Estudo clínico do Hemocentro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP desenvolveu um tratamento específico para a doença dos telômeros, um distúrbio raro que encurta precocemente as pontas dos cromossomos das células do corpo, afetando a produção de sangue pela medula óssea e o funcionamento dos pulmões. Durante dois anos, os pacientes receberam injeções de nandrolona, um derivado sintético do hormônio testosterona, já usada para outras doenças e, ao final do tratamento, apresentaram reversão do encurtamento acelerado dos cromossomos, melhoras no sangue e da função pulmonar, nos casos em que o órgão foi afetado. Os resultados da pesquisa são apresentados no artigo Effects of nandrolone decanoate on telomere length and clinical outcome in patients with telomeropathies: a prospective trial publicado no site da revista científica Haematologica em 29 de dezembro.
O estudo procurou desenvolver um tratamento clínico para pacientes com doença dos telômeros, um tipo hereditário de falência da medula óssea, enfermidade rara e pouco pesquisada, que carece de tratamento eficaz para impedir sua progressão. “Nossos cromossomos armazenam toda nossa informação genética em cada célula do nosso corpo, e os telômeros são as pontas destes cromossomos. Eles protegem os cromossomos”, afirma ao Jornal da USP o médico Diego Villa Clé, do Hemocentro de Ribeirão Preto, que coordenou a pesquisa. “Cada vez que a célula se divide para dar origem a duas novas células, o telômero se encurta um pouco. Assim, ele é um marcador do envelhecimento de cada célula.”
Segundo o médico, nessa doença há um defeito na enzima responsável por produzir os telômeros, chamada telomerase. “O mau funcionamento desta enzima faz com que eles se encurtem mais rapidamente, em todas as células do corpo, principalmente nas que mais se dividem, como a medula óssea, que produz nosso sangue, e, por isso, as principais manifestações clínicas são alterações no hemograma como anemia, contagens baixas de leucócitos e plaquetas, chamadas de falência medular”, descreve. “Outros órgãos que sofrem com o encurtamento precoce dos telômeros são pulmão, manifestado como fibrose pulmonar, e o fígado, que apresenta cirrose hepática, além de pele com manchas, unhas malformadas e cabelo branco precoce.”
Tratamento
“É uma doença muito rara, porém de incidência real desconhecida. É subdiagnosticada, e portanto, subnotificada. Como é pouco conhecida, faz-se pouco o diagnóstico”, observa Villa Clé. “Não há tratamento específico atualmente, que evite sua progressão. Quando ela se manifesta nos diversos órgãos, o que se faz é realizar o transplante ou de medula óssea, ou de pulmão ou de fígado. Mas trata-se apenas a consequência, não a causa.”
Durante dois anos, os pacientes foram tratados com nandrolona, um derivado sintético da testosterona. “Todos os que completaram o tratamento tiveram aumento do comprimento dos telômeros, objetivo primário do estudo, e 67% deles apresentaram melhora da doença hematológica, das contagens do hemograma e, em sua maioria, interrupção da necessidade de transfusões”, relata o médico. “Alguns pacientes também apresentavam fibrose pulmonar e eles tiveram estabilização do funcionamento dos pulmões. Esse tratamento foi bem tolerado, com efeitos colaterais leves a moderados, e manejáveis, e pode ser uma opção para tratar a doença.”
“Antes dos testes em pacientes foram muitos anos de pesquisa básica tentando achar um agente que impedisse o encurtamento precoce dos telômeros. Tanto nosso grupo, quanto os de outros países, realizaram vários estudos, inclusive in vitro [em células de laboratório] previamente, até chegarmos aos análogos de hormônios masculinos”, observa Villa Clé. “Um estudo clínico anterior, conduzido nos Estados Unidos, já havia demonstrado bons resultados com uso de danazol, um análogo oral da testosterona. No nosso trabalho, usamos um derivado sintético, a nandrolona, aplicada em injeções quinzenais.”
De acordo com o médico, o tratamento já está disponível para uso clínico. “O medicamento é adotado há vários anos para outras doenças, é seguro, desde que empregado sob supervisão médica, podendo ser uma esperança de evitar as complicações decorrentes do encurtamento precoce dos telômeros”, conclui.
Além de Diego Villa Clé, o trabalho também contou com a participação dos pesquisadores Luiz Fernando Catto, Fernanda Gutierrez-Rodrigues, Flávia Donaires, André Pinto, Barbara Santana, Luiz Guilherme Darrigo, Elvis Valera, Marcel Koenigkam-Santos, José Baddini Martinez, Neal Young, Edson Martinez e Rodrigo Calado. Além do Hemocentro de Ribeirão Preto e do HCFMRP, também colaborou com a pesquisa o National Institute of Health (NIS) em Bethesda (Estados Unidos).
Mais informações: e-mail dvcle@hcrp.usp.br, com Diego Villa Clé
Texto: Júlio Bernardes
Arte: Carolina Borin Garcia
FONTE: Jornal da USP