional. [O conceito] foi ganhando componentes que estabeleceram que ela não afeta apenas o físico do indivíduo, mas também a capacidade de reagir a adaptações internas e estresse externo, e a incapacidade do organismo de enfrentá-los o determina como frágil”, explica Guilherme Fonseca.

O gráfico descreve os mecanismos biológicos do desenvolvimento da fragilidade e sarcopenia, suas doenças associadas e potencial tratamento por intervenção terapêutica – Fonte: Reprodução do artigo (traduzido)

“A sarcopenia e a fragilidade podem ser entendidas como uma via de mão dupla para as outras doenças”, aponta. Ou seja, por serem condições comuns na velhice, o paciente pode desenvolver problemas cardiovasculares antes delas, mas o contrário também é possível. Isso pode acontecer com o diabete mellitus: caso primeiro venha o diabete, a dificuldade em captar glicose pela célula pode levar a uma diminuição de nutrientes que reduz a massa muscular e pode levar à sarcopenia. Mas se houver a condição muscular prévia, como o tecido atingido é o que consome mais glicose, sua degradação acarreta em diminuição do consumo da molécula, o que aumenta os níveis da glicemia e leva a um quadro de pré-diabete, podendo evoluir para diabete.

Tratamento multidisciplinar

Como prevenção das duas condições, o mais indicado é a prática de exercício físico. Para a sarcopenia, o mais apontado é o treinamento de força. Para a fragilidade, ele também se aplica, mas adicionando exercícios aeróbicos, nos quais é possível manter uma intensidade mais baixa durante um período prolongado. O treino deve ser feito de duas a três vezes por semana, envolvendo os grandes grupos musculares, como membros superiores, inferiores e músculos do tronco, abdominais e torácicos.

Cada sessão deve ter de oito a dez exercícios, exigindo em torno de 60 a 80% de contração voluntária máxima. Já para os aeróbicos, como caminhadas, corridas e natação, a frequência pode ser aumentada para cinco vezes na semana, com duração de 30 a 60 minutos, com intensidade também moderada”, orienta Guilherme Fonseca.

A ingestão calórica deve ser aumentada para que corresponda tanto ao gasto necessário do corpo diariamente, como consumo de energia extra que as práticas de exercícios irão gerar. Sobre os nutrientes, a dieta deve ser rica em proteínas para o maior fortalecimento muscular, “a recomendação atual para a população geral é de 0,8 g de proteína por quilo de peso. Mas os pacientes com sarcopenia precisam de mais, chegando a 1,5 g por quilo de peso. E para a ingestão calórica, 30 kcal por quilo de peso”, recomenda o pesquisador.

O tratamento multidisciplinar se faz necessário tendo em vista a possibilidade dessas condições serem acompanhadas por doenças crônicas. O profissional de educação física cuidando dos treinos, o nutricionista sendo responsável pelo cuidado com a ingestão calórica e de nutrientes, psicólogos para a parte emocional e cognitiva, terapeuta ocupacional para as atividades diárias e, dependendo do grau da fragilidade, o acompanhamento do fisioterapeuta também é necessário. Esse tratamento não deve incluir a parte farmacológica, já que até agora não existe comprovação científica para a aplicação de medicamentos efetivos contra a sarcopenia. A prescrição de hormônios anabólicos, como a testosterona, tampouco é recomendada.

O médico entra na parte clínica, tratando as doenças bases que vêm acompanhando a sarcopenia, como diabetes e pressão alta. “Deve deixar o indivíduo no estado compensado, para ele não descompensar, a pressão dele não ficar subindo e descendo, assim como glicemia também”, detalha o autor.

Apesar das recomendações, ainda é deficitária a bibliografia sobre a sarcopenia, e há a necessidade de pesquisas que apontem quais são os mecanismos que levarão ao desenvolvimento da condição, que poderá causar fragilidade em pacientes com doenças cardiovasculares. “Mais estudos precisam demonstrar qual é a melhor forma de tratamento, estabelecendo diretrizes para profissionais da educação física no preparo físico, de nutricionistas na reparação nutricional e principalmente na parte farmacológica, que ainda é pouco desenvolvida e precisa de um aporte científico e legal para ser utilizada”, alerta Guilherme Fonseca.

O artigo foi publicado na revista científica Cardiovascular Research, e está disponível neste link.

