Mais informações: scholze@uenp.edu.br, com Alessandro Rolim Scholze, e Ricardo Alexandre Arcêncio, e-mail ricardo@eerp.usp.br
Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Guilherme Castro
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Levantamento de casos de tuberculose feito no Estado do Paraná confirma que a doença tem estreita relação com vulnerabilidade social e, caso haja dependência ou uso concomitante de substâncias psicoativas, tais como álcool, tabaco e outras drogas, os pacientes tendem a ter mais complicações (abandono precoce do tratamento, formas mais graves da doença, resistência medicamentosa e maiores índices de óbito). Os dados são resultado de uma pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, baseada em informações fornecidas pelo Sistema Brasileiro de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), da Secretaria da Saúde do Estado do Paraná (2008/2018).
Neste período, entre a população em geral, foram constatados 29.499 casos da doença. Deste universo, 9.529 eram pessoas com tuberculose e usuárias de algum tipo de droga (álcool, tabaco ou drogas ilícitas) ou faziam poliuso de entorpecentes. Foram encontrados, ainda, casos de tuberculose entre a população privada de liberdade (1.099), que é uma das mais afetadas pela doença. As outras, segundo o estudo, são indivíduos que moram na rua, comunidade indígena, HIV positivos etc.
Dos 1.099 casos, a maioria dos pacientes relatou ser tabagista, 42% (460), seguido por usuários de substâncias ilícitas (cocaína, crack, maconha etc.), 41% (451), e com transtornos relacionados ao uso de álcool, 16% (179). “A exposição à fumaça do cigarro aumenta em três vezes as chances de desenvolver tuberculose”, explica ao Jornal da USP Alessandro Rolim Scholze, autor da pesquisa e membro do Grupo de Estudos Epidemiológico-Operacionais em Tuberculose (Geotb).
Já entre a população em geral diagnosticada com a doença e que fazia uso de drogas (o grupo de 9.529 indivíduos), a substância mais prevalente foi o álcool, 20% (6.013), seguido do tabagismo, 14% (4.185), e drogas ilícitas, 10% (2.893).
Com todos os dados em mãos e baseado em scoping review (revisão literária), Scholze fez uma análise do impacto das drogas em populações vulneráveis. Foram 2.288 publicações brasileiras e estrangeiras analisadas. Em uma das pesquisas de coorte (acompanhamento de longo prazo) realizada com 268 pacientes na Etiópia, África Oriental, constatou-se que os pacientes com transtornos por uso de substâncias psicoativas apresentaram uma maior prevalência de não adesão ao tratamento de tuberculose no início do estudo (16,5%), após dois meses (42%) e ao completar seis meses de tratamento (45,5%), em comparação ao grupo que não fez uso de substâncias psicoativas (3%, 14% e 11%, respectivamente). Neste mesmo estudo, verificou-se que os tabagistas e dependentes de álcool têm, respectivamente, 3,8 e 3,2 vezes mais chances de não aderirem ao tratamento medicamentoso em comparação à população não usuária dessas substâncias.
“Quando um indivíduo infectado abandona o tratamento, ele contribui significativamente para o aumento do número de casos novos no espaço geográfico onde ele circula. No caso dos presídios, a transmissão pode ser entre os familiares, os funcionários das unidades prisionais e entre os próprios presos”, diz Scholze. Para esse grupo, o estudo mostrou que dos 1.099 diagnosticados com tuberculose, 12% abandonaram o tratamento, o que foi considerado um índice alto pela pesquisa.
O tabaco é um importante fator de risco, ou seja, estar exposto à fumaça do cigarro aumenta em três vezes as chances de desenvolver a doença. Entre os tabagistas, o risco de tuberculose latente (quando a pessoa está doente, mas não apresenta sintomas) é de 1,6 vezes e para a tuberculose ativa (com sintomas) é duas vezes mais. A possibilidade de óbito é de 2,6 vezes mais. Já as chances de desenvolvimento e agravamento/morte aumentam significativamente com o tempo de consumo, o número de cigarros consumidos por dia e o nível socioeconômico.
A ingestão de álcool aumenta em 1,9 as chances de desenvolver a tuberculose, e também está associada a atrasos nas consultas, insucesso e menores taxas de adesão a terapias. Sobre as drogas ilícitas, os usuários de crack apresentaram maiores chances de abandono do tratamento. Já os usuários de heroína tiveram sintomas mais graves de doença.
Com relação ao poliuso de drogas, o estudo identificou piores desfechos durante o tratamento (insucesso, abandono, aumento de hospitalização, falhas nos retornos, tratamento mais prolongado e lesões mais avançadas).
