Novo medicamento traz resultados inéditos no tratamento da hipertensão arterial pulmonar

Novo medicamento traz resultados inéditos no tratamento da hipertensão arterial pulmonar

Um novo tratamento pode melhorar a vida de pacientes com hipertensão arterial pulmonar (HAP), doença rara e progressiva que afeta os vasos sanguíneos dos pulmões. Um ensaio clínico mostrou que o medicamento sotatercept reduziu em 76% o risco de morte, hospitalização ou necessidade de transplante em pacientes com quadros avançados da doença. Os resultados foram considerados tão expressivos, na eficácia do ativo em comparação ao placebo, que o estudo foi interrompido na análise interina (antes do término formal), para que todos participantes recebessem o medicamento.

Aplicado por injeção subcutânea a cada três semanas, o sotatercept atua diretamente nas artérias pulmonares, reduzindo a espessura das paredes dos vasos e facilitando a circulação do sangue entre o coração e os pulmões. Com isso, alivia a sobrecarga sobre o ventrículo direito, que costuma ser forçado a trabalhar mais em pacientes com HAP. Um total de 172 pacientes participaram do ensaio, divididos entre o grupo sotatercept e placebo.

“É muito difícil desenvolver um medicamento que funcione mesmo quando o paciente já toma todas as opções terapêuticas existentes. Para fazer efeito em cima dos outros, ele precisa ter um impacto muito grande — e foi o que vimos com o sotatercept”, observa Rogério Souza, professor da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), em entrevista ao Jornal da USP. Junto a outros 15 pesquisadores da Europa e dos EUA, ele é coautor do estudo publicado no The New England Journal of Medicine e tem acompanhado o desenvolvimento do fármaco desde sua concepção, em 2018.

Sem cura e com alto índice de mortalidade, os sintomas da HAP costumam ser inespecíficos, o que dificulta o diagnóstico. A dispneia relacionada aos esforços é o sintoma mais frequente. Outras manifestações incluem: fadiga, síncope, dor torácica e palpitações. Sua origem pode ser desconhecida (idiopática), hereditária, induzida por drogas e toxinas, ou pode estar associada a outras condições, como esclerose sistêmica, insuficiências cardíacas congênitas, hipertensão portal e infecção por HIV.

 

“Demora-se muito para fazer o diagnóstico de hipertensão arterial pulmonar porque as pessoas, inclusive a população médica, têm pouco conhecimento a respeito”

Tratamento até aqui

Embora o nome possa remeter à conhecida pressão alta, a hipertensão arterial pulmonar tem origem e evolução distintas da forma sistêmica. A HAP é uma síndrome caracterizada por um aumento progressivo na resistência vascular pulmonar, resultante de circulação restrita na artéria pulmonar, o que leva à sobrecarga e falência do ventrículo direito.

Souza explica que, como o sangue encontra resistência para circular pelos pulmões, o sistema circulatório fica comprometido. “Muitas vezes o diagnóstico demora porque se pensa em asma, doença pulmonar obstrutiva crônica [DPOC], insuficiência cardíaca, e não em HAP. A própria comunidade médica conhece pouco a doença”, adiciona. A condição tem alta mortalidade, sobretudo nos pacientes classificados como de alto risco, grupo-alvo do estudo.

Durante anos, o tratamento se baseou em vasodilatadores pulmonares que agem em vias específicas, como os antagonistas de endotelina (ambrisentana, bosentana e macitentan), inibidores da fosfodiesterase (sildenafila e tadalafila) e prostanóides. “Mas essas opções tinham impacto limitado. E os remédios de pressão sistêmica não servem para a HAP porque baixam a pressão do corpo inteiro, o que seria perigoso”, reforça o professor.

Apesar dos riscos envolvidos, os pesquisadores decidiram testar o sotatercept justamente em pacientes que já usavam todos os tratamentos possíveis e ainda assim se mantinham em condição crítica. A eficácia observada foi tamanha que a análise interina — feita no meio do estudo para avaliar segurança — acabou antecipando o fim da pesquisa. “Não seria mais ético manter pacientes graves em placebo, principalmente sabendo que o medicamento já estava disponível em outros países”, explica Souza. A partir de então, todos os participantes passaram a receber o fármaco.

A hipertensão pulmonar é definida como aumento da pressão média da artéria pulmonar acima de 25 mmHg em repouso ou > 30 mmHg durante o exercício. Os vasos dos pulmões tendem a trabalhar com pressões mais baixas — cerca de 20/10 mmHg - Foto: Freepik
A hipertensão pulmonar é definida como aumento da pressão média da artéria pulmonar acima de 25 mmHg em repouso ou > 30 mmHg durante o exercício. Os vasos dos pulmões tendem a trabalhar com pressões mais baixas — cerca de 20/10 mmHg – Foto: Freepik

Medicamento biológico

O sotatercept pertence à classe dos medicamentos biológicos, ou seja, produzidos a partir de substâncias derivadas de organismos vivos. Ele age equilibrando as vias de sinalização que controlam o crescimento celular nas paredes dos vasos sanguíneos pulmonares. “Ele [sotatercept] não é uma molécula sintética que vai se ligar em alguma parte do nosso corpo. Ele interage como parte nossa, então tem um comportamento biológico, mas com metade sintética.” Segundo Souza, essa estrutura híbrida permite que o remédio tenha maior especificidade de ação.

Como medicamento em teste, o sotatercept apresentou efeitos colaterais, os mais comuns sendo aumento da hemoglobina, leve elevação da pressão sistêmica e sangramentos nasais (epistaxis). Casos de telangiectasias (pequenos vasos visíveis na pele) também foram observados, evidenciando o impacto vascular da droga.

No Brasil, o sotatercept já foi registrado pela Anvisa, mas ainda depende de etapas adicionais para ser incorporado ao SUS. “Quanto mais falarmos sobre doenças como a HAP, maior a chance de que os gestores de saúde compreendam sua gravidade e priorizem políticas públicas adequadas. Nosso papel, como universidade, é justamente trazer luz a essas condições que, embora raras, não podem ser negligenciadas”, afirma.

O artigo Sotatercept in Patients with Pulmonary Arterial Hypertension at High Risk for Death pode ser acessado neste link.

Mais informações: rogerio.souza@hc.fm.usp.br, com Rogério Souza.

*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz

**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado

FOTO: Jornal da USP