O mundo moderno e a insônia

A Anvisa aprovou recentemente um aumento do controle para medicamentos com o princípio ativo zolpidem. Com isso, qualquer medicamento contendo a fórmula deverá ser prescrito por meio de Notificação de Receita B (azul), a famosa tarja preta. O remédio é um entre tantos procurados para lidar com a insônia. Clonazepam, diazepam, zopiclone, alprazolam, se você conhece algum desses nomes, provavelmente está tendo ou já teve dificuldades para dormir. Problemas com o sono se tornaram rotineiros para uma grande parcela da população no mundo inteiro. Seja demorando para pegar no sono, acordando diversas vezes durante a noite ou levantando pela manhã com a sensação forte de continuar cansado, as dificuldades têm levado as pessoas a procurar medicamentos que auxiliam na hora de pregar os olhos.

Antigos medicamentos

A insônia é um problema com o qual o ser humano lida desde antes de Cristo. Considerado o pai da medicina, Hipócrates observou a relação entre estados depressivos e dificuldades com o sono desde sua época, cerca de 400 anos a.C. Foi apenas em 1832, no entanto, que foi descoberto o primeiro hipnótico inaugurando a classe dos indutores de sono. O hidrato de cloral era conveniente, pois substituiu a morfina e era de manejo mais simples, podendo ser administrado por via oral. A substância deixava o paciente dependente e gerava insuficiência hepática, cardíaca e renal.

O próximo grande passo foi a descoberta dos barbitúricos, uma classe de compostos derivados do ácido barbitúrico. Um deles, o ácido dietilbarbitúrico, tinha efeito quase instantâneo. Ação rápida, indutor do sono, sedativo, relaxante muscular, anticonvulsivo e ansiolítico, de 1936 até 1952 a produção do remédio cresceu em mais de 400% nos EUA. Menos de dez anos depois, em 1960, Nova York registrava cerca de 200 mortes ao ano por conta dos abusos da substância. Entre os mortos pelo uso abusivo dos barbitúricos estão o músico Jimi Hendrix e Marilyn Monroe. Durante o século 20, ocorreram diversos picos de produção e venda desses comprimidos. Em 1978, por exemplo, foram vendidos mais de 2 bilhões de comprimidos de diazepam, da classe dos benzodiazepínicos.

Evolução dos remédios

Os avanços nos medicamentos para dormir nos trouxe até as chamadas drogas Z, que são a alternativa mais procurada nos dias de hoje. As drogas Z são os chamados hipnóticos e têm uma ação mais refinada no corpo, produzindo menos efeitos colaterais e passando menos tempo no corpo, agindo de forma mais eficiente. No entanto, também apresentam alto risco de gerar dependência.

“Quando o zolpidem e o restante das drogas Z começaram a ser propagandeados, assim como os remédios mais antigos, se dizia que ele não ofereceria o risco da dependência e os colaterais. No entanto, hoje já se sabe que não é o caso. Todas essas drogas de ação rápida levam ao abuso e à dependência em boa parte dos usuários”, explica Cláudia Moreno, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Abuso

De 2018 para 2020, o número de caixas de zolpidem vendidas cresceu em 71% no Brasil. Atualmente, se vende mais de 20 milhões de comprimidos ao ano. Também cresceram os relatos sobre o uso abusivo da droga, com relatos de pessoas que chegaram a tomar mais de 60 comprimidos por dia. “Esse aumento tem diversas razões. As indústrias farmacêuticas aperfeiçoaram os medicamentos de forma que começaram a ser produzidos medicamentos com menores efeitos colaterais, com uma ação um pouco mais rápida e a principal diferença que é de interesse do paciente é que ele tem uma ação curta. Então o que acontece: eu passo a dormir rapidamente, em cerca de 15 minutos, e quando eu acordo eu não vou ter aquele efeito, digamos, de uma ressaca. É o sonho de todo mundo hoje em dia. Uma droga como essa gera um aumento da tolerância, demanda doses cada vez mais altas e leva a pessoa ao vício, e seu uso prolongado é extremamente danoso”, explica a professora.

Ela conta que as receitas desse medicamento devem ter a extensão de no máximo um mês. “Na verdade é um medicamento que você deve usar no máximo em até quatro semanas, salvo exceções prescritas pelos médicos. A ideia é não usar mais do que um mês esse medicamento e as pessoas estão usando indiscriminadamente.”

Vida moderna

Entre os motivos para o aumento do uso desses compostos no Brasil nos últimos anos, ela cita o ritmo acelerado da vida cotidiana. “Acho que são vários motivos, mas o principal deles é que a gente vive numa sociedade que força as pessoas a trabalharem cada vez mais. Isso acaba gerando uma falta de tempo. Hoje, as pessoas têm que trabalhar mais do que oito horas por dia, dependendo da profissão chega a 12, 14 horas por dia, as pessoas pegam um trânsito muito congestionado para chegar em casa, levam por vezes uma ou duas horas para ir e para voltar. Chegam em casa e ainda preparam a comida para comer minimamente saudável, ainda tem que cuidar da casa, cuidar dos filhos. Enfim, o dia não tem mais do que 24 horas; então de onde as pessoas roubam o tempo para fazer tudo isso e ainda fazer exercício, correr, ir para a academia? Elas acabam tirando o tempo dos horários de sono, isso acaba acontecendo cada vez mais em sociedades industrializadas. Quanto mais urbanizadas maior se rouba o tempo do sono. As pessoas ainda acham que dormir é perda de tempo, é como se fosse um círculo vicioso”, detalha.

