Morte encefálica: Entenda porque o atraso no diagnóstico reduz doações

Conhecimento médico sobre os protocolos de diagnóstico de morte encefálica precisa ser ampliado. Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto apontam que o conhecimento insatisfatório atrasa o diagnóstico e, consequentemente, reduz a identificação de possíveis doadores.

A rapidez e a aplicação correta do protocolo de diagnóstico de morte encefálica são aspectos fundamentais para a identificação de possíveis doadores de órgãos e tecidos. Entretanto, pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP apontam que o conhecimento da comunidade médica é mediano em relação aos critérios de diagnóstico de morte encefálica definidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

Desempenho Médico

O desempenho foi avaliado a partir da aplicação de um questionário com 12 questões específicas sobre o protocolo de morte encefálica e doação de órgãos do CFM, com a participação de 360 médicos de todas as regiões do Brasil. Além disso, eles preencheram informações relacionadas aos dados sociodemográficos, formação médica e informações profissionais, como: tempo de experiência na UTI e segurança para explicar à família sobre o diagnóstico.

“Os participantes tiveram um desempenho insatisfatório, com uma media de cinco acertos em uma escala de 0 a 10. O conhecimento baixo foi visto mesmo em profissionais que têm entre seis e dez anos de formação, são intensivistas, participaram de cursos de capacitação, trabalham em Unidade Terapia Intensiva (UTI) e que realizaram mais de dez diagnósticos de morte encefálica”, revela Tauana Fernandes Vasconcelos, que é enfermeira, mestra pela FMRP e primeira autora do estudo Assessment of physicians’ knowledge about brain death and organ donation and associated factors publicado na Medicine.

A preocupação dos pesquisadores em relação a esse baixo desempenho está diretamente relacionada à identificação de possíveis doadores de órgãos. “Quando o médico tem um conhecimento insatisfatório, ele vai demorar para diagnosticar pacientes com morte encefálica. É importante ressaltar que não existe possibilidade de doar órgãos sem o cumprimento dos protocolos exigidos para comprovação de morte encefálica. Ou seja, se as diretrizes não forem aplicadas, perdemos a chance de ajudar outras famílias com a doação”, explica Maria Auxiliadora Martins, que é médica, professora da FMRP e orientadora do estudo.

Tauana ainda ressalta que é necessário realizar mais estudos sobre a temática e promover cursos para o treinamento desses profissionais, porque se trata de um diagnóstico muito necessário para doação de órgãos e concretização dos transplantes. “Nós identificamos que o conhecimento é insatisfatório, consequentemente terá uma baixa identificação de possíveis doadores.”

Em 2019, o Brasil apresentou 11.400 notificações de potenciais doadores, mas pouco mais de 3.200 tiveram seus órgãos e tecidos transplantados, aponta o relatório da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Entre os possíveis doadores estão aqueles que tiveram morte encefálica, que podem salvar até oito vidas com o transplante de coração, pulmão, fígado, rins, pâncreas, córneas, intestino, pele, ossos e válvulas cardíacas.

Como é feito o diagnóstico da morte encefálica

“O conceito de morte vem sendo discutido e modificado ao longo do tempo, não sendo reconhecido como morte apenas quando o indivíduo evolui para a parada cardíaca, mas também quando há perda de atividade no tronco e córtex cerebral por causa conhecida e irreversível. Ou seja, é uma situação onde o cérebro não volta a funcionar novamente”, explica a professora Maria Auxiliadora.

Atualmente, o diagnóstico de morte encefálica segue critérios definidos pela resolução nº 2.173, de 2017, do CFM, como: realização do procedimento em todos os pacientes em estado de inconsciência permanente, com lesão encefálica de causa conhecida e irreversível, ausência de fatores tratáveis que confundiriam o diagnóstico, tratamento e observação no hospital por pelo menos seis horas, entre outros.

Para Maria Auxiliadora, o protocolo para diagnóstico é minucioso e os médicos precisam estar atualizados para que o processo seja rápido e correto. “Realizamos provas clínicas e um exame complementar para que a gente tenha certeza que há morte encefálica e, por isso, a educação continuada e campanhas de esclarecimento são pontos importantes para melhorar o conhecimento dos profissionais e aumentar as taxas de doação de órgãos”, ressalta.

Além de Maria Auxiliadora e Tauana, o estudo conta com a autoria de Mayra Gonçalves Menegueti, Carlos Alexandre Curylofo Corsi, Jéssyca Michelon-Barbosa, Lucas Sato, Anibal Basile-Filho, Christiane Becari e Rosana Aparecida Spadoti Dantas, todos da USP. Maria Auxiliadora ressalta ainda que entre as principais colaborações está a professora Mayra Gonçalves Menegueti, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, “que auxiliou no desenvolvimento dos instrumentos metodológicos corretos que permitiram que os resultados fossem concluídos com qualidade”. O estudo pode ser acessado na íntegra no link: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36197182/

Mais informações: tauanavascon@gmail.com e mamartins@fmrp.usp.br

Texto: Giovanna Grepi
Arte: Rebeca Fonseca

FONTE: Jornal da USP