Mais informações: e-mail guilhermefonseca@usp.br, com Guilherme Fonseca

Molécula inédita que poderia inibir a progressão de leucemia passa por testes

Em fase de experimentos no laboratório, novo composto foi capaz de eliminar células cancerosas e impedir sua multiplicação em mais de 20 modelos celulares de cânceres do sangue

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP testaram uma nova molécula capaz de inibir a progressão do ciclo celular da leucemia — câncer sanguíneo causado pela reprodução descontrolada dos glóbulos brancos na medula óssea. O estudo, publicado na revista Toxicology in Vitro, mostrou que o novo composto foi eficaz em combater as células leucêmicas sem apresentar toxicidade nas saudáveis.

Inédita, a molécula C2E1 foi sintetizada pelo grupo de pesquisa liderado pelo cientista Fernando Coelho, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp), e funciona como inibidora da tubulina, uma proteína que constitui os microtúbulos. Componentes do citoesqueleto celular, essas estruturas têm um papel fundamental no processo de mitose — divisão em que são formadas duas células a partir de uma —, pois atuam na distribuição do material genético entre a célula “original” e a que está sendo formada. Dessa forma, ao inibir a tubulina, o composto interrompe a multiplicação das células cancerosas, impedindo o avanço da leucemia.

“O meu trabalho já envolvia o estudo dos esqueletos dos microtúbulos como alvo farmacológico para leucemia. Quando recebemos esse composto do professor Coelho, que sugeriu uma possível interação com a tubulina, resolvemos elucidar esse mecanismo e entender seus efeitos celulares e moleculares”, conta o doutorando Hugo Passos Vicari, primeiro autor do estudo. Os testes, realizados in vitro (em laboratório), com células cultivadas fora de organismos vivos, mostraram que a molécula foi eficaz em eliminar as células cancerosas e impedir sua proliferação em 21 dos 25 modelos celulares testados. Além disso, o estudo confirmou a não-toxicidade em células saudáveis do sangue, o que sugere um potencial para menos efeitos colaterais em um possível fármaco no futuro.

Segundo Vicari, o estudo envolveu diferentes testes, expondo células de leucemia aos compostos. “A princípio, verificamos se o composto apresentava o efeito tóxico capaz de matar as células, chamado de citotoxicidade. Depois, observamos se ocorreu de fato a morte celular. Por último, constatamos se houve interrupção no ciclo de divisão celular, processo que chamamos de catástrofe mitótica”, relata. Foram testados diversos modelos celulares com características distintas. Nesse sentido, pôde-se observar a efetividade do composto em diversas variações da doença, da leucemia linfoblástica aguda, mais comum em crianças e jovens adultos, à leucemia mieloide aguda, mais comum em adultos a partir dos 60 anos. Medicamentos são ainda mais importantes para essa última faixa etária, inelegível para transplante de medula óssea, a única cura para a leucemia.

Teixo-do-pacífico, árvore nativa da costa oeste da América do Norte, matéria-prima de um dos medicamentos usados no tratamento da leucemia -Foto: Reprodução do artigo/ICB-USP

Terapias combinadas

Compostos que têm como alvo a tubulina já são usados no tratamento de diversas formas de câncer desde os anos 1940. Apesar do histórico de sucesso, a busca por alternativas é constante, uma vez que a adequação a cada medicamento pode variar de acordo com o paciente. “Ainda que a tubulina seja um bom alvo, com efetividade comprovada, os fármacos disponíveis nem sempre garantem uma terapia completa: é comum que pacientes desenvolvam resistência aos medicamentos meses ou até anos depois, como em casos em que um tumor retorna”, explica João Agostinho Machado-Neto, professor do Departamento de Farmacologia do ICB e coordenador do estudo. “Por isso, terapias combinando mais de uma opção são interessantes: quando o paciente adquire resistência a um composto, inicia-se o tratamento com outro”, acrescenta.

Nesse contexto, a nova molécula testada se mostrou uma opção eficaz, já que os pesquisadores verificaram sua efetividade em modelos celulares que já eram resistentes aos inibidores conhecidos. “O local de ligação do C2E1 na tubulina é diferente de outros, como o dos medicamentos Vincristina e do Paclitaxel, por exemplo. Por se ligar a um sítio diferente, o novo composto não apresenta a mesma resistência que os anteriores”, explica Vicari.

O Instituto Nacional do Câncer (Inca), responsável pelas estatísticas sobre câncer no Brasil, estima cerca de 11 mil pacientes que poderiam se beneficiar de novos tratamentos, sobretudo em casos de recaída. “Existem muitos tratamentos que são ótimos, mas tratam de tipos específicos de leucemia. Nosso tratamento poderia ser aplicado em contextos em que outros não cabem”, aponta Machado-Neto.

