Profissionais da saúde que trabalham à noite têm risco aumentado para sobrepeso e obesidade

Os mecanismos que ligam o trabalho por turnos à obesidade ainda não são totalmente compreendidos. No entanto, as alterações comportamentais causadas por esse tipo de trabalho estão associadas ao desequilíbrio metabólico, levando ao ganho de peso e obesidade.

O trabalho noturno ou em escala rotativa (12×36) traz repercussões negativas à vida dos profissionais da área da saúde, sobretudo aos enfermeiros que formam a maior parte dessa categoria. Uma pesquisa da USP mostra que jornadas de trabalho irregulares e prolongadas são fatores de risco para aumento da obesidade e do sobrepeso. O estudo também apontou os elementos envolvidos nessa condição: a privação do sono, o sedentarismo e a má alimentação.

“A privação ou a falta de rotina do sono ao qual esses profissionais são submetidos pode levá-los a ter uma disfunção do ciclo circadiano, que é a desregulação do ritmo com que o organismo realiza suas funções ao longo do dia. Ao amanhecer, a claridade estimula a liberação do cortisol, hormônio que nos deixa despertos; ao anoitecer, o escuro induz a produção da melatonina, que nos leva ao sono e ao relaxamento”, explica ao Jornal da USP Maria Gabriela Tavares Amaro, aluna do curso de medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP e autora da pesquisa de iniciação científica.

O médico endocrinologista Carlos Antonio Negrato, orientador da pesquisa e professor do curso de medicina da FOB, explica que a obesidade é multifatorial (possui aspectos genéticos, metabólicos, sociais, psicológicos e ambientais) e é considerada um dos mais graves problemas de saúde pública do mundo. Pessoas com o Índice de Massa Corporal (IMC) elevado (igual ou maior que 25 para sobrepeso, e igual ou maior que 30 para obesidade) são mais propensas a comorbidades como doenças cardiovasculares, dislipidemia (colesterol e triglicérides altos), distúrbios respiratórios e musculoesqueléticos, demência, diabetes mellitus tipo 2 e alguns tipos de câncer. O IMC é calculado dividindo o peso da pessoa (em quilos) pela altura (em metros) ao quadrado. Segundo Negrato, a pesquisa revisional procurou detectar um dos possíveis fatores ambientais envolvidos na gênese da obesidade.

De acordo com dados da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), no Brasil, a ocorrência da obesidade aumentou cerca de 72% nos últimos treze anos, saindo de 11,8%, em 2006, para 20%, em 2019. Estima-se que, em 2025, em todo o mundo, deverá haver 2,3 bilhões de adultos acima do peso, sendo 700 milhões de pessoas obesas, com IMC acima de 30.

Desequilíbrio metabólico

A pesquisa foi realizada a partir de uma revisão de literatura de artigos científicos acerca do tema e analisados por pesquisadores da FOB. Os resultados encontrados foram relatados no artigo Prevalence of overweight and obesity among health professionals with shift work schedules: A scoping review, publicado em fevereiro de 2023 na The Journal of Biological and Medical Rhythm Research.

Segundo o estudo, os mecanismos que ligam o trabalho por turnos à obesidade ainda não são totalmente compreendidos. No entanto, as alterações comportamentais causadas por esse tipo de trabalho – como privação do sono, sedentarismo, exposição à luz artificial, horários irregulares das refeições, dessincronização do ciclo circadiano e outros hábitos não saudáveis – estão associadas ao desequilíbrio metabólico, levando ao ganho de peso e obesidade.

“Ter o conhecimento de que o trabalho exercido em turnos pode levar à obesidade nos faz pensar em meios que possam amenizar o impacto desse problema, propondo às empresas e funcionários o desenvolvimento de programas de cuidados e de qualidade de vida, como a conscientização e reeducação alimentar e a inclusão de atividade física dentro e fora do ambiente de trabalho”, diz Maria Gabriela.

Leptina e grelina: hormônios da saciedade e da fome

O professor Negrato explica “que toda pessoa exposta a longos períodos de vigília ou submetida a trabalhos com horários em turnos alternados pode apresentar alterações no funcionamento do eixo hipotálamo-hipófisário”. Segundo Maria Gabriela, “o hipotálamo coordena a maior parte das funções endócrinas, exercendo ação direta sobre a hipófise e indireta sobre outras glândulas, como adrenais, que produzem, entre outros hormônios, o cortisol, que nos deixa despertos e sem sono durante o dia”, diz.

“Ainda nessa condição de privação de sono, também há a desregulação no funcionamento de hormônios ligados à fome e à saciedade, chamados leptina e grelina, que atuam de forma antagônica no controle do apetite. A grelina estimula a fome e a leptina, a saciedade”, diz Gabriela. Alguns estudos experimentais mostram que a redução das horas de sono leva à diminuição dos níveis de leptina e, de maneira inversa, aumenta os níveis de grelina, o hormônio produzido predominantemente no estômago e está relacionado com a maior ingestão alimentar.

Negrato explica que, em geral, as pessoas que apresentam alterações do apetite têm a tendência a se alimentar com ultraprocessados, com alto teor calórico, e em maior quantidade. Elas também praticam menos atividade física, possuem maiores taxas de tabagismo e são frequentemente mais estressadas.

Análise dos estudos

Após análise criteriosa de mais de 700 artigos publicados em todo o mundo relativos ao tema, os pesquisadores selecionaram 20 que demonstravam responder à pergunta: Qual seria a prevalência de sobrepeso e obesidade entre profissionais de saúde com escala de trabalho em turnos? Os textos selecionados tinham sido publicados nos últimos seis anos em periódicos dos continentes europeu, asiático, americano e Oceania, sendo o Brasil com o maior número de publicações, com seis estudos (30% do total).

