Frustrações podem causar traumas e alterar o funcionamento do cérebro
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É comum, durante a vida, as pessoas se sentirem frustradas em diversas situações que fogem do controle ou não saem como o esperado. Desde a infância, a frustração é um sentimento exposto, mas você já parou para pensar como o cérebro lida com essa sensação? Quais são seus mecanismos de defesa ou como o indivíduo passa a se portar depois de uma experiência frustrante? Em muitos casos, a situação tende a se voltar para o desânimo e a impotência.
Para a estudante de Publicidade e Propaganda Sofia Essado, de 20 anos, foi exatamente o que aconteceu quando descobriu que não conseguiu passar na prova para habilitação de motorista. Segundo ela, foi um momento de muita convicção de que seria aprovada, porém, a experiência acabou sendo frustrante mais de uma vez. “Eu acreditava que realmente ia passar. Meu examinador também me deixou completamente frustrada, agindo de uma forma como se eu realmente não conseguisse. Depois que eu desci do carro pensei: ‘eu nunca mais vou dirigir, pelo resto da minha vida’.”
Após a experiência, Sofia desenvolveu medo e insegurança de andar de carro. Com o tempo, foi superando e tentou mais uma vez tirar a habilitação, um ano depois. “E de novo foi extremamente frustrante, extremamente desesperador. Era uma ansiedade andar no carro com uma pessoa no banco do passageiro, não me sentia confortável”, relata.
Além disso, para a estudante o problema se estende até quando outras pessoas estão dirigindo. “Se eu ando com uma pessoa que eu não estou acostumada, são várias emoções, vários sentimentos, eu começo a suar e ficar nervosa, acho que o carro vai bater mesmo não estando nem perto de outro carro”, finaliza. Apesar do trauma, Sofia fará mais uma tentativa.
Após vivenciar uma experiência muito frustrante, como aconteceu com Sofia, a tendência é que ocorra um trauma que altere o funcionamento do cérebro e, consequentemente, que apareça a ansiedade, depressão ou até mesmo alguma forma de estímulo ao comportamento agressivo, como explica o professor de Psicologia Sérgio Kodato da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
Segundo ele, os circuitos neuronais da violência, do medo e do pânico são acionados e a pessoa entra em um período de luto ou pode entrar em um estado de melancolia, com pensamentos fixos e obsessivos no objeto perdido. “A tendência do cérebro diante de uma grande frustração é alterar seu funcionamento, de modo a poder enfrentar ou se acomodar a essa frustração”, explica Kodato.
Dor psicológica
Além disso, a psiquiatra Rebeca Pessoa, mestre e atualmente doutoranda no Programa de Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, diz que a frustração pode ser considerada um tipo de dor e que há estudos que trazem semelhança com a dor física. “É como se a frustração fosse uma dor psicológica. Os estudos científicos, ao abordarem a frustração, citam como desencadeantes fatos relevantes, como, por exemplo, o luto de um familiar, o término de um relacionamento, uma situação de desemprego ou até mesmo uma situação de aposentadoria”, indica.
Além das situações emocionais associadas à frustração grave citadas por Kodato, com o aumento do risco de alguns transtornos como a depressão, transtornos ansiosos e transtornos relacionados ao estresse, Rebeca lista outras consequências. “Estudos relatam que a dor psicológica a longo prazo pode cursar com imunossupressão, alterações em padrão de sono e desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal”, pontua.
Lidando com a frustração
Segundo Kodato, as estratégias cognitivas ou comportamentais para lidar com a frustração têm a ver com o desenvolvimento da chamada plasticidade, flexibilidade emocional. “O cérebro precisa ser capaz de reconfigurar e ressignificar suas emoções, sentimentos e seus pensamentos para enfrentar as adversidades. É preciso certo desenvolvimento das competências emocionais como perseverança, empatia, intuição, resiliência, gentileza, generosidade, paciência, otimismo, fé, foco, coragem, perdão e gratidão”, enumera.
Somado a isso, ele afirma que a arteterapia procura a expressão dos conflitos e traumas psíquicos, quando se entende que a expressão dos conflitos é o primeiro passo para sua superação. Esse tipo de terapia também busca o desenvolvimento dos potenciais e da criatividade. “Desenvolvendo a criatividade é que podemos ensinar a pessoa a enfrentar os velhos problemas e as pequenas ou grandes frustrações”, finaliza Kodato.
*Sob supervisão de Ferraz Júnior
FONTE: Jornal da USP