Fungo têm potencial para proteção solar e combate a larvas e parasitas

A descoberta gerou patente e é o passo inicial para que as substâncias extraídas do fungo “Penicillium echinulatum” sejam usadas na produção de cosméticos e medicamentos.

O fungo Penicillium echinulatum, isolado da alga Adenocystis utricularis, encontrada em locais de clima frio, como a Antártida, é o protagonista de uma pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP. O estudo, realizado a partir do cultivo deste fungo em laboratório, levou à descoberta de substâncias que podem proteger a pele humana contra raios ultravioleta, além de matar parasitas, como o causador da leishmaniose e o da malária, além de larvas, como as do mosquito da dengue.

A pesquisa da farmacêutica Thaiz Rodrigues Teixeira buscava, em extratos de fungos, substâncias que demonstrassem ação fotoprotetora, mecanismo que evita danos provocados pela luz solar à pele humana, carro-chefe das pesquisas do grupo liderado pela professora Hosana Maria Debonsi, orientadora do estudo.

A escolha da alga Adenocystis utricularis para este estudo, diz Hosana, “está associada à alta incidência de radiação dos raios ultravioleta, UVA e UVB, no Continente Antártico”. A descoberta é o primeiro passo para que as substâncias encontradas no fungo Penicillium echinulatum sejam usadas na produção de cosméticos e medicamentos tanto de uso humano quanto veterinário.

Testes em peles artificiais

Para o estudo, foi necessário determinar quais dos vários fungos encontrados na alga possuíam maior potencial biológico. “Para isso realizamos experimentos piloto, cultivamos esses fungos separadamente, identificamos e estudamos os extratos de cada um, ou seja, avaliamos o perfil químico e o perfil biológico”, conta a professora.

Os resultados do piloto indicaram as substâncias produzidas pelo fungo Penicillium echinulatum com o melhor potencial para uso em cosméticos, na proteção contra os raios UVA e UVB, que não se decompõe com a luz ou que apresenta potencial tóxico.

Após esse estudo inicial, os pesquisadores fizeram os testes em pele artificial, reconstituída a partir de células humanas. Essa fase foi feita em colaboração com a professora Lorena Gaspar Cordeiro, também da FCFRP. “Nessa etapa, verifica-se se a substância possui efeitos tóxicos e irritantes na pele. Com base nos ensaios, o fungo pode ser cultivado em escala ampliada, servindo para obter mais substâncias para os próximos testes.”

O próximo passo, diz Hosana, foi o depósito de patente, para que as metodologias e aplicações das substâncias possam ser protegidas e, ainda, virem a ser objeto de outros estudos em parceria com empresas da área cosmética e dermatológica, inclusive, na realização de ensaios clínicos para comprovação da segurança e eficácia, conforme exigido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Desafios: pandemia e falta de biorreatores

A pandemia da covid-19 foi um obstáculo para o andamento da pesquisa, informa a professora, com muitos dos trabalhos interrompidos na faculdade. Mesmo assim, os testes avançaram e, agora, avalia Thaiz Rodrigues Teixeira, a equipe deve enfrentar sua maior dificuldade: o cultivo em larga escala no laboratório. É que para os testes clínicos serão necessárias quantidades muito maiores das substâncias extraídas do fungo.

Thaiz comenta que nem sempre essas substâncias podem ser obtidas através de síntese química por envolverem várias etapas, além de ser algo muito caro. Assim, uma alternativa é utilizar o processo biológico de crescimento do fungo, podendo ser reproduzido em laboratório. Porém, isso depende de biorreatores, equipamentos robustos e caros que “esbarram em outra dificuldade, que é o financiamento”.

O estudo Prospecção química, avaliação biológica e uso de redes moleculares como ferramenta na busca por substâncias bioativas de microrganismos marinhos foi desenvolvido no doutorado da farmacêutica Thaiz Rodrigues Teixeira, sob orientação da professora Hosana, e defendido no último mês de maio. Foi realizado em colaboração com professores da FCFRP da USP, do Instituto de Química da Unesp, em Araraquara, da Universidade de Brasília (UnB), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e de professores e pesquisadores internacionais, sendo que uma parte da tese foi realizada em um estágio-sanduíche no Instituto de Oceanografia da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, com supervisão do professor William Gerwick.

