Sistema de transplantes brasileiro é o maior programa público do mundo

O recente caso do transplante do coração do apresentador Fausto Silva fez com que voltasse à tona o assunto de doação de órgãos no Brasil. Por conta da velocidade com que foi realizado o procedimento, muitas pessoas começaram a questionar a veracidade do sistema público de transplantes, alimentando a narrativa de que houve um favorecimento a Faustão.

Com isso, o Ministério da Saúde, em conjunto com o Governo de São Paulo, publicou uma nota para refutar esses apontamentos. Na publicação, eles ressaltam que não houve nenhum tipo de irregularidade e explicaram, brevemente, como funciona o processo para a transplantação.

Luciana Bertocco de Paiva Haddad, médica assistente do Serviço de Transplantes de Órgãos Abdominais e coordenadora do Ambulatório de Transplantes Abdominais do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), destaca: “Ele tinha um tipo sanguíneo mais raro, o tipo B, e ,além disso, ele ganhou uma priorização por conta da condição clínica dele. Tudo isso funciona de forma super transparente e muito rigorosa”.

Referência mundial

O Ministério da Saúde afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS) possui o maior programa público de transplante do mundo, o qual garante que 87% dos transplantes sejam feitos com recursos governamentais. Segundo a médica, a coordenação integrada entre Sistema Nacional de Transplantes (SNT), Ministério da Saúde e secretarias estaduais da saúde é muito bem feita, principalmente pela extensão territorial do País, e isso é fundamental para o sucesso do projeto.

Independentemente da forma como o transplante é pago, pelo SUS ou não, a chance de receber um órgão é a mesma. A médica afirma que todos têm acesso à informação e à gestão da lista de espera, o que demonstra toda a lisura do processo. O Brasil está em segundo lugar na lista dos países que mais realizam o procedimento, atrás apenas dos Estados Unidos — contudo, no país norte americano o processo é privado. Só no ano passado, o número de transplantes bem sucedidos ultrapassou a marca de 23 mil.

Dificuldades

No primeiro semestre de 2023, o número de doadores de órgãos no Brasil bateu recorde, atingindo a marca de 19 por milhão de habitantes e a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) estabeleceu a meta de 20 doadores por milhão de habitantes até o final do ano. Ainda de acordo com a ABTO, os Estados de Santa Catarina e Paraná são os que possuem o maior número de doadores por indivíduos.

Apesar disso, aumentou também a rejeição das famílias em doar órgãos do paciente — antes da pandemia o número era de 42% e hoje beira a casa dos 50%. Com isso, a lista de espera para receber um órgão ainda é grande, contando com mais de 65 mil brasileiros, um dos maiores números dos últimos 25 anos, conforme o Ministério da Saúde. Para a médica, essa realidade pode ser revertida a partir de políticas públicas que sejam responsáveis por educar a população, ensinando-a sobre a necessidade e o processo dessa atitude.

“Nós ainda temos um número insuficiente de doadores para nossa demanda, o Brasil tem um número grande de transplantes, mas a necessidade é ainda maior”, analisa Luciana. Além disso, a especialista afirma que o financiamento precisaria ser melhor, ainda que atualmente não seja ruim. Por esse motivo, o Brasil ocupa o segundo lugar entre os sistemas mais eficientes do mundo, abaixo da Espanha. Vale ressaltar que o modelo espanhol também é público e foi a principal inspiração para a criação do sistema brasileiro.

O processo

A lista de espera para recebimento de órgãos no Brasil possui uma burocracia que, segundo a especialista, é realizada de forma transparente e rigorosa pelo Ministério da Saúde. “A entrada na lista de espera depende de cada órgão. Para todos eles é considerada a gravidade, o tipo sanguíneo e, além disso, tem alguns critérios de priorização que são diferentes para os diferentes órgãos”, explica Luciana.

O processo é iniciado quando o paciente é incluído em uma lista única — tanto para pacientes de rede privada quanto para pacientes do SUS — , a qual é auditada, e as equipes de profissionais têm acesso. A partir disso, os dados são divulgados e atualizados diariamente. A listagem é feita com base em diferentes critérios: tipo sanguíneo, compatibilidade de peso, altura e genes e a gravidade do paciente. Caso esses critérios sejam parecidos, o Ministério utiliza a ordem de cadastro para selecionar o transplantado e, em situações de paciente em estado crítico, ocorre a sua priorização.

Para se tornar um possível doador de órgãos, é preciso avisar a família dessa vontade, uma vez que, atualmente, não há nenhuma outra ação que precise ser feita. Após o diagnóstico de morte encefálica e a autorização da família, a equipe de saúde realiza uma investigação do histórico do possível doador. Alguns pontos como doenças crônicas e o uso de drogas injetáveis podem comprometer um órgão, portanto, é necessário essa avaliação médica para garantir a segurança do receptor e da equipe médica. “Você precisa comunicar a sua família, uma vez que a autorização para doação de órgãos é feita depois da ocorrência de uma morte encefálica e é a família que autoriza essa doação de órgãos”, esclarece a médica.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo

FONTE: Jornal da USP

As estratégias que ajudam a conter superbactérias em hospitais

A identificação rápida de pacientes contaminados por um tipo de “superbactéria” – as enterobactérias resistentes aos carbapenêmicos (CRE, na sigla em inglês) – e o isolamento precoce desses indivíduos reduzem a transmissão em áreas de internação de pronto-socorro (PS). No entanto, mantê-los por mais de dois dias na emergência compromete os esforços de contenção porque aumenta o risco de contaminação, a chamada colonização.

