Mecanismo de regeneração de nervos é chave para novas terapias contra lesões
- By: Jornal da USP
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Quando nervos são lesionados, células do sistema imunológico chamadas macrófagos são rapidamente recrutadas para o local. Mas o que transforma essas células em “enfermeiras” especializadas dos nervos, capazes de promover sua regeneração? A resposta está no sofisticado diálogo entre neurônios e macrófagos, revelada por estudo internacional com participação de pesquisadores da USP, publicado em artigo na revista científica Immunity.
O trabalho desvendou como os neurônios sensoriais utilizam a molécula fator de crescimento transformante-beta (TGF-β) para especializar macrófagos, transformando-os em células essenciais para a regeneração nervosa, funcionando como uma espécie de “código postal molecular”. A pesquisa, liderada por Julia Kolter, da Universidade de Freiburg (Alemanha), contou com participação da pesquisadora brasileira Conceição Elidianne Aníbal Silva e do professor Thiago Mattar Cunha, do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.
A descoberta é relevante porque cerca de 2% a 3% da população mundial sofre com neuropatias, que causam dor, fraqueza e perda de sensibilidade. Macrófagos são células do sistema imunológico que comem patógenos e células mortas, mas também têm papéis importantes na reparação de tecidos e manutenção da saúde dos órgãos. O fator de crescimento transformante-beta é uma molécula sinalizadora com múltiplas funções, incluindo controle de inflamação, cicatrização e diferenciação celular. É secretada em forma inativa e só exerce seus efeitos após ser ativada localmente.
Os pesquisadores identificaram uma população específica de macrófagos (sNAMs) que vivem associados aos nervos sensoriais da pele, células nervosas que detectam estímulos como toque, temperatura e dor, transmitindo essas informações ao sistema nervoso central. Com origem embrionária, os sNAMs patrulham os nervos e são fundamentais para sua regeneração. Quando há lesão nervosa, macrófagos do sangue são rapidamente recrutados e, ao entrarem em contato físico com os nervos, transformam-se em sNAMs funcionalmente idênticos aos residentes.
Comunicação para a regeneração
O fator de crescimento transformante-beta age como um “código postal molecular”, direcionando macrófagos especificamente para os nervos. Essa molécula só é ativada quando há contato físico entre o macrófago e o neurônio. Em camundongos geneticamente modificados, quando sua sinalização foi bloqueada, os macrófagos desapareceram dos nervos e a regeneração ficou severamente prejudicada.
A comunicação não é unidirecional. Os neurônios secretam neuropeptídeos como o CGRP, que ajudam a moldar as características dos macrófagos. Os pesquisadores identificaram ainda que a integrina β5, proteína expressa pelos macrófagos, contribui para a ativação local do fator de crescimento transformante-beta através da interação física com os nervos.
O mecanismo parece ser conservado entre camundongos e humanos. Utilizando células-tronco pluripotentes humanas, os pesquisadores recriaram em laboratório a mesma comunicação neurônio-macrófago. Análise de dados de pele humana confirmou a presença de macrófagos com assinatura molecular similar aos sNAMs de camundongos, representando cerca de 5% dos macrófagos dérmicos.
Um aspecto intrigante é que os sNAMs dependem continuamente de fator de crescimento transformante-beta para manter sua identidade. Quando ele é bloqueado em macrófagos de outros tecidos, eles continuam presentes, mas os sNAMs desaparecem rapidamente. A equipe está investigando se a manipulação dessa via poderia acelerar a regeneração nervosa ou proteger contra neuropatias em condições como diabetes.
O trabalho, que envolveu a colaboração de laboratórios da Alemanha, Reino Unido, Suíça e Brasil, contribui para o desenvolvimento da neuroimunologia, campo emergente que estuda as interações entre os sistemas nervoso e imunológico. O artigo Sensory neurons shape local macrophage identity via TGF-β signaling pode ser acessado aqui.

*Difusão Científica CRID, adaptado por Júlio Bernardes
**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado
FONTE: Jornal da USP

