Pesquisa investiga impactos da radioterapia no cérebro de pacientes com câncer
- By: Jornal da USP
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Ressonância magnética revela alterações pós-radioterapia, como maior difusão de líquidos pelos tecidos; estudo não contraindica tratamento, mas achados podem orientar proteção de áreas sensíveis
Apesar de imprescindível para o tratamento de muitos tumores, a radioterapia pode lesar tecidos saudáveis. Preocupadas com a qualidade de vida daqueles que cada vez mais sobrevivem à doença, pesquisadoras da USP em Ribeirão Preto decidiram avaliar os impactos da radiação no cérebro e verificaram que, antes das perdas de volume e espessura cortical (camada que envolve o cérebro), há um aumento da difusão de líquidos entre os tecidos.
Para além de analisar como a radiação pode prejudicar tecidos saudáveis, uma vez que não se questiona a radioterapia como tratamento, o objetivo do estudo foi obter informações para proteger estruturas sensíveis, garante a pesquisadora Érika Joselyn Ludeña Maza, que trabalha sob orientação da professora Renata Ferranti Leoni do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Para as pesquisadoras, essa circulação mais fluida da água pelas regiões afetadas com a radiação pode ser útil ao planejamento da terapia.
Segundo Érika, já se conhecia a ação da radioterapia sobre a espessura cortical (camada que recobre o cérebro) e sobre o hipocampo (controle da aprendizagem, memória e emoções), obtida em pesquisa com carcinoma nasofaríngeo (região do nariz e da boca).
As pesquisadoras avaliaram imagens de ressonância magnética de 42 pessoas entre 19 e 66 anos em tratamento no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP). Analisaram imagens anteriores à radioterapia pós-operatória e aquelas feitas até oito meses após a radiação, para um grupo de 25 pacientes (grupo A), e entre nove e 16 meses após a radioterapia para um grupo de 13 pacientes (grupo B). A diferença de tempo entre as imagens serviu para avaliar os efeitos a curto prazo da radiação no grupo A e os de longo prazo no grupo B.
“Se existe uma região com mais células, a difusão é mais restrita, se as células vão morrendo, existe mais espaço para a água se difundir”, afirma Renata, informando que o aumento da difusão da água nos tecidos cerebrais indica a perda das células, uma atrofia daquele local, o que significa que o volume dos tecidos saudáveis diminuiu.
A redução do volume das estruturas cerebrais é explicada pela perda de neurônios e, “acredita-se que essa perda seja efeito indireto da radiação que altera a permeabilidade dos vasos sanguíneos, favorecendo a chegada de toxinas e aumento da inflamação na região irradiada, continua a professora. Como a difusão da água depende da estrutura cerebral (axônios e neurônios), “se algo acontece a essas estruturas, o fluxo da água muda de direção”.
Porém, ao analisarem os efeitos mais precoces e os mais tardios, viram que “algumas alterações aparecem primeiro e outras aparecem depois de meses ou anos”, comenta Érika, adiantando que a mudança na difusão da água foi observada antes do aparecimento da atrofia e da perda de volume cerebral. “Pode ser que esse seja um biomarcador precoce, algo para se olhar logo depois da radioterapia”, acrescenta a professora Renata.
Planejamento radioterápico para proteção de áreas sensíveis
Como forma de tentar mitigar os efeitos negativos da radiação nos tecidos saudáveis, equipes de saúde já realizam planejamento prévio e a proteção dessas regiões durante o procedimento. Com a evolução da radioterapia, “a primeira coisa a se pensar é o planejamento; se o médico, o radioterapeuta e o físico médico conseguem fazer um planejamento que consiga proteger essas regiões, já é interessante”, afirma Renata.
Quanto aos tratamentos de gliomas, a professora informa que, para alguns casos, já existe forma de proteção da região do hipocampo (sede da memória). “A nossa ideia foi ver se existem outras regiões que também seriam importantes, e vimos algumas próximas ao hipocampo, o que indica que a região do lobo temporal é crítica, então se o planejamento puder ser feito protegendo essas regiões é ótimo.”
As regiões mais sensíveis, de acordo com o estudo, são os lobos frontal e temporal (além do próprio hipocampo). São estruturas que sofrem naturalmente com atrofia, perda de volume e espessura cortical no envelhecimento saudável, podendo facilitar o desenvolvimento do Alzheimer na população idosa.
A pesquisa confirma que existem outras partes do cérebro, além do hipocampo, que precisam de um cuidado mais específico durante o planejamento radioterápico, pois os danos podem levar a uma piora na qualidade de vida dos pacientes após o tratamento do glioma. Porém, dependendo do grau da doença, “os pacientes podem ter sequelas por conta do tratamento”, dizem as pesquisadoras, adiantando que “em momento algum o estudo aponta a não realização da radioterapia”.
Estudos recentes sugerem que o uso de anti-inflamatórios pode minimizar os danos. “Se um dos efeitos da radiação é aumentar a neuroinflamação, então o uso de anti-inflamatórios específicos poderia prevenir esses impactos”, afirmam.
No entanto, a proteção não deve ser mais importante do que o tratamento. Tanto Érika quanto Renata enfatizam a necessidade de combater a doença, até porque na radioterapia existe o princípio de que “a radiação tem que ser tão baixa quanto razoavelmente possível”, lembra Érika, afirmando que dessa forma os pacientes não recebem quantidades desnecessárias de radiação.
Os resultados desse estudo podem ser conferidos no artigo publicado em março de 2025 na revista Journal of Neuro-Oncology.
Mais informações: leonirf@usp.br, com a professora Renata Leoni
*Estagiária sob supervisão de Rita Stella
**Estagiário sob orientação de Moisés Dorado
FONTE: Jornal da USP