Esses são os principais achados de uma pesquisa feita por um grupo da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Os resultados foram divulgados na revista Clinical Infectious Diseases.

As enterobactérias são um tipo de bactéria (gram-negativas) que geralmente causam infecções em ambientes de saúde – hospitais e prontos-socorros – e incluem cepas como a Escherichia coli, responsável por infecções urinárias e colite hemorrágica, e a Klebsiella pneumoniae, que pode levar à pneumonia e à infecção de corrente sanguínea. As CRE são consideradas ameaça à saúde pública pela dificuldade de tratamento. Os antibióticos carbapenêmicos geralmente são a última linha de defesa contra infecções provocadas por esses microrganismos.

“Fizemos uma intervenção em um pronto-socorro superlotado, ou seja, um hotspot para transmissão de bactérias resistentes. Vimos que essa intervenção teve um impacto na redução de bactérias multirresistentes dentro do PS e também no próprio hospital”, diz à Agência Fapesp o médico infectologista Matias Chiarastelli Salomão, primeiro autor do artigo e integrante da Subcomissão de Controle de Infecção Hospitalar do Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP.

Estudos anteriores realizados no Departamento de Emergência já haviam demonstrado que 6,8% dos pacientes admitidos são colonizados por CRE, com uma taxa de contaminação de 18% durante a internação no local.

Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2022, apontou que a cada 100 pacientes internados em hospitais para cuidados intensivos, sete – em países de alta renda – e 15 – em países de baixa e média renda – adquirem ao menos uma infecção associada à atenção à saúde durante a internação. Em média, um a cada dez pacientes afetados morrerá por este motivo.

De acordo com Salomão, um dos focos do trabalho foi tentar entender e buscar alternativas para impedir que infecções no pronto-socorro se espalhassem para outras alas do hospital. “A intervenção que usamos é pragmática e pode ser aplicada em outros locais. Sobre o resultado relacionado à internação na emergência por mais de dois dias comprometer os esforços de contenção, acreditamos que seja uma questão de estrutura do PS, que não é adaptada para ter pacientes de longo prazo. Ou seja, tem macas mais próximas, pontos de higiene de mãos mais distantes, entre outros”, complementa.

Passo a passo

A pesquisa foi conduzida no pronto-socorro do HC, que tem 800 leitos. Muitas vezes, porém, o local está superlotado, abrigando o dobro de pacientes internados, com alguns permanecendo por mais de 11 dias.

O trabalho foi dividido em duas fases – uma realizada de 3 a 28 de fevereiro de 2020 (período de linha de base), antes de o primeiro caso de covid-19 chegar ao HC, e a outra entre 14 de setembro e 1º de outubro do mesmo ano (período de intervenção). O hospital ficou totalmente dedicado a casos de covid entre 1º de abril e 31 de agosto de 2020, tendo sido reaberto gradualmente a outros tipos de internação depois desta data.

A fase 1 consistiu em um período inicial para determinar a prevalência e a incidência de pacientes colonizados por CRE admitidos no pronto-socorro. Não houve intervenção nessa etapa e os pacientes internados por mais de 24 horas ficaram em macas e camas distribuídas próximas umas das outras, enquanto aguardavam transferência.

Ala de UTI do Hospital das Clínicas – Foto: Governo do Estado de São Paulo/Flickr/CC BY 2.0 DEED

 

Na fase 2 (período de intervenção), indivíduos internados no PS passaram por triagem para CRE nas primeiras 24 horas. Os positivos para superbactérias eram colocados em isolamento até a alta – 90% dos isolados estavam infectados por Klebsiella pneumoniae. Em ambas as fases, os procedimentos de limpeza e desinfecção foram semelhantes e houve monitoramento de antimicrobianos.

Resultado: a colonização na admissão foi de 3,4% por cultura e teste molecular. Já as taxas de contaminação por superbactéria durante a permanência no PS caíram de 4,6% para 1% durante a intervenção. O tempo de permanência maior do que dois dias foi o fator de risco para aquisição de CRE.

“A ideia da pesquisa começou no próprio hospital, onde desde 2014 vem sendo realizado um protocolo de rastreio tanto semanal como admissional nas Unidades de Terapia Intensiva [UTIs]. Isso fez com que as taxas de colonização secundária caíssem de maneira importante. Mas um outro trabalho detectou que continuava havendo uma entrada de superbactérias por meio do pronto-socorro”, conta Salomão, que começou a estudar o tema em seu doutorado.

Desse período, resultaram outros dois artigos, sendo o último publicado em 2020 na revista Emerging Infectious Disease.

O artigo Transmission of Carbapenem-Resistant Enterobacterales in an Overcrowded Emergency Department: Controlling the Spread to the Hospital pode ser lido neste link. A Fapesp apoiou o estudo por meio de um Auxílio à Pesquisa concedido ao médico Icaro Boszczowski, coautor do artigo.

Este texto foi originalmente publicado por Agência Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

*Da Agência Fapesp, adaptado por Luiza Caires ao Jornal da USP

FONTE: Jornal da USP

Infecção generalizada apresenta causas distintas e tratamentos complexos

Reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma crise de saúde global, a sepse acomete 50 milhões de pessoas a cada ano. Dessas, 11 milhões morrem da doença. No Brasil, as infecções generalizadas já são a terceira causa de morte no País. Além disso, entre as pessoas que se curam, de 30% a 40% ficam com sequelas – como fraqueza, transtornos cognitivos e incapacidade –, o que demanda reabilitação. Bruno Besen, médico intensivista da UTI Clínica e pesquisador do Laboratório de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica como funciona a doença e aborda as preocupações dos médicos.