Os artigos abordaram a prevalência de obesidade e sobrepeso entre profissionais da área da saúde que exerciam suas atividades em turnos variados: diurno, noturno, vespertino e horários irregulares e rotativos (12 por 36 horas), escala considerada mais comum na jornada de trabalho de enfermeiros. O perfil dos profissionais investigados nos artigos era de pessoas do sexo feminino, enfermeiras e idade entre 33 e 55 anos. A maioria dos estudos utilizou o IMC para avaliar o sobrepeso e a obesidade dos candidatos.

Resultados

Dos 20 artigos analisados, 18 mostraram maior incidência de sobrepeso e obesidade entre os profissionais da área da saúde. Além disso, a prevalência de sobrepeso e obesidade cresceu significativamente com o aumento da duração do turno de trabalho, do número de noites e de horas trabalhadas por semana.

Os achados dessa pesquisa apontam para a necessidade do desenvolvimento e implementação de políticas de saúde que visem reduzir a exposição excessiva desses profissionais aos horários de plantão e estimular mudanças mais saudáveis e duradouras em seus estilos de vida, tanto no ambiente de trabalho quanto fora dele, conclui o professor Negrato.

Mais informações: com o professor Carlos Antônio Negrato, e-mail carlosnegrato@uol.com.br ou com a Maria Gabriela Tavares Amaro e-mail maria.amaro@usp.br

FONTE: Jornal da USP

Deixar de fumar pode aumentar a qualidade de vida de hipertensos

O tabagismo é o responsável pela morte de mais de 8 milhões de pessoas anualmente. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), quase 1,1 bilhão de fumantes do mundo vivem em países de baixa e média renda e o fumo passivo é tão perigoso para a saúde quanto a exposição ativa ao cigarro.

Um estudo do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas aponta que parar de fumar pode reduzir a pressão arterial de hipertensos em apenas 12 semanas. Pesquisadores avaliaram cerca de 360 pessoas, sendo 113 hipertensos. Segundo Jacqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo em Cardiologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade Medicina da USP, o estudo concluiu que o indivíduo hipertenso que abandona o tabagismo apresenta maior qualidade de vida.

Estudo

Para a compreensão do estudo é necessário entender que o tabagismo não é uma causa direta da hipertensão arterial. Contudo, é possível notar que o sujeito hipertenso, quando deixa de fumar, apresenta melhor nível de pressão arterial. “Existem pouquíssimos estudos que avaliam e acompanham o fumante ao longo do tempo. Parar de fumar é uma questão difícil, apenas dizer que o cigarro faz mal não faz com que as pessoas deixem de fumar”, explica Jacqueline.

Ela reforça que o estudo em questão comprovou que o paciente que realiza um tratamento para a hipertensão e deixa de fumar apresenta uma queda de 10 mm na pressão arterial. Segundo Jacqueline, “o paciente chega mais perto da meta de tratamento sem precisar adicionar mais um medicamento, ação que é realizada na maioria dos casos”.

Para a regulação da hipertensão arterial, o ideal seria uma pressão arterial diastólica menor que 85 mmHg e sistólica menor que 130 mmHg. “Quando estamos tratando um paciente que tem pressão alta, nós tentamos nos aproximar desses valores”, reforça a especialista. Jacqueline comenta também que, contrário à crença popular, o problema não é resolvido apenas por meio de medicamentos, mas é também necessário prevenir problemas futuros.

Tratamento 

Além disso, é necessário entender que parar de fumar não é apenas uma decisão, mas um processo para quem é viciado. A médica explica que são aplicadas técnicas comportamentais para a redução do consumo para indivíduos que desejam abandonar o tabagismo. Uma delas é a “técnica do castigo”, que consiste em pedir para que o paciente escolha uma área distanciada para fumar e que realize o consumo olhando para a parede. “Pedimos isso para que o ato de fumar qualifique-se apenas como uma necessidade química.”

Juntamente à medicação adequada, o método possui 70% de adesão e permite que o paciente deixe de fumar de forma adequada e confortável. Assim, o estudo aponta ganhos relevantes para a solução da questão.

FONTE: Jornal da USP

Check-up em excesso em crianças pode não fazer bem

Pedir por exames de rotina, os famosos check-ups, é normal em qualquer ida ao médico. Porém, essa prática é perigosa e não faz parte da rotina quando o assunto é a saúde da criança e do adolescente. Há, atualmente, um aumento no pedido de exames laboratoriais para crianças, bem mais do que o necessário. Diferentemente dos adultos, expor as crianças à radiação ou às triagens desnecessárias é algo a ser muito bem avaliado.

“Cada vez mais se nota crianças saudáveis ou crianças com problemas específicos. Eu vejo, por exemplo, crianças alérgicas que, além dos exames necessários para explorar essa questão e melhor tratá-la, um número enorme de outros exames é pedido”, diz a professora Magda Carneiro-Sampaio, do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas.

Ela explica que o check-up da criança já está bem definido. É necessário checar o crescimento físico, desenvolvimento neuropsicossocial, escolaridade, alimentação, entre outros fatores. Primeiro se conversa com os pais, depois se examina, diz a médica. O que acontece é que crianças normais e saudáveis são submetidas a mais exames do que realmente é necessário, o que não traz nenhum benefício. “Médico bom não é médico que pede uma lista interminável de exames. O bom médico é aquele que conversa, que procura entender de fato o que está acontecendo, que continua a pensar em hipóteses a partir do que observa no exame físico e, se necessário, vai pedir alguns exames, chamados de complementares”, lembra Magda.

Quando os exames devem ser feitos?

O atendimento à criança é longitudinal e o ideal é acompanhar a criança desde a sua gestação. Todo o acompanhamento é muito baseado na conversa com a família e na promoção de um estilo de vida saudável.  “Existem poucos exames que têm evidências que trazem benefícios tanto para o indivíduo quanto para a sociedade”, alerta a médica Filumena Maria da Silva Gomes, pediatra em desenvolvimento infantil do instituto e dedicada à atenção primária.

