Cranberry em leite fermentado mostra potencial contra infecção urinária

Cranberry em leite fermentado mostra potencial contra infecção urinária

Nova formulação combina os benefícios dos probióticos com os compostos bioativos do cranberry

Pesquisadores da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) e da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), ambas da USP, desenvolveram um leite fermentado probiótico enriquecido com suco de cranberry com potencial para prevenir infecções do trato urinário. A formulação combina os benefícios de bactérias probióticas, presentes no leite fermentado, com os compostos bioativos da cranberry, fruta pesquisada por sua ação na prevenção de infecções urinárias — condição que afeta cerca de 150 milhões de pessoas anualmente no mundo.

Testes laboratoriais indicaram a presença significativa de proantocianidinas, especialmente do tipo A – substância associada à redução da aderência de bactérias como Escherichia coli (E. coli) à parede do trato urinário – e cepas de Lactobacillus acidophilus, conhecidas por contribuir para o equilíbrio da flora intestinal. Em testes de aceitação, a formulação com 5% de suco de cranberry foi a mais bem avaliada pelos consumidores em sabor e intenção de compra.

De acordo com a autora da pesquisa, Karina de Fátima Bimbatti, o tratamento padrão da doença, em casos agudos, envolve antibióticos. No entanto, ela explica que o uso excessivo ou inadequado desses medicamentos tem contribuído para o aumento da resistência bacteriana, o que tem levado cientistas a buscarem alternativas naturais para prevenir reincidência da doença. “A infecção urinária é provocada pela presença de bactérias na urina que atingem a bexiga e outras estruturas do trato urinário. Agravado o quadro, evolui para pielonefrite (infecção renal). O problema é considerado recorrente quando o paciente apresenta mais de dois episódios em seis meses ou mais de três ao longo de um ano”, diz.Em uma revisão sistemática, na qual foram reunidos resultados de outras pesquisas publicadas, Karina encontrou vários achados demonstrando que o extrato de cranberry tinha ação antimicrobiana, não apenas contra a Escherichia coli — principal causadora da infecção urinária —, mas também contra outras bactérias, como Staphylococcus aureusKlebsiella pneumoniaeSerratia marcescens e Enterococcus faecalis, reforçando o potencial da cranberry na prevenção da doença.

O assunto foi descrito em artigo publicado na revista internacional Food Research International e faz parte da pesquisa de mestrado Desenvolvimento de um leite fermentado probiótico com cranberry com potencial para reduzir infecções no trato urinário, realizada na EERP em conjunto com a FZEA e finalizada em agosto de 2024.

Em um primeiro momento, Karina fez uma pesquisa de mercado on-line com 687 participantes para avaliar a frequência de infecções urinárias, a recorrência dos casos e o interesse do público por produtos funcionais voltados à prevenção. Dos respondentes, 79,9% eram mulheres e metade declarou já ter tido infecção urinária em algum momento da vida; 10,8% relataram sofrer com episódios recorrentes. Os dados confirmaram a maior prevalência da doença entre o público feminino. O levantamento também apontou uma boa receptividade a alternativas naturais: 45,7% dos participantes disseram estar dispostos a pagar R$ 5 ou mais por um produto com propriedades funcionais que auxilie na prevenção do problema.

Análises de compostos bioativos

Antes de ser incorporado ao leite fermentado, o suco concentrado de cranberry foi analisado isoladamente para avaliação de suas propriedades e compostos bioativos. Os resultados indicaram que a cada 100 gramas do produto havia a presença de 117 miligramas de proantocianidinas totais e 16 miligramas do tipo A.

Em seguida, foram desenvolvidas três amostras de leite fermentado: uma sem suco de cranberry (C) e duas com 5% (C1) e 10% (C2) de suco, que foram analisadas durante 28 dias de armazenamento em geladeira, com medições periódicas nos dias 1, 7, 14, 21 e 28 para analisar fatores como acidez, pH, sinérese (liberação de soro), capacidade de retenção de água, umidade, cor e teor de proantocianidinas. Ao final desse período, 116 consumidores participaram de testes para avaliar atributos sensoriais, como sabor, aroma, acidez, viscosidade e cor, além da intenção de compra do produto.