A sepse

Alguns casos podem começar na comunidade, com um indivíduo desenvolvendo, em casa, uma infecção. O médico explica que, em casos mais simples, o paciente é tratado no ambiente ambulatorial, através de antibióticos, sem necessidade de hospitalização. Entretanto, alguns casos evoluem para a infecção generalizada – “um quadro em que a infecção perde o controle no organismo e passa a afetar o funcionamento dos órgãos”.

A maioria das infecções, entretanto, se inicia quando o paciente está hospitalizado, as chamadas “infecções associadas ao cuidado de saúde”. Esse cenário causa grande preocupação na comunidade médica e contribui para os casos de sepse global.

Origens 

Segundo Besen, a sepse é dividida em três fases. Primeiramente, o paciente desenvolve uma infecção específica, como pneumonia, infecção urinária, apendicite ou meningite, por exemplo. Depois, se esse quadro começa a afetar outros órgãos – devido a uma resposta desregulada do próprio organismo –, ele passa a ser chamado de sepse. O último estágio é chamado de choque séptico, em que o paciente tem uma infecção tão intensa que sua pressão cai e os órgãos são afetados profundamente.

Os sintomas da sepse são os mesmos da infecção que a desencadeou – se for uma pneumonia, por exemplo, o paciente apresenta tosses, catarro e febre –, além de somar outros fatores, como falta de ar e tontura. O que caracteriza a infecção generalizada é a identificação médica que [a infecção] está afetando outros órgãos além do foco inicial”, discorre o especialista. Uma das formas de agilizar o processo de tratamento se faz por um diagnóstico precoce, tanto no hospital quanto fora, antes que os órgãos sejam afetados. Além disso, Besen pontua que também é importante evitar a infecção, sempre que possível.

Quando o indivíduo apresenta uma infecção bacteriana, os profissionais de saúde indicam antibióticos para realizar o tratamento. Durante a pandemia, houve um uso indevido de medicamentos antimicrobianos, que não foram eficazes contra doenças virais. “Quando usamos remédios de forma inadequada e em grande quantidade, o que é comum nos casos de antibióticos, as bactérias começam a ficar resistentes e os pacientes perdem uma alternativa terapêutica” pontua.

Tratamento na UTI

Como explica Besen, existem duas especialidades médicas que conseguem promover um tratamento mais eficaz ao paciente com sepse. A primeira, a Medicina de Emergência, é responsável por identificar os casos graves, a fim de realizar um atendimento mais acelerado. Caso o indivíduo precise de atendimentos intensivos, ele seguirá para a Terapia Intensiva, especialidade responsável por promover suporte para que o paciente consiga se recuperar da infecção.

“Nosso objetivo, na terapia intensiva, é realizarmos o tratamento com muita qualidade, para que os cuidados não causem infecções secundárias, por exemplo” explica Besen. Dependendo do quadro, o paciente pode precisar do tratamento por um período extenso, e os esforços realizados por seu corpo podem resultar em sequelas.

Alguns estudos norte-americanos e brasileiros mostraram que os pacientes que se recuperam de um quadro de sepse têm um aumento de três vezes, com relação a pessoas que não tiveram, de desenvolver transtornos cognitivos leves e moderados. “Há uma prevalência grande de problemas de saúde mental após sair do hospital Por exemplo, um terço pode desenvolver sintomas de ansiedade, quase um terço sintomas de depressão, de estresse pós-traumático” exemplifica.

Além disso, existe também um componente de recuperação física, a partir do momento em que os pacientes têm dificuldade para voltar a realizar atividades básicas do dia a dia. Por isso, Besen aponta que é de grande importância que os médicos promovam serviços de reabilitação para que os pacientes consigam se recuperar nessa fase.

Superbactérias

O médico explica que, hoje em dia, esse tipo de bactéria – organismos resistentes a muitos antibióticos ou a todos os antibióticos que não possuem alta toxicidade – é uma grande preocupação para a comunidade médica. Se infecções não conseguem ser prevenidas por terapias e tratamentos, os médicos acabam usando mais antibióticos, o que pode gerar o surgimento de superbactérias.

Besen conclui que, constantemente, os médicos buscam melhorias para tratar os casos da melhor forma possível. Esse cenário pode ser alcançado através de diagnósticos precoces e eficientes e promoção do acesso a unidades de terapia aos pacientes necessitados, principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS).

FONTE: Jornal da USP

Câncer em crianças e adolescentes apresenta-se como um problema de saúde pública

Estima-se que o câncer em crianças e adolescentes corresponda a até 3% de todos os tumores malignos, sendo uma das principais causas de óbito entre esses indivíduos. Um estudo realizado pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP acerca da epidemiologia do câncer nessa faixa etária, no município de São Paulo, entre os anos de 1997 e 2016, aponta que, apesar da crença de que a maioria das crianças não desenvolve doenças graves, a questão apresenta-se como um problema de saúde pública.

Beatriz Bertuzzo Möller, mestranda da FSP e autora do estudo, explica que, com a redução da mortalidade por doenças transmissíveis, o câncer se tornou uma das principais causas de óbito em crianças de 0 a 14 anos e adolescentes de 15 a 19 anos.