Isso não inclui as triagens durante a gestação, lembra Filumena: “Teoricamente, todas as crianças nascidas no Brasil deveriam ser submetidas à triagem neonatal das principais doenças que existem na população”. Exames de tipagem sanguínea, sorologia para identificação de doenças sexualmente transmitidas, teste do pezinho, triagem metabólica, entre outros, são muito importantes.

Em crianças saudáveis, o que é recomendado é: depois dessa triagem neonatal, a próxima triagem é a de anemia, deficiência de ferro e, depois, apenas aos 10 anos de idade, para achar colesterol e triglicérides. Exames além desses não têm justificativa para serem pedidos. As outras triagens são em grupos de risco, como o raquitismo na prematuridade, crianças portadoras de doenças crônicas, síndrome de Down (problemas de tireoide).

“Não temos tantas triagens para justificar essa quantidade de check-ups de exames feitos, que acabam encarecendo os custos das famílias e da sociedade”, diz Filumena. Os pais precisam conversar com os médicos e questionar o tanto de exames pedidos. Como diz Magda: “A conversa, que a gente chama de anamnese, é importantíssima, porque o pediatra é um educador”. Ele é responsável por orientar hábitos saudáveis, conferir se há distúrbios, problemas de comportamento.

“O pediatra tem um papel enorme, um papel para a vida toda”, diz a professora. O temor é que esses exames de rotina substituam os exames complementares, e que isso acabe influenciando no diagnóstico de doenças ou distúrbios mais graves e específicos. Outro problema é a falta de contato próximo entre as famílias e o profissional de pediatria e o não estabelecimento de uma relação de confiança.

 A melhor recomendação 

“O acompanhamento da criança é sempre baseado num tripé de estilo de vida saudável”, diz Filumena. O acompanhamento médico tem que estar voltado a isso: como ela se alimenta, como ela se exercita e como é o seu sono.  A maioria das complicações em crianças tem origem viral, mas se elas têm um estilo de vida saudável, o próprio organismo vai resolver, diz a médica. Os exames laboratoriais vão ser necessários nas complicações, em situações excepcionais. “Com estilo de vida saudável, a maioria das crianças vai bem, usa poucos medicamentos e raramente vai precisar de exames laboratoriais ou radiológicos”, diz.

Filumena alerta que “não é a rotina do pediatra precisar fazer exames. Como eu falei, as triagens são muito poucas – quando nasce, um ano, 10 anos – e outras triagens, só se a criança tiver alguma questão pessoal, algum problema de saúde específico. Rotina é pouco exame mesmo”.

Fonte: Jornal da USP

Você sabe o que é a doença dos telômeros?

Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP descobriram efeitos importantes no sistema imunológico da doença dos telômeros, que afeta os cromossomos e interfere na multiplicação das células, lesiona o fígado e a medula óssea. Experimentos com animais mostraram que a doença leva um tipo de células de defesa do corpo, os macrófagos, a produzirem uma resposta inflamatória desregulada. Ao mesmo tempo, testes com pacientes revelaram um desequilíbrio na proporção de alguns tipos de linfócitos, células que coordenam e desencadeiam a resposta imune. Os resultados do estudo, descrito em artigo da revista científica Blood, abrem caminho para entender como a doença dos telômeros age nas células imunes e evitar no futuro o desenvolvimento de complicações no organismo.

“Os telômeros formam as pontas dos cromossomos e servem para proteger o DNA das células, funcionando também como ‘relógio biológico’. Eles encurtam naturalmente com a divisão celular, e quando ficam muito curtos, a célula morre ou entra em senescência, isto é, para de se multiplicar”, explica ao Jornal da USP o pesquisador Willian Robert Gomes, doutorando da FMRP e primeiro autor do artigo. “Alguns tipos celulares, como as células-tronco, precisam se multiplicar constantemente e, por isso, produzem a enzima telomerase, que restabelece o comprimento dos telômeros e evita seu desgaste.”

Nas doenças dos telômeros, chamadas de telomeropatias, a telomerase é disfuncional e esse encurtamento ocorre muito mais rápido. “As células perdem a capacidade de funcionar e se multiplicar corretamente”, observa Gomes. “As manifestações que requerem mais atenção são falência de medula óssea, quando ela deixa de produzir as células do sangue de forma adequada, e fibrose dos pulmões e do fígado.”

Segundo o pesquisador, células-tronco da medula óssea se dividem constantemente para produzir as células do sangue. “Por isso é essencial que o comprimento de seus telômeros seja sempre mantido pela telomerase”, enfatiza. “Nas telomeropatias, estas células-tronco param de se replicar ou se replicam muito lentamente, e assim, a medula não produz um número suficiente de células sanguíneas.

Inflamação anormal

Estudos em camundongos com lesões induzidas no fígado mostraram que os macrófagos, células do sangue instaladas nos tecidos com função de defesa, respondem a estímulos inflamatórios de maneira anormal quando os genes da telomerase são “deletados”. “Também vimos que os pacientes com telomeropatias possuem um desequilíbrio nas proporções dos subtipos de linfócitos Th1, Th2e Th17”, aponta Gomes. Os linfócitos são células que desencadeiam e controlam a resposta imune do organismo, reconhecendo ameaças e produzindo anticorpos. “Ainda precisamos estudar mais a fundo a relação entre essas alterações e o desenvolvimento da fibrose, mas sabemos que essas células têm papel fundamental nas respostas fibróticas.”

 

Os linfócitos T são células com funções imunológicas de efetuação de respostas antivirais. Os linfócitos naïve correspondem ao grupo de células B ou células T maduras provindas de órgãos linfoides que nunca encontraram um antígeno diferente – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

 

De acordo com o pesquisador, o estudo descobriu ainda que os pacientes possuem alterações semelhantes às encontradas em imunodeficiências congênitas. “Entre elas, está o baixo número de linfócitos naïve, responsáveis pela resposta a novos patógenos, como vírus e bactérias”, destaca. “Outros subtipos estão proporcionalmente reduzidos ou aumentados, o que sugere que o sistema imune dos pacientes tem características diferentes das pessoas saudáveis.”