Para Cláudia Moreno, os problemas relacionados ao sono e abuso de medicamentos já são uma questão de saúde pública. “O primeiro ponto é: muitas pessoas têm problemas de sono e não procuram ajuda especializada. E o sono já é uma questão de saúde pública. A outra coisa é a automedicação indiscriminada de drogas do sono, que é outra questão de saúde pública. Existem muitos casos de pessoas que estão dependentes dessas drogas, que precisam de internamento e acompanhamento 24 horas para fazer o desmame do medicamento, pois a interrupção abrupta da medicação pode levar até a convulsões, são pessoas que estão há anos tomando altas doses de algo que deveria ser uma medicação pontual; isso, além de tudo, gera um alto custo para o sistema público de saúde”, alerta.

*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira

FONTE: Jornal da USP

Pesquisas apontam relação entre poluição sonora e casos de obesidade, insônia e hipertensão

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Um Projeto de Lei (PL) que tramita na Câmara dos Vereadores de São Paulo propõe aumentar o limite de ruído em algumas regiões. O texto prevê que nas Zonas de Ocupação Especial (ZOE), no entorno de estádios, arenas e casas de show esse limite seja de 85 decibels (dB), 30 a mais que o atual, de 55 dB. Audiências públicas foram realizadas para discutir o projeto que levanta o debate sobre a poluição sonora e a saúde pública: segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 10% da população mundial está exposta a níveis de ruído prejudiciais à saúde.

Poluição sonora e saúde

A pressão do som em altas intensidades prejudica o sistema auditivo e também o bem-estar da população. Ricardo Bento, professor de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP explica que a pressão do som em altas intensidades causa diversos danos ao sistema auditivo. “Esses lesionam e estragam as células que a gente tem dentro da cóclea, o órgão interno da audição”, diz.

Outro aspecto é o estresse e o bem-estar. “Às vezes o barulho não precisa ser alto. Basta ser um ruído ruim, por exemplo, uma britadeira na frente da sua casa, que vai irritando.” Além disso, algumas pesquisas apontam também relações entre a poluição sonora e casos de obesidade, insônia e pressão alta.

Na intensidade prevista pelo PL, de 85 dB, o ouvido humano suporta no máximo oito horas de duração. A partir disso, há perda auditiva. A medida, entretanto, propõe que o novo limite seja permitido por um total de 11 horas, do meio-dia às 23h. Por isso, Bento ressalta que, além da intensidade, o tempo de exposição é muito importante. “O ideal seria em torno dos 55 decibels, a esse nível você pode ficar exposto quanto tempo quiser. O nível máximo é diretamente ligado ao tempo”, afirma.

Diante desses fatores, a professora Ranny Michalski, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac), questiona a medida. “Esse Projeto de Lei nos pegou de surpresa. Esse nível por tanto tempo faz mal, é um nível absurdamente elevado.”

Ranny lembra que existem normas nacionais, como a ABNT NBR 10151, e uma legislação municipal: “De acordo com a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, temos limites máximos de 65 decibels para o período diurno e 55 decibels para o período noturno. E, de repente, surge um projeto querendo mudar isso”.

Os caminhos para uma cidade com menos ruído

Para reduzir a poluição sonora, a professora comenta que é possível atuar em três frentes: na fonte sonora, que é o que está gerando esse ruído; no caminho que esse ruído faz quando sai da fonte; e no ouvinte ou receptor desse som. “É sempre bom começar na fonte. E a última prioridade sempre é tratar no receptor, a gente quer que o ruído não chegue na pessoa. Tem que pensar de fora para dentro.”

Entre as possibilidades de intervenção, Ranny cita o controle do ruído do tráfego por meio da redução e do redirecionamento do trânsito, o uso de asfaltos que atenuem o ruído, ou a utilização de barreiras acústicas. Ela também lembra que, em breve, a cidade de São Paulo terá seu mapa de ruído, um diagnóstico de como está a questão do som na cidade.

“Tivemos um grande avanço com relação à poluição sonora em São Paulo. Em 2016, foi publicada a Lei 16.499, que estabelece a elaboração do mapa de ruído da cidade. Após a elaboração desse mapa, precisamos ter também planos de ação para o gerenciamento e o controle. Primeiro precisamos conhecer o ruído para depois tentar organizar melhor o que podemos fazer para melhorar a qualidade sonora na cidade.”

Por Rodrigo Tammaro

FONTE: Jornal da USP