Saúde pública 

O desenvolvimento do câncer nessa faixa etária apresenta-se como um importante problema do sistema de saúde pública nacional, já que indica impacto direto no suprimento do serviço — por meio de alterações no fornecimento de assistência, a necessidade do acompanhamento contínuo da doença e pelas implicações significativas na qualidade de vida.

Um dos pontos mais importantes para o sucesso terapêutico em crianças e adolescentes é o diagnóstico precoce. Assim, é possível observar que, ainda hoje, o avanço nos tratamentos disponíveis não é uniforme para toda a população, sendo possível observar, em muitos casos, que o nível de desenvolvimento econômico está diretamente associado ao acesso aos serviços de saúde. “Apesar do câncer ser considerado uma doença rara nessa faixa etária, são esperados, apenas em 2023, cerca de 430 mil casos novos no mundo e 8 mil casos no Brasil”, aponta a pesquisadora.

Métodos 

Para a realização da pesquisa, Beatriz explica que a obtenção dos dados sobre os casos novos — que ocorreram entre os anos de 1997 e 2016 — se deu a partir do Banco de Dados do Registro de Câncer de Base Populacional de São Paulo, que se localiza no Departamento de Epidemiologia da FSP. As informações sobre os óbitos, que ocorreram entre os anos de 1997 e 2021, foram obtidas por meio do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde na página eletrônica do DataSUS.

A pesquisadora comenta, dessa forma, que durante a maior parte do período foi possível observar uma queda das taxas de incidência e de mortalidade. A queda da segunda já era esperada pela maioria dos pesquisadores, contudo, é importante avaliar que a queda da incidência pode estar associada à falta de diagnóstico. Beatriz explica que isso acontece, pois os sintomas de câncer nessa idade podem estar associados à ocorrência de outras doenças, o que acaba dificultando o diagnóstico.

Para uma melhora desse cenário, a capacitação dos profissionais que trabalham na área faz-se necessária. Atualmente, o câncer em crianças e adolescentes é dividido em 12 grupos principais, com destaque para a leucemia, os linfomas e os tumores que atingem o Sistema Nervoso Central. Esses tipos também são os mais comuns em outros países e regiões, sendo possível notar que esse não é um padrão exclusivamente nacional.

Por fim, a pesquisa concluiu que a taxa de incidência no Brasil, no período entre 1997 e 2016, foi de 195 por milhão — valor considerado alto quando comparado a outros países da América Latina, mas que é semelhante aos casos europeus. A taxa de mortalidade em 1997 e 2021 foi de 47,9 por milhão, valor que é considerado alto quando comparado aos países da Europa e da América do Norte, mas que é semelhante aos dados da Ásia e da África.

FONTE: Jornal da USP

Cosméticos com extrato de alga e girassol podem beneficiar pele diabética

De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), em 2021, 15,8 milhões de brasileiros tinham a doença que, entre outros problemas, afeta a pele e a autoestima. Pensando nisso, pesquisadoras da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP desenvolveram e testaram formulações cosméticas com extrato de semente de girassol e alga vermelha, que ajudaram a controlar as alterações da derme decorrentes da condição.

A diabete é caracterizada por altas taxas de açúcar no sangue devido à falta ou má manutenção do metabolismo da glicose. Segundo a professora Patrícia Maia Campos, coordenadora do Núcleo de Estudos Avançados em Tecnologia de Cosméticos, a doença causa o aumento de produtos de glicação (AGE) — reação entre glicose e moléculas como proteínas, ácidos nucleicos e lipídios, envolvida com o processo de envelhecimento —, que provoca danos nas fibras de colágeno da pele.

Para um melhor entendimento desse tipo de pele e como os cosméticos devem agir nela, a pesquisa foi dividida em duas fases: caracterização da pele e estudos clínicos com os extratos.

Características da pele diabética

Para compreender as características específicas dos AGE, parte da pesquisa foi voltada para análise da pele de pessoas com diabete em comparação com pessoas saudáveis; os resultados foram publicados na revista Life. “Neste trabalho, nosso objetivo era entender por que a pele do diabético é mais sensível, por que envelhece primeiro, por que as feridas demoram muito para cicatrizar. A ideia foi analisar as propriedades morfológicas da pele, por medidas instrumentais e clínicas, para melhorá-la usando alguns produtos específicos para diabete”, resume Patrícia Campos.

As pesquisadoras analisaram a pele da face de 28 mulheres, entre 39 e 55 anos, das quais metade tinha diabete tipo 2 e o restante era saudável. Os testes foram realizados por Microscopia Confocal de Reflectância (RCM), técnica avançada de imagem que permite a análise mais profunda da pele de modo não invasivo, sem necessidade de biópsia, observando alterações na morfologia do colágeno e do microrrelevo. Outros equipamentos avaliaram fatores como a elasticidade, rugas e a perda transepidérmica de água (evaporação passiva através da pele).

As técnicas de análises usadas no estudo (RCM), não só para a pele diabética mas em geral, possibilitam que os profissionais vejam alterações na derme que ainda não se manifestaram visualmente, como, por exemplo, na estrutura do colágeno. “Esses métodos vão dar suporte na definição de uma estratégia para elaborar a formulação adequada de cosméticos para esse público específico”, destaca a professora.