Células leucêmicas

 

Células leucêmicas tratadas com C2E1(primeira imagem) e do grupo controle (segunda imagem); as células tratadas com o novo composto apresentam cromossomos condensados (estruturas que contêm o DNA e são fundamentais para divisão correta do material genético) e mitoses aberrantes nas células de leucemia – Imagens: Reprodução do artigo

 

Outra vantagem do novo inibidor é o fato de ele ser de fácil síntese em laboratório. O mesmo não vale para os já citados componentes da Vincristina, extraídos das vincas, e do Paclitaxel, extraídos do teixo-do-pacífico, árvore conhecida por seu crescimento lento. Quando foram descobertos, esses compostos só podiam ser obtidos por meio de suas plantas de origem, processo lento e trabalhoso. “Para se obter a quantidade necessária de Paclitaxel, como parte do primeiro ensaio clínico com o composto na época, foram derrubadas milhares de árvores centenárias”, conta Machado-Neto. Hoje ambas as substâncias já podem ser semi-sintetizadas por cientistas, processo que, apesar de mais rápido, ainda depende parcialmente das plantas de origem, ao contrário da C2E1, 100% sintetizável em laboratório.

Segundo a dupla, o próximo passo do trabalho seria o teste em modelos animais para verificar se os resultados se mantêm em sistemas mais complexos ou apresentam toxicidade em órgãos não previstos. Essa etapa levará de dois a cinco anos. Só então a molécula será avaliada em ensaios clínicos, que levam em média mais dois ou três anos. “Além da leucemia, temos interesse em investigar outros tipos de câncer tratados com inibidores de microtúbulos, como os cânceres de mama e de cólon. Também estamos otimistas com a possibilidade de modificar o composto, aumentando sua potência e diminuindo as doses necessárias para os efeitos terapêuticos, bem como potenciais efeitos adversos”, diz Machado-Neto.

O trabalho tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Mais informações: e-mail comunicacao@icb.usp.br

FONTE: Jornal da USP

O mundo moderno e a insônia

A Anvisa aprovou recentemente um aumento do controle para medicamentos com o princípio ativo zolpidem. Com isso, qualquer medicamento contendo a fórmula deverá ser prescrito por meio de Notificação de Receita B (azul), a famosa tarja preta. O remédio é um entre tantos procurados para lidar com a insônia. Clonazepam, diazepam, zopiclone, alprazolam, se você conhece algum desses nomes, provavelmente está tendo ou já teve dificuldades para dormir. Problemas com o sono se tornaram rotineiros para uma grande parcela da população no mundo inteiro. Seja demorando para pegar no sono, acordando diversas vezes durante a noite ou levantando pela manhã com a sensação forte de continuar cansado, as dificuldades têm levado as pessoas a procurar medicamentos que auxiliam na hora de pregar os olhos.

Antigos medicamentos

A insônia é um problema com o qual o ser humano lida desde antes de Cristo. Considerado o pai da medicina, Hipócrates observou a relação entre estados depressivos e dificuldades com o sono desde sua época, cerca de 400 anos a.C. Foi apenas em 1832, no entanto, que foi descoberto o primeiro hipnótico inaugurando a classe dos indutores de sono. O hidrato de cloral era conveniente, pois substituiu a morfina e era de manejo mais simples, podendo ser administrado por via oral. A substância deixava o paciente dependente e gerava insuficiência hepática, cardíaca e renal.

O próximo grande passo foi a descoberta dos barbitúricos, uma classe de compostos derivados do ácido barbitúrico. Um deles, o ácido dietilbarbitúrico, tinha efeito quase instantâneo. Ação rápida, indutor do sono, sedativo, relaxante muscular, anticonvulsivo e ansiolítico, de 1936 até 1952 a produção do remédio cresceu em mais de 400% nos EUA. Menos de dez anos depois, em 1960, Nova York registrava cerca de 200 mortes ao ano por conta dos abusos da substância. Entre os mortos pelo uso abusivo dos barbitúricos estão o músico Jimi Hendrix e Marilyn Monroe. Durante o século 20, ocorreram diversos picos de produção e venda desses comprimidos. Em 1978, por exemplo, foram vendidos mais de 2 bilhões de comprimidos de diazepam, da classe dos benzodiazepínicos.

Evolução dos remédios

Os avanços nos medicamentos para dormir nos trouxe até as chamadas drogas Z, que são a alternativa mais procurada nos dias de hoje. As drogas Z são os chamados hipnóticos e têm uma ação mais refinada no corpo, produzindo menos efeitos colaterais e passando menos tempo no corpo, agindo de forma mais eficiente. No entanto, também apresentam alto risco de gerar dependência.