“Se encontrarmos qual a relação entre as alterações imunes e o desenvolvimento das complicações que ocorrem nas doenças dos telômeros, poderemos encontrar maneiras de evitar ou reduzir o aparecimento desses problemas”, salienta Gomes. “No entanto, ainda é preciso investigar mais a fundo o papel que estas células imunes têm na doença.”

A pesquisa foi orientada pelo professor Rodrigo Calado, da FMRP. O artigo baseado no estudo, Immune Dysregulation in Human Telomere Diseases, foi publicado na revista científica Blood, editada pela American Society Of Hematology, dos Estados Unidos.

Mais informações: e-mail williangomes@usp.br, com Willian Robert Gomes

FONTE: Jornal da USP

Doença de Parkinson e a qualidade de vida

No dia 11 de abril foi celebrado o Dia Mundial da Doença de Parkinson; o distúrbio neurológico marcado pelos tremores nas mãos é comum em uma a cada mil pessoas. Ainda hoje, uma série de estigmas é associada à doença, tornando a conscientização da temática cada dia mais necessária.

“Com a doença diagnosticada e tratada adequadamente, o paciente consegue viver com ela em uma condição de vida bastante elevada”, comenta o professor Egberto Reis Barbosa, chefe do Ambulatório de Doença de Parkinson e Distúrbios do Movimento da Divisão de Neurologia Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Doença neurodegenerativa 

A doença de Parkinson é uma patologia neurodegenerativa de prevalência alta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de quatro milhões de pessoas são afetadas por ela, o que representa cerca de 1% da população mundial a partir dos 65 anos. “À medida que o contingente de pessoas idosas aumenta, o número de pacientes com a doença de Parkinson também vai aumentando progressivamente”, explica Barbosa.

Doenças neurodegenerativas são conhecidas como proteinopatias, ou seja, uma proteína, que normalmente é produzida no cérebro, apresenta uma função na transmissão sináptica. Essa sofre uma degeneração estrutural, fator que leva à perda neuronal progressiva. “Nessa doença, o principal problema é a perda de neurônios em uma região do cérebro que se chama substância negra. Eles produzem um neurotransmissor que se chama dopamina, então, todo o arsenal terapêutico para melhorar o paciente com doença de Parkinson é baseado na reposição de dopamina”, explica o professor.

O médico também comenta que, com o tempo, a doença pode levar a uma incapacidade motora e, como não tem cura, é encarada como um desafio para a medicina. Contudo, na maioria dos casos, os pacientes que seguem o tratamento corretamente conseguem ter uma alta qualidade de vida, reforça ele. “A imagem que se tem é de uma doença muito incapacitante, mas boa parte dos pacientes evolui muito bem, mesmo a longo prazo. Há pacientes que, sob tratamento, mal se percebe que eles possuem a doença. Então, a perspectiva de vida para boa parte dos pacientes é bastante satisfatória, desde que o tratamento seja aderido corretamente.”

Sintomas e identificação 

Além dos conhecidos tremores nas mãos, a doença de Parkinson pode gerar também instabilidade postural, rigidez nas articulações, lentidão nos movimentos e outros sintomas. Porém, o professor da Faculdade de Medicina da USP diz que a maior parte dos pacientes, cerca de 80%, ainda apresenta os tremores como primeiro sintoma. Um contingente menor apresenta rigidez de membros e dificuldade de locomoção.

O diagnóstico da doença costuma ser feito durante exames clínicos: “Os casos que são apresentados com tremores levam poucos meses para serem identificados, ao passo que aqueles que não apresentam tremor podem levar anos”, adiciona Barbosa. Manifestações pré-motoras da doença também são identificadas e podem auxiliar no diagnóstico final. As mais comuns delas são a perda de olfato e o transtorno comportamental do sono. “Às vezes essas manifestações precedem em vários anos as manifestações motoras”, diz o especialista.

Como dito, a doença de Parkinson não apresenta cura, mas esse fato não impede que os pacientes tenham qualidade de vida. “Apesar da ausência de cura, os terapêuticos hoje são bastante eficazes para manter os pacientes em uma condição de vida bastante satisfatória”, comenta o professor, reforçando o combate de estigmas associados à doença.

Além disso, é interessante notar que o tratamento é uma combinação do tratamento medicamentoso (remédios) com atividades físicas regulares. Alguns dos remédios necessários para o controle da doença são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “A Levodopa, que é o principal recurso para o tratamento da doença de Parkinson, é fornecida tanto nos postos de saúde quanto pelo Programa Farmácia Popular, que vende o medicamento com descontos”, lembra Barbosa.

Fonte: Jornal da USP

USP e Embrapa criam monitor sustentável de glicose para diabéticos

Pesquisadores da USP e da Embrapa criaram um sensor capaz de detectar níveis de glicose na urina. Esse é o primeiro passo para monitorar a diabetes com base em outros fluidos como suor, saliva e lágrima, diminuindo a necessidade de perfurações na ponta dos dedos e idas aos centros de saúde.

Pessoas diabéticas precisam controlar o nível de açúcar no organismo continuamente. Normalmente essa aferição é feita em uma gota de sangue, com um pequeno furo no dedo. Com o novo método, basta uma gota de urina para medir o nível de glicose. A pesquisa é inicial, porém o sensor poderia ser conectado facilmente em um aparelho pequeno e de baixo custo.

A inovação foi desenvolvida por cientistas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) e da unidade de pesquisa em instrumentação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em São Carlos, em estudo coordenado pelo professor Paulo A. Raymundo-Pereira, do IFSC.

A alternativa criada tem como vantagem não ser dolorosa e invasiva. A perspectiva agora é criar dispositivos conectados à centrais que acionem equipes de saúde quando houver riscos detectados. O estudo foi publicado na edição de fevereiro de 2023 da revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering sob o título Flexible, Bifunctional Sensing Platform Made with Biodegradable Mats for Detecting Glucose in Urine.