Imagens tiradas pela técnica da Microscopia Confocal de Reflectância (RCM) na pele diabética. As setas apontam as papilas policíclicas, frequentemente encontradas em pessoas que apresentam envelhecimento cutâneo mais acentuado – Foto: Pesquisa

As pesquisadoras observaram que a derme diabética sofre maior perda transepidérmica de água, ou seja, a hidratação é prejudicada. “Há uma proteção natural chamada função barreira da pele, que está ligada com a sensibilidade. Se houver comprometimento dessa função pela alta perda transepidérmica de água, significa que há danos nessa barreira cutânea”, explica. Alguns sinais podem ser a pele avermelhada, maior sensibilidade e coceira.

Segundo o estudo, a pele de pessoas com diabete também possui menos firmeza, porque o colágeno é menos denso e apresenta uma estrutura desordenada na derme. Patrícia Campos aponta que, por causa desse fator e do ressecamento, essa pele tem uma textura diferente, mais flácida.

“Esse conhecimento é importante porque em termos de envelhecimento da pele isso pode incomodar e prejudicar a qualidade de vida e bem-estar do paciente. Também, para prevenir algumas doenças e cuidar de cicatrizes, porque a perda de água deixa a pele seca e mais suscetível a dermatite de contato [irritação]”, diz.

As formulações cosméticas

Levando em conta as diferenças da pele diabética estudadas e como essas características afetam a autoestima de mulheres, a pesquisadora Verônica Rego Moraes, em seu doutorado, estudou e desenvolveu formulações cosméticas com extratos naturais para atender às necessidades específicas para o rosto de pessoas com diabete. Os ativos aplicados, de alga vermelha e semente de girassol, foram escolhidos pelo seu efeito de antiglicação e não haviam sido analisados na pele diabética anteriormente a esse estudo.

A pesquisadora explica que essa parte do estudo, além de ser importante para o bem-estar físico, impacta a forma como as pacientes se veem. “É sobre autoestima também. O rosto geralmente é mais visado. Com uma pele mais sensível é complicado achar produtos, entre outros, que sejam focados para esse tipo de pele”, diz Verônica Moraes.

O estudo clínico recrutou 59 mulheres, entre 39 e 55 anos, e as separou em três grupos: aquelas que usaram apenas um produto cosmético já existente no mercado, aquelas que usaram o produto com o extrato de alga vermelha e aquelas que usaram o cosmético com a associação dos extratos de alga e de semente de girassol. A aplicação dessas fórmulas foi feita durante 90 dias.

Os resultados dos grupos que usaram os extratos mostraram diferenças significativas nas mudanças da pele decorrentes do processo de glicação das pacientes. Com as técnicas de imagem RCM foi possível identificar melhora nos padrões de colágeno e espessura da derme. A fórmula que continha apenas extrato de alga vermelha mostrou resultados mais promissores, como aumento da densidade dérmica.

“Percebi que elas se sentiam valorizadas com essa formulação, o que foi muito gratificante. Elas realmente gostaram e todas falaram que comprariam. Então, podemos observar a melhora na qualidade de vida e na autoestima dessas mulheres”, conta.

As formulações foram produzidas para a pesquisa conduzida no Núcleo de Estudos Avançados em Tecnologia de Cosméticos da FCFRP e, por hora, não há projeto para sua produção e comercialização, apesar de ser de interesse de Verônica Moraes.

Mais informações: e-mail pmcampos@usp.br, com Patrícia Maia Campos

*Estagiária sob orientação de Valéria Dias

*Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Asma e qualidade do ar: entenda a relação e veja como se proteger

A asma, por si só, provoca uma série de sintomas respiratórios, como tosse, chiado e dificuldade para respirar.1 Quando há algum aspecto que interfere na qualidade do ar, é possível que o paciente que lida com a doença apresente crises de asma ou piora dos sintomas.2

Isso acontece porque a doença, que é causada pela inflamação das vias aéreas, piora com a exposição a diferentes fatores. Entre eles, estão:1

Além disso, agentes considerados irritantes também podem desencadear uma crise de asma, como perfumes com essências fortes, materiais de limpeza e resíduos industriais.3

Sinais de que a qualidade do ar está piorando a asma

É possível perceber o impacto da qualidade do ar na saúde ao observar alguns detalhes. Ao apresentar os sintomas de asma ou uma crise da doença, entenda se houve exposição a algum fator irritante ou contato com o ar livre poluído.

Caso a piora nos sintomas ocorra até um dia após a exposição, pode significar que existe uma sensibilidade à poluição do ar – o que pede para que alguns cuidados específicos sejam tomados.4

Para te ajudar a lidar com isso, confira algumas dicas que podem auxiliar na diminuição dos impactos causados pela má qualidade do ar.

Como se proteger de gatilhos para a asma


Cuidado ao se exercitar ao ar livre: em dias que apresentam uma qualidade menor do ar, evite praticar atividades físicas ao ar livre. Isso ajuda a reduzir a quantidade de poluição respirada.4

De olho nos sinais: caso perceba que os sintomas de asma estão piorando, evite fazer atividades mais intensas e que exijam esforço, como correr.4

Mantenha a higiene: estar em um ambiente limpo e adequadamente higienizado diminui as chances de contato com gatilhos de asma, como o pó.3

Siga a orientação médica: o tratamento da asma é individualizado, o que significa que cada paciente segue um plano de tratamento personalizado. Dessa forma, é importante conversar com o seu médico para entender qual é o remédio ideal para você e, se necessário, quais medicamentos é preciso ter em mãos.1

Mantenha-se informado: atente-se a relatórios sobre a qualidade do ar indicados em notícias sobre a previsão do tempo. Caso haja a indicação de tempo seco ou neblina, se possível, permaneça em casa.4

Confira mais dicas de como cuidar da sua saúde e bem-estar acessando os conteúdos  do Blog FazBem!

