Vírus poderá ser usado em tratamento contra bactéria que causa infecções hospitalares
- By: Jornal da USP
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Avançam estudos com vírus bacteriófagos, que podem ser aliados na luta contra infecções de tratamento difícil causadas pela bactéria “Pseudomonas aeruginosa”
Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Biologia de Bactérias e Bacteriófagos (Cepid B3), sediado na USP, avançaram no estudo da fagoterapia, técnica que utiliza vírus específicos para tratar infecções bacterianas. Em um estudo publicado na revista Microbiology Spectrum, a equipe investigou a interação entre duas variedades desses vírus e a bactéria Pseudomonas aeruginosa, reconhecida por causar infecções graves em diferentes organismos – entre as principais causadoras de infecções hospitalares. Os resultados oferecem novas perspectivas para a aplicação da fagoterapia e reforçam o papel dessa alternativa terapêutica no combate às infecções bacterianas resistentes a antibióticos.
A bactéria Pseudomonas aeruginosa é responsável por uma série de infecções em plantas e animais. Em humanos, o tratamento mais comum para os quadros clínicos causados por ela, como infecções urinárias, de pele e pulmonares, depende do uso de antibióticos. No entanto, a crescente perda de sensibilidade dessa bactéria aos medicamentos disponíveis, somada à falta de novas opções terapêuticas, representa um grande desafio no manejo clínico. É nesse contexto que se torna vantajosa a adoção de terapias alternativas, como a fagoterapia — que utiliza vírus que infectam bactérias, os fagos, ou bacteriófagos, para inibir a sobrevivência e a multiplicação bacteriana.
“Os fagos têm a capacidade de evoluir, o que lhes permite se adaptar às estratégias de resistência das bactérias e possibilita uma solução para lidar com mutações nessas linhagens”, explica Layla Farage, uma das autoras do estudo e pesquisadora do Cepid B3, no Instituto de Química (IQ) da USP. “Além disso, essa terapia é bastante específica, atingindo apenas as bactérias causadoras da infecção, sem afetar os microrganismos, muitas vezes benéficos, da microbiota [conjunto de microrganismo que habitam um indivíduo]”, complementa a pesquisadora.
Para compreender os mecanismos que regem à interação entre essa espécie e dois tipos de bacteriófagos (ZC01 e ZC03), além de explorar o potencial terapêutico desses vírus, os pesquisadores aplicaram os fagos individualmente em larvas de traça-da-cera infectadas por Pseudomonas, avaliando o efeito do experimento na sobrevivência e na multiplicação da bactéria.
Os resultados revelaram que a aplicação de ambos os fagos aumentou significativamente a sobrevivência das larvas infectadas. Os fagos apresentaram viabilidade em temperaturas de até 37°C, comum em um organismo humano saudável, e pH de 7,5, considerado ideal para fagos terapêuticos.
A análise genética desses vírus ainda apontou para a existência de uma proteína especial capaz degradar a parede celular bacteriana, ou seja, permitir que esses vírus atinjam o interior da Pseudomonas com mais facilidade. Esse achado pode direcionar o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas, uma vez que identifica os mecanismos pelos quais os vírus combatem as bactérias. “Acreditamos que o uso combinado desses fagos com antibióticos ou com outros fagos pode ter resultados bastante promissores em doenças crônicas ou resistentes causadas por essa bactéria”, observa a autora.
A pesquisa também identificou diferenças importantes na atuação dos vírus, que podem favorecer a criação de tratamentos ainda mais eficazes. Durante os testes, o ZC03 levou cerca de 50 minutos para eliminar a bactéria e gerou uma média de dez novos vírus a cada célula bacteriana infectada. Já o ZC01 apresentou um intervalo de aproximadamente 1 hora e 40 minutos entre a aplicação e a ação, mas resultou em 87 novos vírus por célula infectada. “A escolha entre os dois fagos depende de testes adicionais. Por exemplo, apesar de se propagar menos, o ZC03 teve um desempenho melhor nos ensaios in vivo e o tempo de infecção e propagação pode ser diferente in vitro”, explica Layla Farage.
As conclusões do estudo têm o potencial de impactar a saúde pública a longo prazo e de impulsionar o desenvolvimento científico no combate à resistência bacteriana aos antibióticos. “Os próximos passos incluem realizar ensaios laboratoriais e in vivo com coquetéis de diferentes fagos e antibióticos. Misturas diversificadas tendem a resultar em maior eficiência terapêutica”, prevê Layla. Ela conclui destacando o objetivo de desenvolver combinações mais estáveis e promissoras, além de explorar estratégias que ampliem o alcance da fagoterapia e avaliar suas implicações.
O estudo completo pode ser acessado neste link: Phages ZC01 and ZC03 require type-IV pilus for Pseudomonas aeruginosa infection and have a potential for therapeutic applications
Mais informações: layla@iq.usp.br, Instagram do Cepid B3: @cepidb3
*Bolsista Mídia Ciência Fapesp na comunicação do Cepid B3
FONTE: Jornal da USP