Paulo explica ao Jornal da USP que as pesquisas avançam em busca de medir esse e outros índices moleculares através de fluidos coletados sem a necessidade de agulhas. “Hoje em dia isso é feito com os glicosímetros comprados em farmácias, porém é necessário fazer uma punção na ponta dos dedos para coletar uma gota de sangue. É um procedimento inconveniente e um pouco dolorido, principalmente para quem monitora várias vezes ao dia.”

Fonte: Paulo A. Raymundo-Pereira

 

Não precisar ir ao laboratório ou hospital para fazer exames também evita que pessoas em grupos de risco sejam expostas vírus e outras infecções. “Os dispositivos que nós desenvolvemos para monitorar biomarcadores químicos que indicam status da saúde também poderiam ser acoplados a outros sistemas, diminuindo a necessidade de ida até o hospital”, comenta o professor.

Para medir a quantidade de glicose na urina, o mecanismo utiliza a enzima glicose oxidase, que quebra o açúcar em estruturas menores, liberando peróxido de hidrogênio. Assim, o sensor eletroquímico consegue medir a quantidade de peróxido formado e estimar a quantidade de açúcar no organismo do paciente.

A manta que serve como suporte é fabricada através de uma fiação com um sopro de ar comprimido, uma injeção de solução de ácido poliláctico e polietilenoglicol e um motor que coleta as fibras. Os sensores são impressos sobre o tecido por meio da deposição da tinta de carbono em telas de serigrafia, o mesmo processo usado para estampar camisetas e sacolinhas plásticas. Embora seja descartável, o material é totalmente biodegradável.

(A) Ilustração da montagem experimental para produzir as mantas. (B) Imagem da manta contendo quatro dispositivos impressos à direita. (C) Eletrodos auxiliares. (D) Mantas de fibra de fiação por sopro de ácido poliláctico e polietilenoglicol. (E) Superfície do carbono. (F) Imagem da superfície de carbono coberta com nanopartículas de pigmento azul. – Fonte: Paulo A. Raymundo-Pereira

 

O método de produção das mantas de fibra de poliácido lático e polietilenoglicol foi desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA), da Embrapa Instrumentação. A preparação usa a técnica de fiação por sopro de solução contendo uma mistura de polímeros com clorofórmio e acetona. Além de ser sustentável, o tecido é a prova de acúmulo de microrganismos.

O novo biossensor é flexível e foi capaz de detectar glicose tanto em urina sintética quanto a partir da coleta de um voluntário. Foi possível observar a substância até o limite mínimo de 0,000197 mol para cada litro de fluído. Esse nível é mais do que suficiente para a detecção de glicose na urina e em outros fluidos corporais, cuja concentração é cerca de cem vezes menor do que no sangue. A vantagem em relação a outros biossensores não invasivos é o seu baixo custo.

O estudo torna viável a construção de uma tira com sensores de 3 cm e com um gasto menor que US$ 0,25 por unidade, o equivalente a R$ 1,30 se considerarmos a taxa de câmbio média em 2022. Além disso, o biossensor apresenta resposta rápida e longo tempo de vida útil.

O biossensor suporta variações de acidez e de temperatura maiores que outros dispositivos. A novidade na arquitetura está na fixação direta da enzima nas fibras sem a deposição nos eletrodos.

A estratégia pode ser adaptada para medir concentrações de glicose na pele dos pacientes, através do suor. Os pesquisadores também esperam integrar o sensor a dispositivos móveis, armazenando as coletas em uma nuvem de dados que processe informações personalizadas.

A desospitalização possibilitada por equipamentos como esse é uma demanda crescente dos profissionais da saúde. Segundo o relatório de 2015 da Federação Internacional de Diabetes (IDF) previsão é de que 642 milhões de pessoas no mundo sejam diagnosticadas com diabetes até 2040. Em 2014, eram pouco mais que 422 milhões de pacientes nessa condição.

Mais informações: e-mail pauloaugustoraymundopereira@gmail.com, com Paulo A. Raymundo-Pereira.

FONTE: Jornal da USP

Contagem de células prevê sobrevida no câncer de fígado

Os índices inflamatórios baseados em contagem de células sanguíneas podem ser uma opção para prever a evolução de pacientes com câncer de fígado avançado, revela pesquisa do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). A análise dos dados de pacientes tratados com terapia medicamentosa mostrou que o índice que relaciona a contagem de dois subtipos de células de defesa do sangue, os neutrófilos e os linfócitos, está associado à sobrevida do portador da doença. As conclusões da pesquisa estão em artigo na revista Molecular and Clinical Oncology.

“O tipo de câncer analisado foi o carcinoma hepatocelular, ou câncer de fígado”, explica ao Jornal da USP o pesquisador Leonardo Gomes da Fonseca, do HC e do Icesp, autor do trabalho. “É a sexta neoplasia mais incidente no mundo, com aproximadamente 900 mil casos novos por ano, e a terceira mais letal, com cerca de 830 mil mortes. No Brasil, a incidência é de 4,5 casos por 100 mil habitantes.”

Segundo o pesquisador, existem outros métodos para prever a sobrevida dos pacientes. “O mais comum na rotina médica é fazer um exame de imagem do tipo tomografia”, relata. “Se há crescimento do tumor, é um sinal de pior sobrevida, se há redução, é um indício de melhor sobrevida.”

A pesquisa analisou 373 pacientes com câncer de fígado avançado. “Todos eles tinham diagnóstico de carcinoma hepatocelular fora das possibilidades de tratamento curativo e indicação de tratamento medicamentoso, com objetivo de aumentar a sobrevida. O medicamento que os pacientes utilizaram foi o sorafenibe”, relata Fonseca. “Nós verificamos quais características são preditoras de melhor ou pior sobrevida, incluindo o impacto de índices inflamatórios medidos facilmente na prática clínica através de exames de rotina, como a razão entre a contagem de neutrófilos e linfócitos. Este índice é um marcador de estado inflamatório sistêmico.”