O perfil sociodemográfico das pessoas que se encontravam encarceradas no Paraná era composto predominantemente de homens, com idade entre 30 e 59 anos, de raça e cor branca, e residentes no perímetro urbano do Estado do Paraná. Entre estudantes da 1ª à 4ª série do ensino fundamental, houve prevalência no consumo de álcool, e entre 5ª à 8ª série, consumo de cigarro e drogas ilícitas.
Em relação às características clínicas dos casos de tuberculose, a maioria correspondeu a casos novos e do tipo pulmonar. A tuberculose também pode afetar outros órgãos, como a pleura e os gânglios linfáticos.
As prisões brasileiras são consideradas importantes reservatórios do bacilo da tuberculose, a Mycobacterium tuberculosis. O ambiente insalubre e superlotado é propício para a transmissão da doença entre presos, agentes penitenciários e familiares que fazem visitas aos detentos. Cerca de 11% dos casos brasileiros da doença ocorrem nas unidades prisionais, explica o orientador da pesquisa, o professor Ricardo Alexandre Arcêncio, professor da EERP, vice-presidente da Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (Rede-TB) e líder do Grupo de Estudos Epidemiológicos Operacional em Tuberculose (Geotb).
A tuberculose tem raízes sociais e atinge, principalmente, grupos vulneráveis (populações encarceradas, em situação de rua, comunidades indígenas, pessoas com HIV etc.). Segundo Arcêncio, a incidência de tuberculose nesses grupos é 20 vezes maior do que na população em geral, o que, na opinião do pesquisador, faz com que eles devam ter prioridade na implementação de políticas e estratégias públicas de saúde.
“Ignorar a existência do foco da doença nestes grupos vulneráveis significa que a Mycobacterium tuberculosis continuará circulando livremente entre a população em geral e será cada vez mais difícil eliminar a doença no Brasil”, diz o pesquisador.
As razões para esses elevados índices, segundo Scholze, são a alta concentração populacional – e consequentemente uma maior transição de pessoas de diferentes lugares – e às desigualdades sociais no atendimento de saúde.
Perguntado se a situação epidemiológica encontrada nos presídios do Paraná poderia ser replicada para outros estados brasileiros, Scholze afirma que sim, porque as condições dos sistemas prisionais são muito semelhantes em todo o Brasil.
O fato de ter trabalhado com dados secundários fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Paraná é considerado uma limitação para Scholze, embora ele reconheça que o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) é considerado uma fonte confiável para o desenvolvimento de estudos desta natureza.Para o orientador da pesquisa, o professor Arcêncio, o estudo trouxe um importante retrato do cenário epidemiológico deste grupo de risco no Brasil. Segundo ele, o estudo subsidia o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose, que contempla a necessidade de intensificar ações estratégicas para promover a redução do ciclo de transmissão da tuberculose, do desenvolvimento de novos casos, bem como do abandono de tratamento, de óbitos e de tuberculose multirresistente, conclui.
A tese Análise espacial e temporal da tuberculose entre pessoas em uso crônico de álcool, tabaco e ou drogas ilícitas no Estado do Paraná foi defendida em novembro de 2021 na EERP. O desenvolvimento desta pesquisa também possibilitou a produção de quatro artigos científicos, publicados em periódicos nacionais e internacionais com alto fator de impacto.
A tuberculose é uma doença infecciosa grave transmitida pelo Mycobacterium tuberculosis, o bacilo de Koch. Os principais sintomas são tosse persistente, febre, catarro, sudorese, emagrecimento, cansaço e dor no peito. A transmissão acontece pela respiração ou pelo contato com secreções corporais. “Os pacientes com transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas apresentam mais chances de desenvolver tuberculose ativa [quando a doença se manifesta], falhas no tratamento relacionadas a interrupções e descontinuidades terapêuticas, além de óbitos precoces”, explica Alessandro Rolim Scholze, autor da pesquisa e membro do Grupo de Estudos Epidemiológicos-Operacionais em Tuberculose (Geotb).
O tratamento da tuberculose é feito com antibióticos e tem duração média de seis meses.,O abandono do tratamento, além de não recomendado, é considerado um dos problemas mais sérios para o controle da doença porque resulta na manutenção da fonte de infecção (cepas resistentes) em taxas de reaparecimento e aumento da mortalidade, explica Scholze.
Mais informações: scholze@uenp.edu.br, com Alessandro Rolim Scholze, e Ricardo Alexandre Arcêncio, e-mail ricardo@eerp.usp.br
Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Guilherme Castro
Fonte: Jornal da USP