“Quando o zolpidem e o restante das drogas Z começaram a ser propagandeados, assim como os remédios mais antigos, se dizia que ele não ofereceria o risco da dependência e os colaterais. No entanto, hoje já se sabe que não é o caso. Todas essas drogas de ação rápida levam ao abuso e à dependência em boa parte dos usuários”, explica Cláudia Moreno, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Abuso

De 2018 para 2020, o número de caixas de zolpidem vendidas cresceu em 71% no Brasil. Atualmente, se vende mais de 20 milhões de comprimidos ao ano. Também cresceram os relatos sobre o uso abusivo da droga, com relatos de pessoas que chegaram a tomar mais de 60 comprimidos por dia. “Esse aumento tem diversas razões. As indústrias farmacêuticas aperfeiçoaram os medicamentos de forma que começaram a ser produzidos medicamentos com menores efeitos colaterais, com uma ação um pouco mais rápida e a principal diferença que é de interesse do paciente é que ele tem uma ação curta. Então o que acontece: eu passo a dormir rapidamente, em cerca de 15 minutos, e quando eu acordo eu não vou ter aquele efeito, digamos, de uma ressaca. É o sonho de todo mundo hoje em dia. Uma droga como essa gera um aumento da tolerância, demanda doses cada vez mais altas e leva a pessoa ao vício, e seu uso prolongado é extremamente danoso”, explica a professora.

Ela conta que as receitas desse medicamento devem ter a extensão de no máximo um mês. “Na verdade é um medicamento que você deve usar no máximo em até quatro semanas, salvo exceções prescritas pelos médicos. A ideia é não usar mais do que um mês esse medicamento e as pessoas estão usando indiscriminadamente.”

Vida moderna

Entre os motivos para o aumento do uso desses compostos no Brasil nos últimos anos, ela cita o ritmo acelerado da vida cotidiana. “Acho que são vários motivos, mas o principal deles é que a gente vive numa sociedade que força as pessoas a trabalharem cada vez mais. Isso acaba gerando uma falta de tempo. Hoje, as pessoas têm que trabalhar mais do que oito horas por dia, dependendo da profissão chega a 12, 14 horas por dia, as pessoas pegam um trânsito muito congestionado para chegar em casa, levam por vezes uma ou duas horas para ir e para voltar. Chegam em casa e ainda preparam a comida para comer minimamente saudável, ainda tem que cuidar da casa, cuidar dos filhos. Enfim, o dia não tem mais do que 24 horas; então de onde as pessoas roubam o tempo para fazer tudo isso e ainda fazer exercício, correr, ir para a academia? Elas acabam tirando o tempo dos horários de sono, isso acaba acontecendo cada vez mais em sociedades industrializadas. Quanto mais urbanizadas maior se rouba o tempo do sono. As pessoas ainda acham que dormir é perda de tempo, é como se fosse um círculo vicioso”, detalha.

Para Cláudia Moreno, os problemas relacionados ao sono e abuso de medicamentos já são uma questão de saúde pública. “O primeiro ponto é: muitas pessoas têm problemas de sono e não procuram ajuda especializada. E o sono já é uma questão de saúde pública. A outra coisa é a automedicação indiscriminada de drogas do sono, que é outra questão de saúde pública. Existem muitos casos de pessoas que estão dependentes dessas drogas, que precisam de internamento e acompanhamento 24 horas para fazer o desmame do medicamento, pois a interrupção abrupta da medicação pode levar até a convulsões, são pessoas que estão há anos tomando altas doses de algo que deveria ser uma medicação pontual; isso, além de tudo, gera um alto custo para o sistema público de saúde”, alerta.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Andar ao menos 7.500 passos por dia ajuda a reduzir sintomas de asma

Caminhar pelo menos 7.500 passos diários pode contribuir para o controle da asma moderada ou severa em adultos. É o que indica um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), publicado recentemente no The Journal of Allergy and Clinical Immunology: In Practice.

O trabalho, selecionado pelos editores da revista científica como artigo que modifica a prática clínica, sugere que as recomendações médicas e as políticas públicas concentrem esforços no incentivo ao aumento da prática de atividade física, em vez de focar na redução de períodos de sedentarismo. Apesar de popularmente serem considerados hábitos excludentes, a prática de atividade física e o comportamento sedentário podem ocorrer de forma concomitante. Isso porque a pessoa pode ser sedentária (ficar mais que 8 horas trabalhando sentada) e ser fisicamente ativa (realizar atividades moderadas durante, pelo menos, 150 minutos semanais).