Sobrevida

“Os neutrófilos e linfócitos são dois subtipos de leucócitos, ou glóbulos brancos, células que circulam no sangue e têm diferentes funções ligadas ao nosso sistema imunológico, como a defesa contra infecções”, observa o pesquisador. “Eles também parecem participar da reação imunológica relacionada ao câncer. Por exemplo, os linfócitos podem ser ativados e destruir células tumorais; os neutrófilos ativariam uma inflamação que facilita a progressão do câncer. Por essa razão, ambos têm relação com a sobrevida do paciente.”

Neutrófilos e linfócitos são células ligadas ao sistema imunológico que circulam no sangue e também parecem participar da resposta ao câncer; linfócitos podem destruir células tumorais e inflamação de neutrófilos ativaria progressão da doença – Imagem: Freepik

O estudo verificou que a principal causa de câncer de fígado entre a população estudada é a infecção pelo vírus da hepatite C, seguida por hepatite B, álcool e doença hepática gordurosa. “Nós concluímos também que a razão entre a contagem de neutrófilos e linfócitos é capaz de predizer a sobrevida dos pacientes, quando medida no início do tratamento”, destaca Fonseca. “Quando o índice se encontra elevado, a sobrevida é menor. Além disso, as mudanças dinâmicas desta razão no primeiro mês de tratamento melhoram a capacidade preditiva do índice.”

“Concluímos que os índices inflamatórios podem auxiliar o médico na definição prognóstica, além de servir como base para desenho de estudos futuros direcionados a subgrupos de pacientes com carcinoma hepatocelular com diferentes riscos de mortalidade”, aponta o pesquisador. “Estes achados sugerem que há uma provável interação entre tratamento, sistema imunológico e o câncer, que impacta nos desfechos dos pacientes.”

A pesquisa foi orientada pelo professor Flair José Carrilho, da FMUSP. As conclusões do estudo são relatadas no artigo Early variation of inflammatory indexes refines prognostic prediction in patients with hepatocellular carcinoma under systemic treatment, publicado em 21 de fevereiro.

Mais informações: e-mail l.fonseca@fm.usp.br, com Leonardo Gomes da Fonseca

Fonte: Jornal da USP

Nova classe de fármacos promissora contra leucemias agudas

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) estudam um possível novo tratamento para as leucemias agudas, tipos de câncer cuja mortalidade em adultos pode chegar a mais de 50%. Com a molécula sintética THZ-P1-2, recém-lançada pela indústria farmacêutica, foi possível eliminar mais de 80% dos tumores em ensaios ex-vivo, feitos em células retiradas de pacientes. O estudo é relatado em artigo publicado na Blood Cancer Journal, revista de referência na área e do grupo Nature.

As leucemias agudas são divididas em duas categorias: as leucemias mieloides agudas (LMA) e as leucemias linfoblásticas agudas (LLA). A maior parte dos casos da LLA acontece em crianças e não costuma causar morte pois há muitas terapias já consolidadas para esses casos, o que não ocorre com os adultos. Já a LMA é mais comum em adultos, o que, pela falta de opções terapêuticas para a faixa etária, ajuda a explicar a alta taxa de mortalidade. “Ambas são muito agressivas, e pessoas que não receberam nenhum tratamento podem morrer em poucos meses”, explica João Agostinho Machado-Neto, professor do Departamento de Farmacologia do ICB, que coordenou a pesquisa no Laboratório de Biologia do Câncer e Antineoplásicos do Instituto, junto com o professor Eduardo Magalhães Rego, líder da divisão de oncologia e hematologia clínica do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP.

No estudo, foram realizados testes em células de 40 pacientes do HC e 25 do Centro Médico da Universidade de Groningen, na Holanda, parceiro na pesquisa, descrevendo em detalhes o mecanismo de ação da molécula THZ-P1-2, inibidora das proteínas PIP4K2s, no tratamento de câncer. Os resultados são baseados em duas hipóteses desenvolvidas anteriormente no laboratório do ICB. “Os quadros de pacientes com LMA, com maiores níveis das PIP4K2s, evoluem mais rapidamente e têm mais chances de morte”, explica Keli Lima, doutoranda em Ciências Médicas pela FMUSP e primeira autora do trabalho. “Já pacientes com polimorfismos, ou seja, variantes genéticas e hereditárias no gene PIP4K2A, têm maiores chances de desenvolver a LLA.”

Molécula seletiva

De acordo com a pesquisadora, parte da eficácia do fármaco pode ser explicada por um diferencial da molécula THZ-P1-2. “Ela ataca os tumores de múltiplas formas, causando morte celular programada (apoptose), fazendo a célula ‘comer’ a si mesma (autofagia), mudando o metabolismo e induzindo a diferenciação entre aquelas que são cancerosas e as saudáveis. Tudo isso aumenta as chances de sucesso do tratamento”, destaca ela. O inibidor também se mostrou seguro, pois não houve qualquer tipo de ameaça à integridade das células não tumorais. “Ele também foi aplicado em células precursoras das células do sangue (hematopoiéticas) saudáveis e não houve qualquer efeito. Vimos que a molécula tem uma boa seletividade, sendo capaz de atacar preferencialmente as células tumorais”, explica Machado-Neto.

Segundo a pesquisa, a THZ-P1-2 aparentou ser mais indicada para a LLA, pois a molécula gerou efeitos nas células de todos os pacientes com essa condição. Enquanto na LMA, cinco pacientes não tiveram nenhum tipo de resposta. Os resultados foram obtidos por meio de ensaios laboratoriais para avaliar viabilidade celular (testes colorimétricos), citometria de fluxo (análise de células e partículas microscópicas suspensas em meio líquido), expressão gênica e proteica realizados no ICB. Também foram realizados, na Universidade de Groningen, testes de citometria (medida do número e características das células), respirometria de alta resolução (medida do oxigênio consumido) e proteômica (análise da proteínas expressas). “Em colaboração com o grupo holandês, conseguimos definir com maior precisão os marcadores de resposta ao THZ-P1-2, o que nos permitirá identificar, no futuro, quais são os pacientes com mais chances de resposta ao novo fármaco”, ressalta o professor.