Referências:

  1. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia

(Disponível em: <https://sbpt.org.br/portal/espaco-saude-respiratoria-asma/>. Último acesso em: 03 ago. 2023)

  1. Núcleo de Pesquisa em Qualidade do Ar – Universidade Federal do Espírito Santo

(Disponível em: <https://qualidadedoar.ufes.br/asmavix>. Último acesso em: 03 ago. 2023)

  1. Associação Brasileira de Alergia e Imunologia

(Disponível em: <https://asbai.org.br/secao.asp/?s=81&id=310>. Último acesso em: 03 ago. 2023)

  1. Agência para a Proteção do Meio Ambiente

(Disponível em: <https://www.cdc.gov/asthma/pdfs/asthma_outdoor_air_pollution_pt.pdf>. Último acesso em: 03 ago. 2023)

BR-17332. Material destinado ao público geral. Agosto/2023

FONTE: Blog FazBem

Os desafios do envelhecimento ativo nas minorias sociais

O Programa USP 60+, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU), realiza a quarta edição do Simpósio USP Rumo ao Envelhecimento Ativo. O evento terá lugar na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na próxima quinta-feira, 22 de setembro, das 9 às 17 horas, e reunirá especialistas para discutir os desafios do envelhecimento populacional. Para participar, basta se inscrever na programação do período da manhã e/ou da tarde, pelo link.

As atividades do Programa USP 60+ buscam valorizar pessoas com idade superior a 60 anos, além de incentivar sua qualidade de vida. O simpósio contará com quatro blocos temáticos: a importância das relações geracionais; a importância da inclusão digital; envelhecendo com deficiência; e idadismo e minorias – interseccionalidade. A programação completa e seus palestrantes podem ser vistos no link.

Acompanhe abaixo a entrevista concedida à Rádio USP pelo médico Egidio Lima Dórea, coordenador do Programa USP 60+, que comenta sobre a importância dos temas do simpósio ao debater o envelhecimento saudável e promover mudanças na sociedade. “São temas que conscientizam e desconstroem o preconceito etário, o idadismo, o que destaca a relevância e atualidade do simpósio”, afirma Dórea.

Serviço:

4º Simpósio USP Rumo ao Envelhecimento Ativo

Dia 22 de setembro, das 9 às 17 horas

No auditório István Jancsó, da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, situada na Rua da Biblioteca, 21

Com informações da assessoria de imprensa da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU)

Mais informações: usp60@usp.br /  (11) 3091-9183 / @usp60mais

FONTE: Jornal da USP

Técnica pode ajudar a monitorar progressão da esclerose lateral amiotrófica

Também conhecidos como gorduras, os lipídios são uma classe diversificada de moléculas com inúmeras funções nos seres vivos, desde a reserva de energia até a regulação de processos celulares fundamentais. Lipídios que passam pelo processo de oxidação, reagindo com o oxigênio, têm recebido muita atenção de pesquisadores atualmente por estarem relacionados com inflamação e sinalização celular, e também com o estresse oxidativo – desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio e a sua remoção, o que causa danos à célula.

Um exemplo são as oxilipinas, moléculas derivadas da oxidação de ácidos graxos que têm sido associadas a doenças neurodegenerativas. No Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) Redoxoma, sediado na USP, cientistas desenvolveram um método para avaliar como as oxilipinas se apresentam na esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença em que há disfunção progressiva e morte dos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal.

Liderados por Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química (IQ) da USP, os pesquisadores estabeleceram e validaram um método de altíssima performance para análise simultânea de 126 oxilipinas no plasma sanguíneo. A inovação foram as ferramentas utilizadas: a cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas de alta resolução.

A cromatografia líquida é uma técnica para separar componentes de uma mistura. Já a espectrometria de massas é usada para identificar e quantificar moléculas pela medição da sua massa e caracterização de sua estrutura química.

Com isso, os pesquisadores analisaram o plasma de um modelo animal de ELA e descobriram oxilipinas alteradas nos animais sintomáticos. As diferenças nas moléculas refletem estresse oxidativo, inflamação e hipermetabolismo (degradação excessiva) de lipídios.

Alterações no metabolismo lipídico, inflamação crônica e estresse oxidativo estão fortemente ligados à progressão da ELA, que leva à atrofia muscular, paralisia e morte do paciente. Segundo os pesquisadores, as oxilipinas poderiam se tornar marcadores para o monitoramento da evolução da doença.

“O método foi a chave desse trabalho. A grande maioria dos métodos usa espectrometria de massas de baixa resolução para quantificar oxilipinas e outras moléculas, técnica com alta sensibilidade, mas não um poder muito grande de caracterização. Já com a espectrometria de massas de alta resolução, temos muito mais acurácia na caracterização das oxilipinas e ainda com alta sensibilidade. Unimos os dois aspectos mais relevantes e caracterizamos com o máximo possível de exatidão uma gama muito grande de oxilipinas”, afirma Adriano B. Chaves-Filho, que desenvolveu a pesquisa como projeto de pós-doutorado e é o primeiro autor do artigo publicado na revista Free Radical Biology and Medicine.