Mais informações: e-mails hosana@fcfrp.usp.br, com a professora Hosana, ou thaizrt@gmail.com, com a pesquisadora Thaiz.

FONTE: Jornal da USP

Entenda por que a Candida auris foi apelidada de superfungo

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) confirmou nesta semana o terceiro surto hospitalar de Candida auris no país. Dessa vez, o fungo foi identificado em amostras de urina de dois pacientes que estavam internados num hospital do Recife – um homem de 67 anos e uma mulher de 70 anos.

A levedura – tipo de fungo que possui apenas uma célula –  causa grande preocupação nas autoridades sanitárias por ser resistente à maioria dos fungicidas existentes. Em alguns casos, a todos. Isso levou a espécie a receber o apelido de superfungo.

Os organismos do reino Candida são velhos conhecidos da população. Eles causam infecções orais e vaginais bastante comuns nos seres humanos, as candidíases, que são combatidas com fungicidas vendidos em qualquer farmácia.

No caso da Candida auris, porém, as infecções têm se mostrado extremamente difíceis de curar. A espécie produz o que os cientistas chamam de biofilme, camada protetora que a torna resistente ao fluconazol, à anfotericina B e ao equinocandinao, três dos principais compostos antifúngicos.

A espécie é capaz também de infectar o sangue, levando a casos agressivos e muitas vezes letais. Além disso, acomete em geral pacientes graves, que permanecem por longos períodos em unidades intensivas de tratamento. Dos 18 casos identificados até agora no Brasil, dois resultaram em morte.

Candida auris se demonstrou ainda ser extremamente difícil de controlar, sendo resistente também à maioria dos desinfetantes. “Quando ela chega num hospital, raramente é eliminada”, disse à Agência Brasil o infectologista Flávio Teles, coordenador do Comitê de Micologia da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Não bastasse sua resistência, o patógeno é difícil de identificar, podendo ser confundindo, em laboratórios, com outras espécies de Candida. “Tem essa dificuldade para diagnosticar, porque há um desconhecimento sobre a nova espécie, então acaba podendo passar desapercebido”, frisou o médico infectologista Filipe Prohaska, um dos envolvidos na identificação do surto em Pernambuco.

No Brasil, dois laboratórios estão aptos a identificar a levedura por meio de procedimentos específicos: o Laboratório Especial de Micologia da Escola Paulista de Medicina (Lemi), vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifespe); e o Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen-BA).

Histórico

O superfungo foi primeiro identificado no Japão, em 2009, no ouvido de um paciente internado, o que levou ao nome auris – orelha, em latim. Desde então, casos foram reportados em ao menos 47 países, segundo dados compilados pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês).

Ao todo, foram cerca de 5 mil pessoas infectadas até agora em todo mundo. Foi o suficiente para a Candida auris ser considerada uma das principais ameaças à saúde pública global.

O nível de alerta cresceu bastante durante a pandemia de covid-19, que aumentou em muito o número de internações longas em todo o mundo. “Paciente com covid-19 grave fica muito tempo na UTI, fica tomando corticóide, fica em ventilação mecânica, fatores que são riscos para pacientes adquirirem infecções fúngicas. Tudo isso é um alerta”, disse Teles.

Ainda não é possível saber a origem da Candida auris que apareceu no Brasil. A espécie foi identificada pela primeira vez no cateter de um paciente num hospital de Salvador, em dezembro de 2020. Nesse primeiro surto, 15 pessoas foram infectadas. Uma única outra infecção foi identificada também em Salvador, em dezembro de 2021.

Outra característica que torna a espécie preocupante é sua capacidade de sobreviver por meses em superfícies como macas, móveis e instrumentos. É possível, por exemplo, que indivíduos saudáveis transportem o fungo entre unidades hospitalares sem saber.

A transmissão, contudo, se dá somente pelo contato direto com objetos ou pessoas infectadas, uma das poucas características que favorecem sua contenção. Até hoje, por exemplo, nunca foi identificada nenhuma infecção por Candida auris fora do ambiente hospitalar.

Por Felipe Pontes – Repórter da Agência Brasil – Brasília

FONTE: Agência Brasil