Maior eficácia

Machado-Neto aponta que as terapias atuais das leucemias agudas se restringem aos transplantes de medula óssea e à quimioterapia. No entanto, muitas pessoas, principalmente com mais de 60 anos, não podem ser transplantados, por se tratar de um procedimento de risco nesse grupo. Eles acabam se submetendo à quimioterapia, mas sempre em baixas doses, devido à toxicidade do tratamento, podendo receber o medicamento venetoclax, cuja eficácia é significativa apenas em parte dos pacientes.

“Além de sozinha já obter uma alta eficácia, a molécula THZ-P1-2 ainda se mostrou capaz de melhorar a resposta das células leucêmicas ao venetoclax e de outros fármacos que atualmente não são eficazes o bastante para serem utilizados no tratamento, podendo atuar em conjunto com eles em um coquetel”, relata.

O composto também obteve bons resultados em um estudo (ainda não publicado) realizado com modelos animais por um grupo de pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Cornell em associação com a Petra Pharma, ambas dos Estados Unidos. Nesse estudo, os pesquisadores identificaram que a molécula levou a uma rápida regressão dos tumores e não apresentou toxicidade. Isso a credencia para ensaios clínicos, ou seja, testes com pessoas. “Caso esses estudos com humanos se iniciassem hoje, já poderíamos saber em dois a quatro anos se o medicamento é seguro e eficaz”, afirma o professor do ICB.

A THZ-P1-2 está sob patente de uma farmacêutica, portanto cabe a essa empresa realizar esses estudos. Os pesquisadores do ICB irão agora analisar outros inibidores das proteínas PIP4K2s. “Depois que a THZ-P1-2 foi lançada, outras empresas desenvolveram moléculas similares. Nosso trabalho agora é testá-las para verificar qual obtém os melhores resultados”, destaca Machado-Neto. “O mais difícil, que foi identificar o mecanismo de ação dos inibidores à nível celular e molecular, nós já fizemos”, avalia Keli.

Da Assessoria de Comunicação do ICB

FONTE: Jornal da USP

Alternativa para tratar transtorno obsessivo-compulsivo

Para entender o futuro dos tratamentos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) analisaram estudos sobre o uso de técnica de estimulação cerebral elétrica em pacientes com TOC. A revisão dos estudos aponta para um quadro mais ameno de sintomas do transtorno com poucos efeitos colaterais, mas também destaca a importância de mais pesquisas no campo.

A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) é uma técnica não invasiva que utiliza eletrodos aplicados na cabeça do paciente para descarregar corrente elétrica de baixa intensidade (de 1 a 4 miliamperes). O objetivo dessa técnica é modular a função cerebral agindo na rede de neurônios ao aumentar a estabilidade em determinadas regiões do cérebro e diminuir em outras. A ETCC já é usada para o tratamento de depressão, no entanto, ainda é uma técnica nova.

Publicada na revista MDPI, a metanálise (revisão de estudos cruzando resultados) avaliou os efeitos globais de pesquisas sobre o uso de ETCC para pacientes com TOC como uma alternativa para outros tratamentos já utilizados, como terapia cognitivo comportamental e medicamentos da classe dos inibidores de recaptação de serotonina, como a fluoxetina. “Há pacientes que não toleram efeitos colaterais de medicações ou pacientes que não têm viabilidade financeira para fazer terapia comportamental. Até mesmo o tempo pode ser custoso, considerando que são meses de tratamento. Por isso, é necessário pensar na viabilização de novos tratamentos para pacientes de TOC”, explica Laís Boralli Razza, doutora em Ciências pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP.

A análise de resultados comparou a diferença das manifestações clínicas da fase inicial e da fase final do tratamento com ETCC de acordo com a escala Y-BOCS, instrumento para avaliar os sintomas do transtorno. Nos grupos de pacientes em que foi aplicada a técnica, houve melhora considerável dos sintomas do TOC. Porém, ao comparar o resultado com os grupos placebos dos estudos, a diferença não foi tão grande. Laís Razza explica que, por se tratar de um transtorno psiquiátrico ansioso, as expectativas das pessoas podem interferir nos resultados finais – daí a necessidade de estudos maiores, com mais pacientes, diluindo a distorção causada por este fator.

O transtorno e o tratamento

Segundo a pesquisadora, o TOC é um transtorno de ansiedade que causa obsessões relacionadas aos pensamentos do indivíduo e compulsões de comportamentos físicos, adotados com objetivo de aliviar os pensamentos causadores de ansiedade – ligados à segurança ou à saúde, por exemplo. Os graus de obsessão e compulsão variam de acordo com os pacientes.

Ela ressalta que o transtorno pode apresentar efeitos de hiperativação nas regiões sensório-motora, córtex lateral e sistema límbico do cérebro. No entanto, há uma heterogeneidade nos estudos sobre as áreas de posicionamento dos eletrodos para ETCC, o que também afeta o efeito global.

Em relação aos efeitos colaterais, os resultados do tratamento com ETCC são promissores. Segundo a Associação Médica Brasileira, os efeitos das medicações farmacológicas para TOC podem incluir náusea, sonolência, insônia, dor de cabeça, dor abdominal, entre outros. Já os do ETCC se limitam a formigamento na área onde os eletrodos foram aplicados, coceira e avermelhamento da pele; também, a técnica não apresenta critérios de exclusão de pacientes específicos, como gestantes, uma vez que não é invasiva e apenas diminui a atividade cerebral em áreas hiperativas.

As sessões de estimulação cerebral costumam durar cerca de 20 a 30 minutos, e são realizadas uma vez por semana em centros de pesquisa. Mas, segundo Laís Razza, há uma possibilidade de tornar a ETCC um tratamento remoto. “É um aparelho pequeno, que pode ser portátil. Há protocolos para monitorar o uso dos pacientes em casa, de forma a aumentar a aderência ao tratamento.”