Os pesquisadores ressaltam que realizar uma análise global e abrangente de oxilipinas ainda é um desafio, já que elas são muito diversas e têm uma estrutura complexa. “Muitas delas compartilham a mesma fórmula molecular, a mesma quantidade de carbono, de oxigênio, de hidrogênio, só o arranjo desses átomos é diferente”, diz Chaves-Filho. Soma-se a isso a instabilidade química dessas moléculas e sua baixa concentração em amostras biológicas.

Daí a importância da ferramenta de análise, que possibilita investigar o perfil das oxilipinas não só em ELA, mas também em outras doenças. “Seria interessante se a gente pudesse fazer um estudo comparativo da ELA com outras doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, por exemplo, e ver se esse perfil é diferente – porque o interessante quando a gente faz uma análise é estabelecer um perfil, um painel de oxilipinas alteradas. A gente pode ter perfis diferentes que sejam bem característicos para cada doença”, explica Sayuri Miyamoto.

A pesquisa foi realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Neurodegenerative Disease Research, Inc. (NDR) e contou com a colaboração dos grupos dos pesquisadores Marisa H.G. Medeiros (IQ-USP), Isaías Glezer (Unifesp), ambos do Cepid Redoxoma, e William T. Festuccia (ICB-USP).

Mais informações: e-mails miyamoto@iq.usp.br e adrianobcfilho@usp.br

*Adaptado do site do Cepid Redoxoma, com edição de Luiza Caires. Para mais detalhes, leia o texto completo.

FONTE: Jornal da USP

Implante para quem teve perda profunda da audição melhora percepção da fala

A cóclea é um órgão do ouvido interno em forma de espiral que recebe sons do ambiente externo e os transmite para o cérebro. Em casos de perda de audição, o implante de um dispositivo ligado à cóclea é uma opção para o paciente recuperar a capacidade de ouvir. Quando a perda é severa ou profunda, em geral devido à malformação do órgão ou a doenças como a meningite, sugere-se o implante com eletrodo curto, que tem a metade do tamanho dos modelos convencionais, para fazer a ligação do dispositivo com a cóclea, que é mais difícil porque nesses casos ela costuma estar diminuída. Porém, os efeitos deste dispositivo na compreensão da voz e articulação da linguagem ainda são pouco conhecidos, o que motivou uma pesquisa do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da USP, em Bauru. Ao testar pacientes que receberam o implante com eletrodo curto, o estudo constatou que os pacientes melhoraram de forma significativa a percepção da fala.

O estudo é descrito em artigo publicado na revista científica Acta Oto-Laryngologica. “O implante coclear é um dispositivo colocado por meio de cirurgia, de alta complexidade tecnológica, usado na reabilitação de pacientes com perda auditiva severa ou profunda bilateral, que não se beneficiam do uso de aparelhos auditivos convencionais”, afirma ao Jornal da USP o médico Guilherme Adam Fraga, que pesquisou o tema para sua dissertação de mestrado no HRAC, ligado à Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP. “Diversas empresas no mundo desenvolveram seus próprios dispositivos, que variam em tamanho, espessura e comprimento dos eletrodos, pois a anatomia da cóclea humana também apresenta variações.”

De acordo com o médico, o implante coclear com eletrodo curto, de 15 milímetros (mm), é indicado como reabilitação em pacientes com malformações do órgão ou com ossificação coclear associada a alguma doença, notadamente a meningite. “Quando observamos nos exames de imagem pré-operatórios, de tomografia e ressonância magnética, que a cóclea tem seu tamanho reduzido, o que torna mais difícil a inserção total do eletrodo, usamos o modelo curto, cujo comprimento é menor em relação ao convencional, que tem 31 mm”, explica. “Esse tipo de eletrodo é amplamente adotado no mundo, mas poucos estudos foram publicados avaliando o desempenho auditivo e de linguagem em seus usuários, com resultados, até o momento, controversos.”

A pesquisa avaliou como os testes de percepção de fala (audição) evoluíram em pacientes que foram submetidos a cirurgia de implante coclear com um tipo específico de eletrodo curto, o Compressed, da empresa austríaca Med-EL. “Realizamos a análise dos prontuários de todos os 1.713 pacientes implantados entre os anos de 2009 e 2020 no HRAC e encontramos um total de 70 pacientes usuários desse eletrodo”, descreve Fraga.

Exemplo de colocação do implante coclear; na imagem da direita está a cóclea, órgão do ouvido interno em forma de espiral que recebe sons do ambiente externo e os transmite para o cérebro, ligada ao dispositivo de reabilitação auditiva por um eletrodo, que é mais curto em casos de perda severa ou profunda da audição, quando o tamanho do órgão diminui por malformação ou doenças como a meningite, dificultando sua colocação – Foto: Cedida pelo pesquisador

Uso da fala

“Os testes de percepção de fala são avaliações audiológicas específicas realizadas em pacientes com perda auditiva, utilizados internacionalmente e validados para a língua portuguesa do Brasil”, explica o médico. “Neles, o fonoaudiólogo apresenta sílabas, palavras e frases ao paciente, que precisa comprovar que compreendeu, repetindo-as com o uso da fala, ou seja, da linguagem oral.”

