O recente caso do transplante do coração do apresentador Fausto Silva fez com que voltasse à tona o assunto de doação de órgãos no Brasil. Por conta da velocidade com que foi realizado o procedimento, muitas pessoas começaram a questionar a veracidade do sistema público de transplantes, alimentando a narrativa de que houve um favorecimento a Faustão.
Com isso, o Ministério da Saúde, em conjunto com o Governo de São Paulo, publicou uma nota para refutar esses apontamentos. Na publicação, eles ressaltam que não houve nenhum tipo de irregularidade e explicaram, brevemente, como funciona o processo para a transplantação.
Luciana Bertocco de Paiva Haddad, médica assistente do Serviço de Transplantes de Órgãos Abdominais e coordenadora do Ambulatório de Transplantes Abdominais do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), destaca: “Ele tinha um tipo sanguíneo mais raro, o tipo B, e ,além disso, ele ganhou uma priorização por conta da condição clínica dele. Tudo isso funciona de forma super transparente e muito rigorosa”.
Referência mundial
O Ministério da Saúde afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS) possui o maior programa público de transplante do mundo, o qual garante que 87% dos transplantes sejam feitos com recursos governamentais. Segundo a médica, a coordenação integrada entre Sistema Nacional de Transplantes (SNT), Ministério da Saúde e secretarias estaduais da saúde é muito bem feita, principalmente pela extensão territorial do País, e isso é fundamental para o sucesso do projeto.
Independentemente da forma como o transplante é pago, pelo SUS ou não, a chance de receber um órgão é a mesma. A médica afirma que todos têm acesso à informação e à gestão da lista de espera, o que demonstra toda a lisura do processo. O Brasil está em segundo lugar na lista dos países que mais realizam o procedimento, atrás apenas dos Estados Unidos — contudo, no país norte americano o processo é privado. Só no ano passado, o número de transplantes bem sucedidos ultrapassou a marca de 23 mil.
Dificuldades
No primeiro semestre de 2023, o número de doadores de órgãos no Brasil bateu recorde, atingindo a marca de 19 por milhão de habitantes e a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) estabeleceu a meta de 20 doadores por milhão de habitantes até o final do ano. Ainda de acordo com a ABTO, os Estados de Santa Catarina e Paraná são os que possuem o maior número de doadores por indivíduos.
Apesar disso, aumentou também a rejeição das famílias em doar órgãos do paciente — antes da pandemia o número era de 42% e hoje beira a casa dos 50%. Com isso, a lista de espera para receber um órgão ainda é grande, contando com mais de 65 mil brasileiros, um dos maiores números dos últimos 25 anos, conforme o Ministério da Saúde. Para a médica, essa realidade pode ser revertida a partir de políticas públicas que sejam responsáveis por educar a população, ensinando-a sobre a necessidade e o processo dessa atitude.
“Nós ainda temos um número insuficiente de doadores para nossa demanda, o Brasil tem um número grande de transplantes, mas a necessidade é ainda maior”, analisa Luciana. Além disso, a especialista afirma que o financiamento precisaria ser melhor, ainda que atualmente não seja ruim. Por esse motivo, o Brasil ocupa o segundo lugar entre os sistemas mais eficientes do mundo, abaixo da Espanha. Vale ressaltar que o modelo espanhol também é público e foi a principal inspiração para a criação do sistema brasileiro.
O processo
A lista de espera para recebimento de órgãos no Brasil possui uma burocracia que, segundo a especialista, é realizada de forma transparente e rigorosa pelo Ministério da Saúde. “A entrada na lista de espera depende de cada órgão. Para todos eles é considerada a gravidade, o tipo sanguíneo e, além disso, tem alguns critérios de priorização que são diferentes para os diferentes órgãos”, explica Luciana.
O processo é iniciado quando o paciente é incluído em uma lista única — tanto para pacientes de rede privada quanto para pacientes do SUS — , a qual é auditada, e as equipes de profissionais têm acesso. A partir disso, os dados são divulgados e atualizados diariamente. A listagem é feita com base em diferentes critérios: tipo sanguíneo, compatibilidade de peso, altura e genes e a gravidade do paciente. Caso esses critérios sejam parecidos, o Ministério utiliza a ordem de cadastro para selecionar o transplantado e, em situações de paciente em estado crítico, ocorre a sua priorização.
Para se tornar um possível doador de órgãos, é preciso avisar a família dessa vontade, uma vez que, atualmente, não há nenhuma outra ação que precise ser feita. Após o diagnóstico de morte encefálica e a autorização da família, a equipe de saúde realiza uma investigação do histórico do possível doador. Alguns pontos como doenças crônicas e o uso de drogas injetáveis podem comprometer um órgão, portanto, é necessário essa avaliação médica para garantir a segurança do receptor e da equipe médica. “Você precisa comunicar a sua família, uma vez que a autorização para doação de órgãos é feita depois da ocorrência de uma morte encefálica e é a família que autoriza essa doação de órgãos”, esclarece a médica.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo
FONTE: Jornal da USP