Estudo da USP aponta alternativas inovadoras contra leucemias agressivas

As leucemias agudas, doenças agressivas do sangue que ainda apresentam altos índices de resistência e recaída, ganharam novas perspectivas de tratamento a partir de uma pesquisa desenvolvida no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. O trabalho de doutorado do biomédico Hugo Passos Vicari investigou diferentes abordagens — de compostos sintéticos inéditos ao reposicionamento de medicamentos já aprovados para outros tipos de câncer — tendo como alvo os microtúbulos, estruturas essenciais para a divisão celular. Os resultados podem indicar caminhos promissores para pacientes que não respondem às terapias convencionais.
Os microtúbulos foram escolhidos como foco do estudo por funcionarem como uma espécie de “esqueleto” da célula. “Eles permitem que a célula se mova e se divida. A ideia é interromper esse processo. Ao atacar essa estrutura, conseguimos bloquear a proliferação e induzir a morte celular”, explica Vicari. Para alcançar esse objetivo, a pesquisa seguiu três linhas complementares: analisar proteínas associadas aos microtúbulos como potenciais alvos terapêuticos, testar o reposicionamento de fármacos e desenvolver novas moléculas de ação inédita contra a leucemia.
Na primeira abordagem, o grupo avaliou a proteína Stathmin 1 (STMN1) – reguladora da dinâmica dos microtúbulos – em amostras de medula óssea de pacientes com leucemia promielocítica aguda, um dos subtipos da Leucemia Mieloide Aguda. A STMN1 mostrou-se altamente expressa em células leucêmicas e associada à proliferação celular. Quando silenciada, reduziu a capacidade das células de formar colônias, sugerindo que pode atuar como biomarcador e alvo terapêutico.
“Atacar a Stathmin 1 é promissor porque essa proteína está presente principalmente em células tumorais, o que abre perspectivas de maior seletividade”, ressalta João Agostinho Machado Neto, orientador da pesquisa e professor do Departamento de Farmacologia do ICB.
Outra vertente investigou o uso de medicamentos já existentes. O Paclitaxel, quimioterápico empregado contra tumores sólidos, demonstrou eficácia em células de leucemia promielocítica aguda resistentes ao tratamento padrão com ácido All-Trans Retinoico (Atra). O achado indica que o fármaco pode oferecer alternativas para pacientes que não respondem às terapias atuais.
A pesquisa também avaliou a Eribulina, aprovada para o tratamento do câncer de mama, mas inédita em estudos sobre leucemias. Em um painel abrangente de linhagens de leucemia mieloide aguda e leucemia linfoblástica aguda, o fármaco apresentou alta toxicidade contra células leucêmicas e baixa toxicidade em células normais, sugerindo boa margem de segurança. Além disso, foram identificados biomarcadores de resposta — como MDR1, PI3K/AKT e NF-κB — que podem auxiliar na seleção de pacientes em futuros ensaios clínicos.
Molécula inédita
Outro resultado relevante foi a combinação da Eribulina com o Elacridar – inibidor do transporte de substâncias utilizado para aumentar a disponibilidade e concentração intracelular de medicamentos contra o câncer. A combinação potencializou os efeitos e superou mecanismos de resistência, um dos maiores obstáculos no tratamento das leucemias. “O fato de a Eribulina já ser aprovada em humanos é muito relevante. Sua segurança e dosagem já são conhecidas, o que pode acelerar ensaios clínicos em leucemias agudas”, destaca Machado Neto.
A etapa mais inovadora surgiu em colaboração com o Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O grupo sintetizou o composto C2E1, da classe dos ciclopenta[β]indóis, nunca antes testado em modelos de leucemia. Os resultados foram considerados surpreendentes: o C2E1 apresentou elevada citotoxicidade contra células de leucemia aguda (mieloide e linfoide), induzindo apoptose, bloqueio do ciclo celular e redução da formação de colônias, além de baixa toxicidade para células normais.
Outro diferencial é que o composto parece não apresentar resistência cruzada com outros medicamentos que atuam sobre microtúbulos, o que amplia suas possibilidades de uso em pacientes refratários às terapias disponíveis. “Esse composto pode representar uma alternativa terapêutica promissora, já que conseguiu eliminar células malignas preservando as saudáveis — característica essencial no desenvolvimento de quimioterápicos”, conclui Vicari.
Além de revelar novos caminhos terapêuticos, a pesquisa recebeu destaque nacional ao ser agraciada com o Prêmio Capes de Tese 2025, na área de Farmacologia. Para Vicari, a premiação representa “um reconhecimento importante não só do esforço individual, mas também do trabalho coletivo desenvolvido no laboratório”. Machado Neto acrescenta que a conquista “reflete a qualidade e dedicação da equipe, e motiva a continuar avançando no desenvolvimento de novas estratégias contra as leucemias”.
A tese Investigação do potencial antineoplásico de novos fármacos que modulam a dinâmica de microtúbulos em leucemias agudas está disponível no Banco de Teses da USP e pode ser lida neste link.
* Da Assessoria de Comunicação do ICB-USP. Adaptado para o Jornal da USP
FONTE: Jornal da USP