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A mortalidade prematura por câncer no Brasil deve cair no período de 2026 até 2030. Essa é a previsão feita por pesquisadores do Instituto Nacional de Câncer (Inca), com base na mortalidade prematura observada no período anterior, de 2011 a 2015, para a faixa etária de 30 a 69 anos, a partir de dados do Sistema Nacional de Informações sobre Mortalidade (SIM). O estudo, intitulado Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para o câncer podem ser cumpridos no Brasil? e publicado no início de janeiro, indica desigualdades entre tipos de câncer e incidência de acordo com as regiões do País.
Mesmo que a previsão seja de diminuição da mortalidade prematura, há ainda o aumento de casos de câncer e, em alguns casos, até mesmo o aumento da mortalidade. Isso ainda é piorado de acordo com o sexo e a região: mulheres são as mais afetadas, com uma redução geral de 4,6%, frente aos 12% dos homens, enquanto o Nordeste apresenta as maiores taxas de mortalidade. Esse aumento está diretamente relacionado às mudanças de hábitos alimentares, sedentarismo, envelhecimento da população e aos padrões de vida devido ao aumento da urbanização.
O estudo foi motivado pela Meta 3.4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa a “até 2030 reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças crônicas não transmissíveis via prevenção e tratamento e promover a saúde mental e o bem-estar”.
Expectativa de vida
As pessoas atingidas por essas mortes prematuras estão na faixa etária mais produtiva. Isso é também muito motivado graças ao aumento da expectativa de vida, nas quais há um aumento das doenças crônicas não transmissíveis. É esperado que essas pessoas estejam vivas até os 70 anos de idade. A redução prevista para o Brasil, porém, está muito aquém dessa meta de 30%.
“Ela está longe dos 30% de redução. Acho que é um dado importante, é uma boa notícia nós pensarmos que pode haver uma redução, mas não vai ser possível 30% de redução. A expectativa é que alcance alguma coisa da ordem de grandeza de 12%”, explica Maria Del Pilar Estevez Diz, médica oncologista e diretora do Corpo Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo.
Entre a incidência de tipos de câncer, o de próstata ainda lidera entre os homens, enquanto os de colo do útero e mama lideram entre as mulheres. No cenário geral, os cânceres de pulmão, estômago e intestino são os mais diagnosticados na população geral. Este último, inclusive, é o que deve apresentar maior aumento de risco de óbitos prematuros, cerca de 10%. O estudo ainda estima que cerca de 46 mil novos casos de câncer de intestino sejam diagnosticados a cada ano entre 2023 e 2025.
Em comparação, o câncer de pulmão apresenta dados alarmantes. Ele tem uma altíssima mortalidade por uma dificuldade de tratamento e diagnóstico. A redução esperada entre os homens é de quase 30%, enquanto para as mulheres há a previsão de um aumento da morte prematura de 1,1%. Isso evidencia o sucesso do trabalho – de décadas – feito para a redução do tabagismo, no qual os homens aderiram mais que as mulheres.
“Isso mostra a necessidade de campanhas específicas para as mulheres. Para ver essa redução nas próximas décadas, nós vamos precisar desestimular o tabagismo entre as meninas e as mulheres”, diz Maria. Ela ainda complementa que é necessário “mudar um pouquinho a campanha, a gente tem que trabalhar para sensibilizar essa população para que ela não seja exposta ao cigarro”.
Prevenção
“Está prevista uma redução na ordem de grandeza de pelo menos 20% do câncer de próstata”, diz a médica. Na maior parte das regiões, essa redução é notada, o que é muito positivo. Isso se dá a partir de uma maior busca dos homens pelo diagnóstico e à procura pelo tratamento. O câncer de próstata, ainda o de maior incidência entre homens, é passível de cura desde que diagnosticado precocemente.
Já no caso do câncer de mama, o cenário é bastante diverso. As projeções indicam queda no Sudeste, estabilidade na região Sul e, na contramão, um aumento nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Esse aumento é decorrente do fato de as mulheres escolherem engravidar mais tarde e motivadas por hábitos alimentares e sedentarismo. “Nós temos uma quase estabilidade na mortalidade pelo câncer de mama nessas próximas décadas, uma redução de pouco mais de 10%. Nas regiões Norte e Nordeste, a gente não tem essa redução, enquanto na região Sudeste a gente tem uma redução de cerca de 20%”, explica a médica.
Esse tipo de câncer possui estratégias de prevenção. Como explica Maria, a detecção precoce do câncer de mama depende da adesão da população à mamografia, a ida regular ao ginecologista, mas também uma certa rapidez no diagnóstico. “Não basta a mulher ir ao médico, ela precisa ter acesso ao exame no momento certo, acesso ao médico quando tem alguma coisa, quando perceber algo anormal. A gente vê essa disparidade importante no Brasil”, explica. “Estimular a população a procurar o exame e, uma vez feito o diagnóstico, o acesso ao tratamento mais rápido possível”, complementa.
A médica ainda chama atenção para o câncer de colo uterino. Esse tipo de câncer é totalmente prevenível, desde que descoberto precocemente. A ideia é ter esse câncer erradicado. Porém, ainda apresenta uma desigualdade muito grande entre as regiões: enquanto a redução nacional é esperada, a região Norte tem uma mortalidade muito elevada e fora da média nacional. Em 2015, morreram 28 pessoas por 100 mil, sendo que a previsão é de diminuição para 24 pessoas por 100 mil. A média nacional é de 11 óbitos por 100 mil.
Aumento dos casos
O câncer de intestino deve ter um aumento de cerca de 10%, em homens e mulheres, até 2030. A médica lembra que isso tem a ver com a transição epidemiológica pelo qual o País passa, ou seja, estamos assumindo um perfil de morte por câncer parecido com o dos países desenvolvidos.
Uma dieta pobre em fibras influencia o aparecimento do câncer de intestino também. A má notícia é que a prevenção é menos estruturada no País. São necessários exame de fezes anualmente, ou exames menos acessíveis, como a retossigmoidoscopia e a colonoscopia. Maria lembra que não há uma rede estruturada nacionalmente para a realização desses exames, além de um preconceito em relação a eles.
“Infelizmente, a gente vê, sim, um aumento, tanto em homens quanto mulheres, da mortalidade pelo câncer colorretal. Na verdade, quando a gente vai olhar o Brasil como um todo, é o único câncer que está esperado um aumento até o final da década”, diz Maria. Novamente, o Nordeste lidera um aumento de 52% dos casos para os homens e 38% para as mulheres. Para efeito de comparação, o aumento é de 4,5% para os homens e 7,3% para as mulheres no Sudeste. “Aponta para a necessidade de uma de uma política muito específica e urgente”, diz a oncologista. Esse é um tipo de câncer prevenível, com mudanças de hábitos, mas também com exames e a retirada da lesão pré-maligna ou por meio do diagnóstico precoce. “A população precisa ser esclarecida sobre o risco e o Ministério da Saúde precisa estar desenvolvendo uma campanha específica para isso. Sabemos hoje que pelo menos 75% da população é atendida pela rede pública de saúde, então, para mudar esse quadro, são necessárias políticas públicas de saúde efetivas”, finaliza.
Fonte: Jornal da USP