Resultados

Foram avaliadas duas formulações da bebida, uma com 5% e outra com 10% do suco e se constatou que ambas apresentaram bons níveis de proantocianidinas — compostos antioxidantes — e crescimento satisfatório do probiótico Lactobacillus acidophilus. As duas versões também tiveram boa aceitação sensorial entre os consumidores, embora a bebida com 5% de suco fosse considerada a mais promissora para futura comercialização porque ela  apresentou o melhor equilíbrio entre benefícios funcionais, estabilidade do produto e sabor. “Já esperávamos que a versão com 5% fosse mais bem-aceita por ser mais adocicada. Como se trata de um alimento pensado para o consumo diário, o sabor é um fator essencial”, diz Karina.

Quanto ao armazenamento da bebida, logo no primeiro dia de armazenamento foi observada uma queda na viabilidade dos Lactobacillus acidophilus: a formulação sem suco tinha 9,74 log UFC/mL, enquanto as versões com 5% e 10% apresentaram 9,34 e 8,95 log UFC/mL, respectivamente. Após 28 dias, a redução foi mais acentuada na amostra com 10% de cranberry, que caiu para 5,04 log UFC/mL — abaixo do valor mínimo recomendado para produtos probióticos. A versão com 5% manteve melhor estabilidade, com 7,11 log UFC/mL.

Karina explica que, para que um alimento seja considerado probiótico, é necessário que contenha pelo menos 6 log UFC/mL (unidades formadoras de colônia de microrganismos vivos) no momento do consumo, quantidade mínima para que os microrganismos cheguem vivos ao intestino e exerçam seus efeitos benéficos à saúde. De acordo com a pesquisadora, o aumento da concentração de cranberry elevou o teor de proantocianidinas, especialmente as do tipo A, associadas à prevenção de infecções urinárias. No entanto, o pH da bebida caiu com o aumento do suco, comprometendo a viabilidade dos probióticos durante o armazenamento e reduzindo a aceitação sensorial, devido ao sabor mais ácido.

Segundo uma das orientadoras da pesquisa, a professora Carmem Sílvia Favaro Trindade, da FZEA, onde foram feitos todos os testes laboratoriais, o desenvolvimento dessa formulação é inovador, pois representa um avanço na área de saúde preventiva e de alimentos funcionais. Ela destaca que o leite fermentado foi desenvolvido considerando o possível efeito sinérgico de um microrganismo probiótico – com potencial para restaurar o equilíbrio da microbiota urogenital – com o do suco concentrado de cranberry com seus compostos bioativos.Apesar dos resultados promissores em laboratório, a professora Carmem ressalta que a eficácia do produto ainda precisa ser comprovada por meio de ensaios clínicos. Além disso, ela aponta que a viabilidade comercial depende do interesse da indústria em levá-lo para o mercado e torná-lo acessível aos consumidores. A orientadora da pesquisa pela EERP foi a professora Fabiana Faleiros Castro.

Infecção urinária

A Infecção do Trato Urinário é considerada um problema de saúde pública global, com cerca de 150 milhões de novos casos registrados anualmente. Na atenção primária, responde por até 20% das infecções tratadas, enquanto no ambiente hospitalar pode representar até 40% dos casos. Pessoas idosas, imunocomprometidas e sexualmente ativas estão entre os grupos mais vulneráveis à doença, que atinge especialmente as mulheres — devido à menor extensão da uretra feminina, que facilita a entrada de bactérias. A infecção é provocada pela presença de microrganismos na urina, que desencadeiam uma resposta inflamatória no revestimento interno do trato urinário. A bactéria Escherichia coli é apontada como a principal responsável, sendo identificada em até 85% dos casos. A condição de saúde pode se tornar recorrente quando o paciente apresenta mais de dois episódios em um intervalo de seis meses ou mais de três ao longo de um ano.

O artigo Development and evaluation of fermented milk with Lactobacillus acidophilus added to concentrated cranberry (Vaccinium macrocarpon) juice with the potential to minimize the recurrence of urinary tract infections está disponível neste link e a dissertação intitulada Desenvolvimento de um leite fermentado probiótico com cranberry com potencial para reduzir infecções no trato urinário pode ser lida aqui.

Mais informações: Karina de Fátima Bimbatti (autora da pesquisa), ka.bimbatti@gmail.com; Fabiana Faleiros Castro, fabifaleiros@eerp.usp.br; e Carmem Sílvia Favaro Trindade, carmenft@usp.br