 “Na maioria das vezes, as pessoas mesclam as duas situações: realizam atividade física três vezes por semana, por uma hora, mas trabalham o dia inteiro sentadas em um escritório”, explica Celso Ricardo Fernandes de Carvalho, professor de Fisioterapia Respiratória e Fisiologia do Exercício do curso de Fisioterapia da FMUSP e orientador do estudo. “Isso significa que elas são ativas, mas também sedentárias, ou seja, exibem os dois comportamentos ao mesmo tempo.”

A literatura científica já indicava que tanto a atividade física quanto o sedentarismo podem modular os sintomas da asma – entre eles dificuldade para respirar, respiração rápida e curta e tosse seca – mas ainda faltavam estudos aprofundados sobre seu impacto real, de modo que o tratamento da doença, que afeta cerca de 6,4 milhões de brasileiros, se mantém majoritariamente medicamentoso.

O objetivo deste trabalho, que teve apoio da Fapesp, foi investigar mais a fundo essa relação, considerando a variedade de comportamentos relacionados.

Durante o estudo, os pesquisadores analisaram dados de 426 pessoas das cidades de São Paulo e Londrina com asma moderada a grave. Foram incluídas avaliações de atividade física e tempo de sedentarismo (actigrafia), de controle clínico da asma (Asthma Control Questionnaire – ACQ) e de qualidade de vida (Asthma Quality of Life Questionnaire). Também foram investigados sintomas de ansiedade e depressão (Hospital Anxiety and Depression Scale) e dados antropométricos e de função pulmonar. Os participantes foram divididos em quatro grupos: ativo/sedentário, ativo/não sedentário, inativo/sedentário e inativo/não sedentário.

“Observamos que, quanto mais atividade física a pessoa com asma realiza, melhor é o controle de sua doença”, conta Fabiano Francisco de Lima, pesquisador da FMUSP e primeiro autor do trabalho. Mais especificamente, quem caminhava pelo menos 7.500 passos durante o dia apresentou melhores pontuações na avaliação de controle clínico da doença, independentemente de também apresentar comportamento sedentário – aliás, tempo sedentário e obesidade não apresentaram correlação com a redução de sintomas. Verificou-se também que isso independia de medicação e função pulmonar. A porcentagem de pacientes com asma controlada foi maior nos grupos ativo/sedentário (43,9%) e ativo/não sedentário (43,8%) do que nos grupos inativo/sedentário (25,4%) e inativo/não sedentário (23,9%).

Os resultados sugerem ainda que fatores emocionais, como ansiedade e depressão, também dificultam o controle da doença.

Novas perspectivas

Embora a prática de atividade física por pessoas com asma já seja recomendada por profissionais de saúde, o tema ainda é visto com receio por parte da população. Isso porque as pessoas com asma sofrem a contração dos músculos das vias aéreas durante as crises.

“O costume de evitar que crianças e adultos pratiquem exercícios por conta da doença precisa começar a ser quebrado”, diz Lima. “Esse estudo contribui para isso ao sugerir a caminhada, atividade simples e sem custo agregado, e vai além, ao oferecer uma espécie de ‘nota de corte’, uma indicação da quantidade real de atividade física que o paciente deveria fazer – 7.500 passos por dia.”

De acordo com o pesquisador, outra recomendação importante seria que profissionais de saúde passassem a adotar um olhar mais direcionado para sintomas de ansiedade como estratégia de controlar a asma.

Também participaram do estudo pesquisadores do Laboratório de Pesquisa em Fisioterapia Pulmonar da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

O artigo Physical Activity and Sedentary Behavior as Treatable Traits for Clinical Control in Moderate-to-Severe Asthma pode ser lido em: https://www.jaci-inpractice.org/article/S2213-2198(24)00274-5/abstract#%20.

*Da Agência Fapesp

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Novo remédio para Alzheimer é luz no fim do túnel, mas não é a salvação

O Donanemab foi aprovado em fases iniciais nos EUA e traz novidades positivas, mas Orestes Forlenza adverte que, embora promissor, é indicado apenas para certos casos

Droga que retarda progressão do Alzheimer é eficaz, de acordo com painel da FDA, órgão federal sanitário dos Estados Unidos. Os consultores da agência norte-americana votaram unanimemente a favor da eficácia do Donanemab, que retarda a progressão da doença em 60% nos estágios iniciais. O comitê considerou que os benefícios superam os riscos, abrindo caminho para a decisão final do órgão dos Estados Unidos. O professor Orestes Forlenza, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, considera o medicamento uma “luz no fim do túnel” para o tratamento de Alzheimer – doença esta que tem sido um grande desafio para os pesquisadores e que ainda não tem cura. Por outro lado, Forlenza faz uma série de ressalvas sobre o medicamento, como custo, efeitos colaterais e benefícios modestos.