O estudo usou os testes realizados na rotina diária da Seção de Implante Coclear do HRAC, tanto pré quanto pós-operatórios. “Constatamos que meningite e perda auditiva congênita foram os principais motivos para indicação de implante coclear com eletrodo curto em nosso serviço, isto é, pacientes com ossificação e malformação da cóclea”, aponta. “Com as análises, observamos que houve evolução positiva dos testes de percepção de fala com o passar do tempo.”

Assim, “o uso do implante coclear com eletrodo curto mostrou-se uma alternativa no manejo de pacientes com perda auditiva severa ou profunda”, ressalta Fraga. “Os resultados do estudo aumentam os recursos à disposição do médico com dados objetivos para orientação do paciente e dos familiares na avaliação pré-operatória do implante coclear e na escolha do dispositivo a ser implantado.”

Cirurgia para colocação de implante coclear; tipo de eletrodo a ser inserido na cóclea é definido por exames de imagem que avaliam possível redução no tamanho do órgão – Foto: Cedida pelo pesquisador

A pesquisa foi realizada na Seção de Implante Coclear do HRAC por Guilherme Adam Fraga e apresentada como dissertação de mestrado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação. O trabalho teve orientação do professor Luiz Fernando Lourençone e participação de Julia Speranza Zabeu e Rhaissa Heinen Peixoto. A pesquisa é descrita no artigo Evolution of speech perception in patients with ossified cochlea and short array cochlear implant, publicado na revista científica Acta Oto-Laryngologica em 21 de agosto.

Mais informações: e-mail gadamfraga@usp.br, com Guilherme Adam Fraga

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

FONTE: Jornal da USP

Implante para depressão se mostra eficaz para tratar o problema

Um implante para tratar depressão resistente será aplicado pela primeira vez no Brasil. O aparelho, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já foi usado para controlar crises epilépticas anteriormente. Dois pacientes receberão implantes do aparelho, que estimula o nervo vago. Leandro Valiengo, médico e coordenador do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica o uso do aparelho para o tratamento desses casos de depressão.

Desde 2019, de acordo com Valiengo, a depressão é a doença que mais incapacita no mundo. Ainda que existam inúmeros tratamentos para o distúrbio, até 1/3 dos pacientes não melhora, o que pode resultar em um caso de depressão resistente, termo usado para classificar aqueles pacientes que têm a doença e que não respondem a dois tratamentos com medicações antidepressivas em doses adequadas e por um período de tempo determinado.

O acompanhamento feito pelos profissionais pode durar a vida toda, dependendo da gravidade dos casos. “Se você tiver um episódio depressivo na vida e depois do tratamento ficar tudo bem, não será preciso tratamento a longo prazo, apenas pelos próximos meses ou até por um ano. Quando um paciente tem mais de três episódios depressivos na vida, a chance de voltar a ter é muito alta, acima de 80%, o que pode resultar em tratamento e acompanhamento pelo resto da vida, ou por um tempo muito extenso” discorre o médico.

Com o tratamento de longo-prazo e de difícil processo, o médico destaca o desafio do estigma social acerca dessa condição mental, na medida em que contribui para um receio em recorrer à ajuda psicológica e psiquiátrica, e enfatiza que os médicos buscam cada vez mais desenvolver pesquisas a fim de melhorar os tratamentos para a condição.

O tratamento 

O aparelho usado para tratar esses casos de depressão já é conhecido na comunidade médica. Desde a década de 1990, segundo o médico, esse dispositivo, que é implantado na região do pescoço para estimular o nervo vago, já era usado para tratar pacientes com quadros de epilepsia. “Pacientes com epilepsia têm um fator de risco maior para ter depressão. Depois do tratamento, os médicos perceberam que esses pacientes também melhoraram seus quadros depressivos, então criou-se uma hipótese: será que esse procedimento também serve para tratar depressão, independentemente da epilepsia?” pontua Valiengo.

No final dos anos 1990, principalmente nos Estados Unidos, iniciaram-se estudos para o tratamento específico de pacientes com depressão através da estimulação do nervo vago. Os momentos iniciais da análise mostraram que os pacientes tinham taxas de resposta entre 20% e 30%. Em cinco anos de seguimento, os estudos mostraram que as taxas de respostas aumentaram, chegando a 67% de melhora. Os indivíduos que não aderiram ao aparelho tiveram 40% de melhora. Já nos casos de remissão da doença – quando os sintomas somem totalmente –, as taxas atingiram 43%.

O médico acrescenta que, mesmo com a implantação do aparelho, os pacientes ainda podem continuar com outros procedimentos simultâneos, como terapias e usos de medicamentos controlados. Valiengo explica que, caso haja uma melhora nos sintomas, os pacientes provavelmente ficarão com o aparelho pelo resto da vida, realizando os ajustes necessários ao longo do tempo. Por se tratar de uma cirurgia, o procedimento pode causar uma infecção – o que não é comum, acrescenta o médico. Outros efeitos colaterais mais comuns são tosse e rouquidão, já que o nervo vago possui um controle das cordas vocais.

Valiengo salienta que a autorização do uso do aparelho pela Anvisa não significa que o tratamento estará disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) ou por meio do convênio, por exemplo. “São várias etapas no processo de aprovação. A Anvisa regula se é permitido ou não e existem outras burocracias para a disponibilização do tratamento.” Existem inúmeros custos por trás do procedimento, como os da cirurgia, do aparelho e das baterias, além de recursos humanos. Como acabou de ser aprovado, ainda não é possível estabelecer um preço para ele.

FONTE: Jornal da USP