Um a cada três diagnosticados com anorexia nervosa é do sexo masculino
Embora ainda seja um tabu na sociedade, a ocorrência de transtornos alimentares entre pessoas do sexo masculino é uma realidade e um problema em ascensão. Apesar disso, algumas das histórias relacionadas a essa condição mais conhecidas ainda envolvem mulheres, como o caso Terri Schiavo. A norte-americana passou 15 anos em estado vegetativo após sofrer uma parada cardíaca, o que gerou uma batalha judicial entre seu marido e seus pais sobre a realização da eutanásia, até sua morte, em 2005. O motivo do fatídico desmaio de Terri, em 1990, foram os baixos níveis de potássio no sangue, em função de uma dieta restritiva, motivada pela bulimia.
Apesar de histórias como as de Terri e de supermodelos que colocavam a saúde em risco pelo tão sonhado corpo ideal, os transtornos alimentares ficam cada vez mais evidentes como uma condição unissex. “Recentemente, foi publicada uma revisão sistemática, com estudos do mundo inteiro, e os autores concluíram que a prevalência de transtornos alimentares foi de, aproximadamente, 19% no sexo feminino e 14% no masculino. Um outro dado interessante é que de 20% a 30% dos pacientes com anorexia nervosa são homens. Isso significa que, a cada três pacientes diagnosticados, um é do sexo masculino”, revela Maria Fernanda Laus, docente do curso de Nutrição na Unaerp, doutora e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
Ela afirma que, além da evolução nos diagnósticos, esse número se deve a “um aumento na incidência dos transtornos mentais de forma geral, além das questões socioculturais, como a supervalorização da aparência e o uso muito frequente de redes sociais, o que acaba influenciando diretamente o corpo e a mente”. Maria Fernanda alerta que homens homossexuais e bissexuais, inclusive, são mais afetados pela condição, e que os transtornos não são apenas em busca de um corpo magro, mas também musculoso.
De acordo com a especialista, os primeiros indícios começam a surgir logo na adolescência, com o chamado comer transtornado, que envolve ações comuns no cotidiano de muitas pessoas. “Isso inclui uma série de comportamentos como a prática de contar calorias, de pesar os alimentos, utilizar suplemento alimentar para aumentar a massa muscular, entre outros comportamentos que desviam do que é considerado uma alimentação normal.”
Entretanto, a professora destaca que um leva ao outro, mas a recíproca não é, necessariamente, verdadeira. “Nem todo mundo que tem comer transtornado tem um transtorno alimentar, mas o transtorno alimentar sempre começa na forma de comer transtornado”, explica.
Um grande tabu
A primeira barreira a romper rumo à saúde é psicológica. Conseguir falar sobre o problema pode ser a diferença entre a recuperação e o agravamento da condição. “É importante lembrar que os transtornos alimentares podem afetar todos os sistemas orgânicos do corpo, e as pessoas que lutam contra um transtorno alimentar precisam procurar ajuda profissional”, afirma Maria Fernanda.
O crescimento na quantidade de pessoas do sexo masculino diagnosticadas gera, em um primeiro momento, preocupação, mas ainda pode significar evolução, e está relacionado, justamente, a uma abertura para debater o assunto. Com mais segurança e liberdade, maior tende a ser, consequentemente, o número de ocorrências registradas e menor será a quantidade de pessoas que sofrem em segredo ou que sequer sabem que precisam enfrentar um problema.
Apesar do progresso conquistado, a luta contra a descriminação promete ser longa, com vitórias, derrotas, altos e baixos. Como ressalta a professora, “apesar das estatísticas, os homens são, frequentemente, ridicularizados, menosprezados ou ignorados, numa cultura que vê o transtorno alimentar como uma doença que afeta só as mulheres”.
A luta contra dois adversários – o preconceito e o próprio transtorno – não é fácil, mas precisa ser feita para que os homens, e também as mulheres acometidas, conquistem o corpo perfeito: o que ostenta saúde. “Quanto mais cedo a pessoa com transtorno alimentar procurar tratamento, maior a probabilidade de recuperação física e emocional”, conclui a professora.
FONTE: Jornal da USP