TDAH/autismo: estudos investigam comportamento e aprendizagem motora de pacientes
Os transtornos de neurodesenvolvimento são uma das principais causas de distúrbios comportamentais em adultos e crianças. Desatenção, hiperatividade e impulsividade estão entre os sintomas centrais do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), o mais comum na infância. O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) também afeta a comunicação, interação social, aprendizado e capacidade de adaptação. Estudos mostram que anormalidades neurais podem prejudicar também a aprendizagem motora dos indivíduos. O tema pautou três trabalhos de mestrado defendidos recentemente na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, orientados pelo professor Jorge Alberto de Oliveira.
Autora de um desses trabalhos, Sandra Katayama dos Santos estudou aspectos motores do autismo. Em seu estudo de caso, 22 adultos diagnosticados foram submetidos a testes para averiguar a dominância lateral (preferência pelo lado esquerdo ou direito), a gravidade do transtorno e a habilidade motora manual, com a manipulação e a apreensão de objetos com as mãos. Os voluntários apresentaram valores muito abaixo da normalidade quando comparados a indivíduos típicos nos mesmos testes. A pesquisadora também constatou que, quanto maior a gravidade do transtorno, menor a consistência e a habilidade manual do indivíduo.
Além disso, a pesquisadora também analisou o microssistema dos voluntários, buscando compreender e interpretar suas variáveis de dimensão pessoal, vida institucional e aspectos relacionais. Fatores como o conhecimento dos pais, a forma de lidar com o diagnóstico, a ausência de acompanhamento médico, falta de estimulação e superproteção representam empecilhos no comportamento motor dos indivíduos com TEA, apresentando correlação com resultados menos favoráveis nos testes de habilidade motora.
Já em relação ao Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), o comportamento socioemocional de crianças pode apresentar problemas significativos quando comparado com crianças sem o transtorno. Para analisar o perfil socioemocional dessas crianças, a pesquisadora Daniela Coelho Lastoria de Godoi aplicou questionários a pais/responsáveis e professores de educação física do ensino fundamental II, de uma escola da rede particular de ensino da cidade de São Paulo A partir das respostas, foram identificados 14 escolares com indicativos de TDAH. A pesquisadora realizou, então, análises descritivas das variáveis e comparativas dos informantes, por meio de métodos estatísticos.
Dentre os maiores entraves apontados pelos dados, destacam-se problemas emocionais e de conduta, hiperatividade e dificuldades de relacionamento com os colegas. A pesquisadora concluiu que as dificuldades dos (as) escolares analisados se encontravam em déficits quando comparadas às normas de referência. Entretanto, o comportamento pró-social, que avalia a empatia e a solidariedade, foi classificado como normal por ambos os grupos de avaliadores.
O estudo aponta para o fato de que habilidades sociais específicas devem ser desenvolvidas nessas crianças, pois sabe-se que prejuízos socioemocionais podem levar à depressão, ansiedade, problemas de alimentação, abuso de substâncias e evasão escolar, entre outros. A pesquisadora sugere que haja um maior entendimento do transtorno, tanto pelos familiares como pelos professores, para que o (a) escolar possa ser acompanhado adequadamente durante seu desenvolvimento.
Revisão da literatura
Se, por um lado, as variáveis pessoais podem afetar o desenvolvimento das habilidades motoras e sociais dos indivíduos com transtornos de neurodesenvolvimento, por outro lado, a manipulação da prática por meio de diferentes estruturas pode representar um aliado na busca por intervenções adequadas. Em sua dissertação de mestrado, Andreza Rodrigues realizou uma revisão integrativa da literatura sobre o tema reunindo e analisando 116 artigos científicos.
A pesquisadora elucida que as estruturas de prática estão diretamente relacionadas à aprendizagem motora, ou seja, ao processo de mudanças no comportamento do indivíduo que leva a execuções cada vez mais eficientes de tarefas motoras. Essas habilidades são adquiridas por meio de práticas que podem ser manipuladas de diferentes maneiras nas aulas de educação física. Por exemplo, em uma aula direcionada ao trabalho com o fundamento arremesso no basquete, essa prática poderia ser manipulada com variações de posição e distância da cesta.
A pesquisadora relata a correlação entre os acometimentos neurais característicos do TDAH e as áreas cerebrais ativadas em cada estrutura de prática. Porém, em seu levantamento foi constatada uma carência de estudos nesse sentido, sendo que a maior parte dos artigos publicados aborda outros aspectos do desenvolvimento motor ou correlaciona a aprendizagem motora e o TDAH sob diferentes óticas, como, por exemplo, do feedback, dos focos de atenção e do conhecimento de resultados. Assim, considerando os aspectos neurais em comum, a manipulação da prática poderia levar a uma melhora na aprendizagem motora dessa população.
Mais pesquisas no campo dos transtornos neurodesenvolvimentais e aprendizagem motora seriam benéficas não apenas no sentido de promover intervenções mais adequadas, mas também para o melhor entendimento da condição. A pesquisadora Daniela Coelho Lastoria de Godoi destaca a “importância da utilização de instrumentos rastreadores durante os anos escolares para investigar possíveis indicativos de transtornos do neurodesenvolvimento, favorecendo encaminhamentos e intervenções preventivas necessárias”.
Qualificação do profissional de Educação Física
Sandra Katayama ressalta também o papel da qualificação do profissional de Educação Física para o sucesso no atendimento a indivíduos com transtornos neurodesenvolvimentais. Para além da prescrição de atividades, “existem outros elementos envolvidos que influenciam no desenvolvimento motor de autistas, afetando de forma direta o sucesso ou fracasso. Isso se reflete na aquisição ou não de um padrão de movimento para o indivíduo e até na manutenção de uma rotina de atividade física que lhe garanta um estilo de vida saudável”, explica.
Andreza Rodrigues complementa que os professores, apesar de não emitirem diagnósticos, podem apontar indicativos, conversar com os pais e encaminhar aos médicos quando necessário. Por isso, o conhecimento e estudo dos transtornos pelos profissionais de Educação Física são essenciais para a abordagem correta aos indivíduos nessa situação.
Da Assessoria de Comunicação da EEFE
Mais informações: e-mail comunicaeefe@usp.br, na Assessoria de Comunicação da EEFE
FONTE: Jornal da USP