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O Donanemab é uma das drogas que integram uma nova classe de medicamentos que têm como objetivo tentar retardar ou até mesmo impedir a progressão do processo patológico da doença de Alzheimer. É uma droga que está em estudo já há alguns anos, tanto que a publicação dos resultados é recente. A proposta dessa nova classe, segundo o médico da USP, “é a formulação de anticorpos monoclonais, que são anticorpos prontos para a remoção do beta amiloide (peptídeo ao qual a origem do Alzheimer é atribuída)”. Ele complementa: “Evidentemente, a administração desses anticorpos é complicada. Tem que ser feita por via infusional e são estudos bastante complexos”. É importante ressaltar que as primeiras drogas testadas dessa classe fracassaram; são várias drogas com uma proposta muito parecida, mas que foram interrompidas.

O Donanemab passa a ser, portanto, a droga mais recente e, por hora, a mais promissora. Como comentado pelo professor, o intuito da droga é retirar o peptídeo amiloide, que “é uma clivagem anormal de uma proteína neuronal, exercendo um efeito tóxico e uma cascata de eventos que levam à neurodegeneração”, explica ele. Retirando a amiloide do cérebro, a consequência seria uma atenuação dos sintomas da doença.

Contrapontos

Ainda que os resultados da pesquisa sejam os mais promissores atualmente, “os resultados não foram tão bons como se esperava. O benefício clínico é pequeno, embora a remoção do amiloide ocorra”, afirma Forlenza. Ele diz que é praticamente consensual na comunidade científica que o peptídeo é a causa do Alzheimer, então a expectativa era de que os efeitos do medicamento fossem melhores.

Ele ressalta também que o Donanemab é indicado apenas em casos bem iniciais da doença. “Essa droga não vai servir para todos os pacientes, porque o benefício clínico está atrelado a um momento muito específico da trajetória da progressão dessa doença e é praticamente certo que não haverá benefício, se o quadro já estiver instaurado, é tarde demais”, diz Forlenza. Os benefícios estariam restritos apenas ao longo do curso da doença.

Por esse motivo, ele diz que é absolutamente vital que o medicamento seja indicado sob critérios rigorosos, pois, caso fuja deles, o efeito positivo não ocorrerá, com o risco ainda de efeitos colaterais negativos. Além disso, o medicamento não pode ser gasto de qualquer maneira: a utilização dele custa US$ 60 mil por ano, aproximadamente R$ 320 mil. Com isso em mente, ele comenta que o Donanemab, se aprovado, será restrito a um grupo pequeno de pessoas.

FONTE: Jornal da USP

Tratamento contra câncer de cérebro modifica a forma como o DNA tumoral se comporta

Ao analisar um dos maiores grupos de amostras de pacientes com glioma da literatura científica, pesquisadores da USP observaram alterações em genes relacionados à agressividade do câncer após quimio e radioterapia. Descoberta pode orientar mudanças nas abordagens terapêuticas

Estudo publicado na revista Cancer Research revela que os tratamentos comumente usados no combate ao glioma – um dos tipos mais comuns de câncer no cérebro – podem alterar a forma como o DNA tumoral se comporta e sua agressividade. Segundo os autores, a descoberta pode representar um primeiro passo para modificações na abordagem terapêutica atual.

Os gliomas representam cerca de 42% de todos os tumores cerebrais, incluindo os benignos, e 77% dos malignos, ou seja, aqueles agressivos e incuráveis, de acordo com dados do A. C. Camargo Cancer Center. A incidência da doença, que é rara em crianças, aumenta com a idade, sendo mais comum em pessoas entre 75 e 84 anos.

Uma das características mais relevantes para a classificação da agressividade e gravidade desse tipo de tumor nos pacientes são as chamadas alterações epigenômicas, ou seja, processos bioquímicos que modificam o padrão de expressão dos genes, como a metilação do DNA (adição de um grupo metil à molécula). Tal fato foi constatado anteriormente, em 2016, pelo mesmo grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP que assina o novo artigo.

