Saiba como funciona a memória muscular
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“Quando a gente fala de memória muscular, nós estamos nos referindo a alterações que acontecem diretamente nas fibras musculares mediante o treinamento que é realizado. Se você pratica algum tipo de atividade física, as suas fibras musculares vão ser transformadas devido ao treinamento. Se você parar de realizar esse treinamento, a tendência é que suas fibras musculares se transformem novamente e voltem a ser parecidas com aquilo que elas eram antes. Entretanto, se você volta para um período de treinamento, elas, por já terem tido uma experiência prévia, têm uma facilidade de ganhar novamente aquela transformação inicial porque elas guardam essa memória de alguma vez já terem sido transformadas”, explica a fisioterapeuta Andrea Peterson Zomignani, doutora em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da USP.
Essa explicação é tida, no senso comum, como a ideia do que é a memória muscular: a modificação nos músculos que faz lembrar de como realizar aquele movimento. Entretanto, Andrea acrescenta que ela é muito mais do que isso: “Para que um movimento se torne automático, ele precisa ser executado repetidas vezes sob vários contextos. O indivíduo tem que registrar os erros que aconteceram para que o sistema nervoso registre as sequências de neurônios que tiveram mais sucessos para que esse movimento acontecesse. Então, quando eu realizo um movimento pela primeira vez ou nas primeiras vezes, eu tenho uma exigência bastante grande de várias áreas do meu sistema nervoso. A partir disso são ativadas áreas do meu cérebro, do meu córtex cerebral, relacionadas a essa intenção e elas conversam com outras áreas solicitando alguma ajuda para que esse movimento seja planejado”.
Processo da memória muscular
Por mais que a modificação das fibras musculares seja importante para o movimento automatizado, é o sistema nervoso e os seus componentes que estão nos bastidores. “É uma memória que, embora aja no sentido de causar contrações musculares, ela é guardada dentro do sistema nervoso e esses músculos só são acionados porque o sistema nervoso é capaz de gerenciar essa ativação muscular numa determinada ordem. Estamos falando da automatização de movimentos”, diz a fisioterapeuta.
Os núcleos da base, conforme Andrea, são fundamentais na automatização. Eles são estruturas encontradas na substância branca do cérebro e têm a função de modular os movimentos do corpo: “Uma das áreas que são solicitadas para que haja o sequenciamento ideal para esse movimento são os núcleos da base. Eles vão ser recrutados para que o planejamento adequado e, principalmente, a iniciação do movimento aconteça. Eles processam a informação que chegou até eles e devolvem essa ‘receita’ de como o movimento deve ser realizado para o córtex cerebral que vai fazer a conexão com as áreas de execução do movimento. A ordem que essas áreas são ativadas é muito importante para que o movimento aconteça da maneira correta e para que o indivíduo tenha sucesso na ação que ele vai realizar”.
Entretanto, eles não estão sozinhos e se juntam aos engramas. “Para que o movimento automático aconteça, o sistema nervoso, especialmente a região dos núcleos da base, participa bastante desse processo de construção do que a gente chama de engramas. Eles são sequências de ativação de redes neurais que ativarão, consequentemente, determinados músculos para que uma ação motora aconteça. Então, a construção desses engramas é essencial para que a gente consiga automatizar essas atividades que fazem parte da nossa rotina”, explica Andrea.
Exemplos de memória muscular
Tudo isso é realizado para destinar a consciência para problemas mais importantes enquanto o corpo realiza a ação motora automatizada, além de economizar energia, já que uma sequência nervosa mais rápida será escolhida para o movimento em questão: “O nosso processamento consciente tem um gasto energético bastante grande e a nossa consciência precisa estar direcionada a algumas ações específicas, que muitas vezes não estão relacionadas ao movimento”, diz a especialista.
Por exemplo, é comum se distrair e pegar um caminho corriqueiro quando se dirige, já que, provavelmente, os pensamentos estavam destinados a outros assuntos. “Isso que a gente chama de realizar ações sem um processamento consciente é como se o nosso sistema nervoso, com as repetições, fosse fazendo uma depuração do ato motor, retirando conexões que não são importantes para a execução daquela determinada tarefa”, completa a especialista.
“Quando a gente fala da capacidade de andar, a gente tem algumas regiões do sistema nervoso envolvidas. Esse movimento de mexer os membros inferiores precisa estar mais automatizado, porque os meus níveis superiores de consciência precisam estar preocupados com outras ações que não o movimento das minhas pernas. Então, a minha atenção, por exemplo, precisa estar direcionada para o objetivo daquela marcha: para onde eu estou indo, qual velocidade eu preciso ter na minha marcha, qual o horário – eu estou em cima da hora, eu estou atrasada ou não?; eu estou entrando no prédio do meu trabalho, qual é o andar que eu trabalho? Ou seja, as áreas do meu sistema nervoso ligadas a esse processamento mais consciente estão como que ocupadas com outras funções: elas estão preocupadas com o contexto, mas não são a ação motora de fato”, acrescenta a fisioterapeuta.
FONTE: Jornal da USP