De uma forma geral, os autores do artigo mostram benefícios alcançados com o tratamento de ETCC para o transtorno, mas destacam a necessidade da realização de estudos mais amplos para testar os resultados relacionados aos grupos placebos e grupos ativos. “Os estudos possuem amostras pequenas de pacientes, ou seja, são insuficientes para mostrar o poder da ETCC no tratamento de TOC. Ainda é uma limitação para que no futuro, de fato, possamos ver os efeitos do tratamento”, reconhece Laís Razza.

Mais informações: e-mail lais.razza@ugent.be, com Lais Boralli Razza

FONTE: Jornal da USP

Obesidade gestacional: riscos para a mãe e o feto

Segundo o Mapa da Obesidade, a prevalência do problema saiu de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019, um aumento de 72%.

A obesidade é uma doença crônica e multifatorial, que tem causas tanto genéticas quanto comportamentais, e é caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo. Segundo o Mapa da Obesidade, a prevalência da obesidade saiu de 11,8% em 2006, para 20,3% em 2019, um aumento de 72%. Estimativas da Organização Pan-Americana da Saúde contabilizam mais de 1 milhão de obesos no mundo, com a expectativa de que, até 2025, o número de indivíduos com sobrepeso chegue a 2,3 bilhões.

Nas mulheres, isso é ainda pior:  21% das mulheres brasileiras são obesas, contra 19,5% dos homens. A diferença pode ser pouca, porém, a gestação, algo exclusivo das mulheres, pode agravar ou até mesmo desencadear a obesidade. “A gente já tem, na verdade, um aumento da prevalência de obesidade. Nós temos agora um estilo de vida em que temos muita facilidade para acessar uma alimentação com ultraprocessados, que favorece o sedentarismo. Então, a gente já tem um aumento da prevalência de obesidade há décadas”, explica Tatiana Zaccara, médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP especializada em gestação de alto risco.

O ganho de peso, durante a gestação, está associado às mudanças metabólicas pelas quais o corpo passa. O estilo de vida que a gestante leva antes e depois de engravidar conta muito. Esse ganho é normal e esperado, mas, nos últimos anos, um aumento da obesidade gestacional foi notada, o que traz consequências duradouras e infelizes tanto para a mãe como para o feto.

O que causa?

A obesidade gestacional está associada ao aumento das complicações durante todo o período da gravidez. Mulheres obesas e com sobrepeso pré-gestacional são mais propensas a sofrer abortamento, pré-eclâmpsia (hipertensão na gravidez em gestantes sem histórico da condição), diabete gestacional, risco de tromboembolismo venoso profundo (TVP)  e de  tromboembolismo pulmonar, assim como de gestação prolongada.

Não acaba por aí. Elas também apresentam maior demora de dilatação no trabalho de parto, diminuição da fertilidade, uma maior incidência de internações precoces e perda do feto após fertilização in vitro. “Ela [gestante] tem um maior risco de precisar ter um parto induzido, não entrar em trabalho de parto espontâneo, tem o maior risco de precisar de cesárea para o parto, um trabalho de parto prolongado, assim como maior risco de distorcer o ombro – um tipo específico de trauma da hora do parto – e um risco de infecção e de deiscência da ferida operatória, que é quando a pele não consegue cicatrizar bem a ferida e acaba abrindo. Então, esses são os principais riscos na hora do parto”, complementa Tatiana.

E a criança?

São muitas complicações, que não acabam na gestante. O bebê, por sua vez, também sofre as consequências do acúmulo fora do normal de tecido adiposo. Ele pode vir a ter complicações no período do pré-natal, como má formação, macrossomia e, no pior dos casos, morte intrauterina. Também foram encontradas malformações do tubo neural, por conta, principalmente, do pobre controle glicêmico. Dificuldades no ultrassom pré-natal também são um empecilho para a constatação de alterações e má formação no feto.

“Uma criança que está exposta a um excesso de nutrientes desde o ambiente intrauterino é uma criança que está habituada a lidar com muita comida chegando. Ela não escolhe o que ela come, então isso faz uma programação genética, uma alteração para que, no futuro, ela continue precisando dessa quantidade aumentada de alimento, de glicose e de gordura”, explica a médica. A consequência disso é que, assim como a mãe, a criança acaba tendo mais chances de ser obesa também.

Cuidados

O ideal é que a mulher mantenha um estilo de vida saudável antes mesmo da gravidez – Fotomontagem: Jornal da USP – Fotos: Freepik

 

O ideal é que a mulher mantenha um estilo de vida saudável antes mesmo da gravidez, ou seja, uma dieta equilibrada e saudável e uma rotina de exercícios. Caso a mulher já estiver obesa quando engravidar, o importante é que ela busque acompanhamento nutricional e médico o quanto antes, para evitar que maiores problemas sejam ocasionados durante a gestação.

“Mulheres grávidas devem praticar atividade física”, diz a médica. A rotina de exercícios pode ser mantida durante os nove meses, ou seja, todo o período gestacional. “Na gestação a gente não objetiva perda ponderal. O objetivo é uma alimentação equilibrada que forneça toda a necessidade calórica para mãe e para o bebê”, lembra Tatiana.

É recomendado que os exercícios mantenham uma frequência e sejam acompanhados por um profissional habituado a trabalhar com gestantes. A preferência é por treinos de baixo impacto e que não forcem a musculatura abdominal, começando devagar e de acordo com as especificidades de cada gestante. “Acho que a prevenção é a palavra da vez, é o que a gente devia fazer sempre”, diz a médica. Em sua avaliação, consultas pré-concepcionais devem ser feitas regularmente se há a intenção de engravidar: “É uma coisa para a saúde dela, para saúde dos possíveis filhos, se ela quiser ter filhos. Isso vai influenciar a qualidade de vida dessa pessoa para a vida inteira e, muitas vezes, influencia a qualidade de vida da família toda”.

FONTE: Jornal da USP