A pesquisa foi conduzida no Laboratório de Epigênomica do Câncer na FCFRP da USP – Foto: Arquivo pessoal dos pesquisadores

“Observamos nos pacientes com tumores de baixo grau que receberam tratamento uma alteração epigenética que deixou esses tumores parecidos com tumores de alto grau, que são muito mais agressivos; parece então haver uma associação entre o tratamento e as alterações no DNA desses pacientes”, explica Tathiane Malta, primeira autora do estudo e coordenadora do Laboratório de Epigenômica do Câncer da FCFRP da USP. “Agora, precisamos confirmar se essas alterações epigenéticas estão envolvidas na progressão para tumores mais agressivos.”

No estudo atual, realizado no âmbito de um Auxílio à Pesquisa Jovem Pesquisador da Fapesp, os cientistas avaliaram a evolução epigenética dos gliomas em resposta à pressão terapêutica, analisando os resultados de amostras de 132 pacientes. Os dados incluíam informações tanto sobre o tumor primário quanto sobre o recorrente após o tratamento, o que permitiu uma melhor comparação. Trata-se do maior grupo de glioma longitudinal já registrado na literatura científica.

Diversos aspectos relacionados a alterações no epigenoma puderam ser observados, como a maior proliferação de células tumorais, o aumento de células vasculares no tumor e mudanças no microambiente tumoral. No entanto, um se destacou: pacientes IDH1 mutantes (com melhor prognóstico inicial) que foram tratados com quimioterapia ou radioterapia apresentaram maior alteração no epigenoma tumoral.

“Vimos que esses gliomas apresentam níveis iniciais elevados de metilação do DNA, que são progressivamente reduzidos quando há recorrência da doença após a quimio ou radioterapia, e se tornam mais agressivos”, conta Malta. “Já o epigenoma dos pacientes IDH selvagem – os inicialmente mais agressivos – são mais estáveis, com níveis relativamente baixos de metilação, ou seja, nesse caso, os tumores primários são bastante parecidos com os recorrentes, inclusive porque já se encontravam em um grau máximo de agressividade.”

“Isso quer dizer que o tratamento, de alguma forma, modifica esse tumor, e essa mudança está associada à agressividade.”

Mudanças na abordagem terapêutica

De acordo com Malta, ao demonstrar que a regulação epigenética está associada com a progressão do câncer, o trabalho contribui para o melhor entendimento da biologia tumoral e, consequentemente, abre espaço para novas abordagens terapêuticas com esse direcionamento.

Os próximos passos para entender a implicação da descoberta e avaliar seu real impacto no tratamento dos gliomas devem incluir, em um primeiro momento, a realização de tratamentos in vitro em linhagens de tumores e, na sequência, em modelos in vivo para confirmar os resultados já obtidos.

“Como nesse estudo nos baseamos em uma coorte retrospectiva, com dados coletados de muitas instituições e manejos clínicos que passaram por alterações ao longo do tempo, é preciso considerar a presença de diversos vieses.”

O artigo The epigenetic evolution of glioma is determined by the IDH1 mutation status and treatment regimen pode ser lido em: https://aacrjournals.org/cancerres/article/84/5/741/734933/The-Epigenetic-Evolution-of-Glioma-Is-Determined.

*Da Agência Fapesp

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Metabolismo do colesterol apresenta respostas distintas à cirurgia bariátrica

Pesquisadores do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) demonstraram que o metabolismo do colesterol apresenta respostas diferentes à cirurgia bariátrica e metabólica do tipo derivação gástrica em Y de Roux. E identificaram que um tipo de gordura que compõe as membranas das células, os esfingolipídios, podem ser peças-chave para entender melhor as mudanças que acontecem no organismo após a cirurgia.

No total, 23 mulheres foram submetidas à derivação gástrica em Y de Roux, também conhecida como bypass ou cirurgia de capella. A técnica consiste em, primeiro, dividir o estômago e conectar a uma parte do intestino que também foi separada e, em seguida, conectar a parte do intestino ainda ligada ao segundo segmento do estômago, na outra parte do intestino, gerando um formato semelhante à letra Y.

A cirurgia, além de gerar perda de peso, tem resultados positivos no controle de doenças como a diabete, podendo levar até mesmo à remissão. No entanto, para o metabolismo dos lipídios – como são conhecidos os processos envolvidos na produção e decomposição das gorduras no organismo –, as alterações ainda são heterogêneas e pouco conhecidas.

“O divisor de águas foi justamente a gente ter observado que as pacientes apresentam respostas diferentes ao procedimento”, explica Gabriela Lemos, pesquisadora do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo – LIM/35, e autora do estudo. As pacientes foram acompanhadas desde o pré-operatório até três meses depois do procedimento; elas foram divididas em dois grupos com base na melhora do perfil lipídico, através de um modelo não supervisionado de separação de grupos.

Já sobre os esfingolipídios, os pesquisadores observaram que a cirurgia provoca alterações significativas, mas elas não são homogêneas em todas as pacientes. “Observamos também que a melhora no metabolismo do colesterol se correlaciona com alterações específicas em algumas espécies de esfingolipídios”, conta Dan Waitzberg, professor associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP e orientador do trabalho. A ideia de estudar as alterações que ocorrem nos esfingolipídios com o metabolismo do colesterol após a cirurgia surgiu a partir de evidências na literatura que apontam para uma participação deles na regulação do colesterol e de achados anteriores entre pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.

Ilustração do resultado final da cirurgia bariátrica, ou metabólica, em Y de Roux – Imagem: Donato Gerardo Terrone, Luigi Lepanto, Jean-Sébastien Billiard, Damien Olivié, Jessica Murphy-Lavallée, Franck Vandenbroucke & An Tang – Wikimedia Commons

Cirurgia bariátrica e o metabolismo do colesterol

O diferencial do estudo é que, ao observarem as respostas metabólicas, os pesquisadores perceberam que a separação das pacientes com diferentes respostas poderia ser fundamental para entender os mecanismos que envolvem a melhora do quadro. De acordo com Waitzberg, até o momento, as pesquisas mostravam que “os pacientes [submetidos à derivação gástrica de Y de Roux] tendem a apresentar redução do colesterol total, mas observam-se alterações distintas nos subtipos do colesterol [LDL, HDL e VLDL]”.

Com a divisão em agrupamentos, os pesquisadores puderam identificar que, nas pacientes que apresentaram melhora significativa do perfil lipídico, a redução na expressão de alguns esfingolipídios pode fornecer uma base científica para compreender os mecanismos que fazem com que a cirurgia promova uma melhora no perfil do colesterol. E também para o desenvolvimento de novas terapias, mais específicas.

Alterações independentes da perda de peso

A pesquisa demonstrou que a heterogeneidade dos resultados no perfil lipídico das pacientes é independente de fatores como perda de peso, melhoria do metabolismo de glicose e remissão da diabete.

“[O estudo] acende a luz para mecanismos distintos na regulação do colesterol, e que não estão relacionados à perda de peso. Hoje, se o paciente tem dislipidemia [aumento no nível de gordura no sangue], a primeira recomendação é a mudança na alimentação, prática de atividade física, perda de peso. Mas a gente viu que tem pacientes que, mesmo com a mudança na alimentação e perda de peso, não vão melhorar”, afirma Gabriela.

Além de considerar a perda de peso e o metabolismo da glicose, os pesquisadores investigaram se as diferenças seriam afetadas por medicamentos, e também não encontraram associações à melhora no metabolismo do colesterol.

Entretanto, Gabriela Lemos destaca que “o número de pacientes é pequeno” e, por ser um fator limitante do estudo, pode ter gerado a falta de associação; por isso são necessárias mais investigações incluindo outras populações antes de generalizar os resultados. “Além disso, outros fatores não explorados, como a composição da microbiota intestinal e a expressão gênica nos grupos, também podem ter influenciado”, completa Waitzberg.

Nutrients 2024 Travel Award

Gabriela Lemos recebeu o prêmio Nutrients 2024 Travel Award, da revista científica Nutrients, pela pesquisa sobre o metabolismo do colesterol após a cirurgia bariátrica. Como premiação, além do reconhecimento, a pesquisadora recebeu incentivo para apresentar o trabalho no congresso Espen 2024, em Milão, Itália, e a cortesia da publicação na revista.

O Nutrients Travel Award premia, todos os anos, doutorandos e pós-doutorandos com pesquisas na área de nutrição, proporcionando apoio financeiro para que os pesquisadores que venceram a edição possam participar de uma conferência internacional da área. Para a pesquisadora, além do reconhecimento, o prêmio traz motivação e visibilidade para o tema.

Waitzberg, como orientador, declara que a razão da premiação é o fato da pesquisa “contemplar análises e informações inéditas acerca de um tema recorrente e de extremo interesse em saúde pública”, e a autora ressalta a importância da inovação do projeto: “Há muito tempo se estuda o metabolismo do colesterol e, apesar de muitos trabalhos nessa área de metabolismo lipídico, a gente não tem muita inovação nos termos de atividade enzimática, de mecanismos de ação e terapias”.

Mais informações: Gabriela Lemos, e-mail gabrielalemos@usp.br; Dan Waitzberg, e-mail dan.waitzberg@gmail.com

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP